26/08/2015

Sobre movimentos de minorias pós-modernos.

Talvez eu esteja a exagerar, mas vários dos grupos de discussão de minorias hoje simpáticos a agendas de partidos de esquerda como o PSOL já estão dominados por uma lógica liberal-conservadora. A partir do momento que se diz que um assunto premente e de caráter social como o machismo ou o racismo tem limitação na participação do debate, já se coloca uma lógica privatista, do fenômeno social como dilema de alguns e não de todo. Do machismo falam as mulheres; do racismo o negro; da transfobia a pessoa trans* e por aí vai. Ignora-se o caráter de alteridade e empatia. Confunde-se a ordem das coisas. O argumento não passa a valer pelo seu conteúdo lógico, por sua razoabilidade, mas por quem o expressa e as características psíquico-físico-biológicas que carrega.

É claro que a vivência é importante e que tais discussões não podem se furtar a trazer a voz daqueles que são seus protagonistas, porque isso acarretaria na reafirmação da lógica da exclusão a que essas minorias são vítimas. Mas também não é factível dizer que apenas a lógica da experiência enquanto indivíduo baste, pois assim o fosse todo trabalhador ao longo de uma jornada de trabalho chegaria à conclusão de que o capitalismo traz em si ferramentas de espoliação das riquezas produzidas. Ou em um caso individual, a Condoleezza Rice, mulher e negra, que cresceu em um período de grande opressão, até perdendo uma colega de escola vítima de um atentado racista, jamais ostentaria opiniões conservadoras e não participaria de uma gestão marcada por profunda negligência a problemas sociais.

Concluo portanto que é necessário não negar o caráter social dessas questões, o fator de classe inclusive, e que é preciso sempre estar apto a ouvir, refletir e não partir de um prejulgamento fundamentalista. É possível que muitas pessoas que se predisponham a participar desses debates carreguem consigo as expressões dominantes supressivas existentes na sociedade, mas são pontos a serem desconstruídos, às vezes lentamente. O fato de eu em algum momento asseverar qualquer coisa com algum teor machista não faz de mim um misógino machista digno das piores ofensas. É igualar alguém que está tentando se livrar dessas heranças culturais seculares com uma pessoa qualquer que as reafirma como condição básica de pensar o mundo. É outrossim partir do pressuposto de que seres humanos não erram, são infalíveis, e que a mudança é impossível -- uma ótica profundamente reacionária.

Ao mesmo tempo tais pontos requerem de nós, que não somos objeto central do debate, ainda que dele participemos, compreensão e empatia. Apreender que o outro lado carrega ressentimentos, experiências traumáticas e que o lidar com elas não é sempre fácil. Somos humanos, afinal. Mas continuar a empregar a lógica da "privatização de problemas sociais" é um enorme retrocesso e que tem como consequência quase sempre o ressoar de noções moralistas, de exclusão e, em muitos casos, transformadas em ações concretas calcadas em mero punitivismo. Práticas históricas dos exploradores e que estão a virar régua de alguns explorados. O resultado concreto é que o conservadorismo passa a ser reafirmado por todos os lados. E somos todos nós que perdemos.

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