25/04/2016

O que é ser feliz?


A felicidade é apresentada como um fator importante na Filosofia desde que ela se tornou predominante como método de discutir e conhecer o mundo. Mas a discussão sobre ser feliz é bem anterior à Grécia Antiga e pode mesmo ser encontrada nas tradições orais depois transcritas, como se nota com a leitura de livros religiosos como a Bíblia e o Corão. A felicidade, portanto, é um tema pois peremptório e intrínseco à história humana, mas sempre com importantes distinções e que muito esclarecem sobre cada povo e os tempos por eles vividos.

Uma das distinções básicas do entendimento em Grécia Antiga do que simbolizava a felicidade pode ser compreendida quando a mesma é vista como ideal a ser atingido em Epicuro, por meio dos prazeres; ou como condição moral, a virtuosidade, em Platão. No entanto, mesmo diante do debate da plenitude, havia a consciência da decadência natural de uma sociedade injusta: um famoso provérbio grego dava conta que "A melhor das coisas é não nascer", afinal a vida carrega desde os seus primeiros instantes a relação dialética de ganhar e perder. E por vezes se perde muito mais do que se ganha.

Não é a toa que a visão filosófica sempre marginalizou versões totalitárias do conceito felicidade, muito em voga no senso comum moderno, uma espécie e busca pelo Jardim do Éden na Terra a ser alcançado com trabalho, disciplina calcada na moral protestante e fé bondosa do cristianismo primitivo. Mas, como diria o sábio Odair José, a "felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes". Uma lição básica, exposta em uma música popular de sucesso, mas pouco entendida em um mundo pouco virtuoso e que os prazeres são atrelados meramente ao consumo. Nada mais infeliz e degradante pois que uma sociedade que compra presentes caros pra mostrar o valor da amizade ou de um compromisso amoroso. É a antítese do que deve, ou deveria, ser uma boa amizade ou um bom romance, cujos valores de interesse deviam estar contidos nas pessoas e não nas coisas por elas adquiridas.

Como já diria Marx, o maior filósofo da contemporaneidade, "a desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas." É exatamente o que presenciamos, algo que não dialoga nem com a felicidade de Epicuro, dos prazeres, de se ligar ao outro e nem com a de Platão. Muito menos com a de Sócrates, para o qual ser feliz era, em essência, ser justo.

Vivemos portanto em um mundo absolutamente infeliz, inclusive por suas próprias regras a respeito do que deveria ser felicidade, e que o número altíssimo e crescente de depressivos, a doença das sociedades capitalistas modernas, vem apenas a escancarar do modo mais difícil e doloroso possível -- sobretudo pra quem perdeu um ente para esta enfermidade.

19/04/2016

Como o lulismo matou o PT

Por Gustavo Gindre

Em 1982 o PT elegeu apenas 8 deputados federais.

Em 1986 foram 16.

Em 1990 foram 35.

Em 1994 foram 49.

Em 1998 foram 58.

E em 2002 foram 91.

Ou seja, o PT na oposição só fez crescer, eleição após eleição, o número de deputados federais.

Mas, aí o PT chegou ao poder e passou a imperar a lógica da governabilidade e das alianças (inclusive proporcionais) com partidos de direita.

Em 2006 (a primeira eleição com o PT já no poder) foram eleitos 83 deputados federais. A primeira queda na série histórica.

Em 2010 houve um pequeno crescimento para 88.

Em 2014 o número desabou para os atuais 69.

Depois que chegou ao governo, o número de deputados federais não apenas não cresceu como diminuiu drasticamente.

Com certeza isso fez falta no domingo.

Mas, os "jenios" da política não se importaram em matar o partido para permanecerem no poder.

Crise capitalista se aprofunda e ameaça Alemanha

Para muitos a Alemanha representava um exemplo formidável diante do caos provocado mundo a fora pela terceira maior crise sistêmica do capitalismo iniciada em 2008. Apesar de conseguir apontar algum crescimento modesto nos últimos anos e as autoridades do Bundesbank reforçarem um discurso relativamente otimista, a crise parece estar mais e mais próxima dos tedescos. Até empresas com solidez como as montadoras passam por momento muito delicado: a BMW, por exemplo, teve uma grande perda na casa de 20% com suas ações. A Alemanha, cabe ressaltar, representa política e economicamente a maior liderança dentro da Zona do Euro e sinais de agudização da crise no país repercutirão não apenas no velho continente, mas em todo o mundo.

Leia aqui:

(Bloomberg) -- No ano passado, as bolsas alemãs ainda figuravam entre as favoritas dos investidores na Europa. Agora, até mesmo os estrategistas, que começaram o ano com previsões otimistas, se tornaram pessimistas.

O índice de referência, o DAX, cairá 1,6% neste ano, segundo a média de treze projeções compiladas pela agência de notícias Bloomberg. A queda constituiria o primeiro declínio anual desde 2011 para o indicador, que subiu quase o dobro do que os outros da região desde que atingiu um valor mínimo nesse ano.

Os estrategistas diminuíram suas previsões para o final do ano em toda a região em meio ao crescente pessimismo em relação aos lucros. Antes preferidas porque as exportações as tornavam resilientes à economia em problemas da Europa, as empresas do DAX têm sido punidas pela desaceleração da demanda global e pelo fortalecimento do Euro.

Embora o índice tenha se recuperado mais rapidamente do valor mínimo atingido em fevereiro que o Stoxx 600, a preocupação com que uma piora da perspectiva para o crescimento freie um rali que devolveu mais de US$ 200 bilhões às ações alemãs em dois meses está crescendo.

"Mesmo não tendo parecido assim ultimamente, a situação continuará sendo bastante dura", disse Ralf Zimmermann, estrategista do Bankhaus Lampe em Düsseldorf, Alemanha. Ele espera um ganho anual de 0,5% no índice alemão.

"O DAX é impulsionado principalmente por acontecimentos globais e suas ações estão muito expostas ao ciclo global de negócios - as condições para um impulso ao crescimento não existem".

Jornais estrangeiros denunciam golpe. Saiba o que representa.

Espantou a alguns o fato de vários dos maiores conglomerados de mídia das principais economias do mundo terem denunciado com tanta ênfase o golpe branco que está a ser dado contra a presidente Dilma. No Brasil, como se sabe, o monopólio da informação é de algumas poucas famílias e quase todas elas -- exceto a família Frias, que deu uma de PSTU e pediu o "fora todos" -- embarcaram no impeachment. As Organizações Globo capitanearam o golpe por meio das exibições histéricas e fingidas de William Bonner, Ali Kamel, William Waack e Miriam Leitão na tevê aberta. Nos canais fechados noticiosos e outros meios, vários foram os calhordas que se prestaram a esse papel. Aqui nomeio os principais: Merval Pereira, Cristina Lôbo, Gerson Camarotti, Leilane Neubarth, Sardenberg et caterva.

Mas, sobre a mídia internacional, não sejamos ingênuos: ainda que estejam corretos em sua avaliação, os jornalões do exterior como El País, The New York Times, Le Figaro, The Guardian, Bild e outros só estão a criticar enfaticamente o processo que ocorre porque é uma ótima chance de detonar de vez a credibilidade no mercado que o país tinha -- e nada melhor que um golpe antidemocrático, né não?

Há uma estratégia internacional de frações burguesas nacionais (e as dos grupos de comunicação, pelo menos em parte, são dramaticamente nacionais, isto é, dependem dos seus mercados internos) a fim de enfraquecer os BRICs, pois são países que praticando juros altíssimos, taxa de imposto mínima para capital externo aliados a mão de obra barata, representam quase um paraíso fiscal para a burguesia transnacional, que há algum tempo têm fugido de mercados do capitalismo central em crise -- caso específico da Europa. E farinha pouca, diria o famoso adágio, meu pirão primeiro. E é óbvio que qualquer coisa que puder ser utilizada pra gerar desconfiança nos investidores será feita.

Já a burguesia nacional, burra e tacanha como só ela é capaz de ser, não percebeu essa possibilidade e os frutos começaram a ser colhidos: dólar em alta e bolsa de valores em queda. E conforme a mídia do exterior vá denunciando, e haverá mais e mais argumentos plausíveis para fazê-lo, pior vai ficar.

Domingo todos nós perdemos. Até aqueles que achavam que, ao final de tudo, sairiam ganhando.

18/04/2016

Humor


Autópsia do governo Dilma e do PT. Ou: chegamos ao inverno.

Neste texto pretendo fazer uma breve análise daquilo que levou o governo Dilma a sofrer o impeachment, um golpe branco, e que consigo deve finalizar o período do Partido dos Trabalhadores à frente do Governo Federal, mas não apenas: é o fim, e de forma melancólica, do lulismo e do PT enquanto organização que representava um projeto de esquerda e que com ele inspirou e moveu toda uma geração em torno de suas lutas e bandeiras. Em verdade o mito PT já começou a se diluir há muito tempo, muito antes mesmo de 2002 e da famigerada "Carta ao Povo Brasileiro", quando o lulismo se associou publicamente e de modo desavergonhado (aqui sem imputar qualquer juízo moral, apenas descritivo) ao Consenso de Washington, prometendo seguir seu receituário. Ali foi apenas o gesto final que já era passível de ser enxergado, como dito, desde muito antes. No entanto, como é praxe entre os militantes orgânicos do Partido Comunista Brasileiro, rejeito firmemente visões nutridas de esquerdismos (já diria Lênin, a doença infantil dos comunistas), que tenta igualar o PT e os governos Lula e Dilma a governos anteriores como o de FHC. Há muitas diferenças e seria impreciso e mentiroso perante os fatos negar as conquistas obtidas neste período.

Mas para não deixar a leitura muito extensa e tediosa, irei por tópicos. Contudo cumpre mensurar que, como qualquer incidente e tragédia, e a queda do PT tem um lado trágico que deixará marcas, há muitas pontuações a fazer. E antes faço uma analogia que me parece muito pertinente: tempo atrás fiz uma breve pesquisa sobre acidentes nas provas de automobilismo (Fórmula 1 e Fórmula Indy, as duas categorias que mais acompanho e gosto), e li uma frase não lembro de quem (perdoem-me pelo ato falho) e que é bastante cirúrgica: nunca um acidente fatal é motivado por apenas uma causa. Quando é uma só, ele acaba não sendo fatal. E se serve para as pistas também serve para a política -- e qualquer outra coisa. Vamos a elas, portanto.

Negação da política e o lulismo.

O PT começou a decair ideologicamente há muito, muito tempo. O sinal oficial perceptível publicamente foi o Congresso de 92 quando o partido abandonou o marxismo como linha teórica, fez apelo à democracia representativa burgo-liberal, uma forma de ditadura capitalista (e isso agora é bastante visível pra quem se negava a ver), e marginalizou todas as outras tendências que ainda bravamente resistiam ao processo de centralização de ações em torno do campo majoritário do partido e seu maior expoente, quem seja, Lula. Já ali havia sinais de degradação fortes. Florestan Fernandes, falecido em 95, as enxergava e denunciava. Outro que também pontuava a respeito era o ex-prefeito de Santos, e nosso ex-camarada do PCB, o David Capistrano Filho. Dizia ele, que faleceu em 2000, ou seja, antes do PT chegar à presidência, que o PT acabaria com todos os vícios do PCB da década de 80 e nenhuma de suas virtudes. Se estivesse vivo certamente mudaria o diagnóstico -- mas não para melhor, obviamente.

Lula paz e amor
Dois nomes se destacavam no campo majoritário petista: Lula, a figura pública; e Zé Dirceu, a cabeça pensante, o gestor do modus operandi petista calcado no pragmatismo e que começou a construir um projeto de poder e não um voltado para a classe trabalhadora. É peremptório asseverar, sem recorrer a anacronismos, que toda a esquerda que viveu os anos 80 e 90 passou por momentos decisivos e difíceis: caiu a URSS; o neoliberalismo se apresentou de modo muito sedutor; os EUA se ofereceram como um possível parceiro no desenvolvimento da América Latina; havia todo aquele discurso obtuso, mas aceito à época, que as ideologias haviam acabado, que o pragmatismo em torno do livre mercado e a defesa da democracia burgo-liberal eram o que restava e um fim em si mesmo. Toda a esquerda sofreu com isso, inclusive o PCB (que em 92 rachou dando origem ao famigerado PPS) e o PT.

E todo esse pragmatismo voltado a fazer do PT um campeão de eleições -- e nisso, cabe mensurar, Zé Dirceu se saiu muito bem -- foi aos poucos a fazer o partido se afastar das bases, buscando cada vez mais atalhos puramente político-eleitorais pra se vender como legenda e vender sua grande figura, Lula, em eleições sempre mais semelhantes a relações meramente mercantis: a cada quatro anos alguém se vende pra você e sua pessoa decide se compra ou não. As campanhas milionárias, marqueteiros inspirados a criarem slogans e programas eleitorais muito melhores que os da oposição etc. foram a reforçar a idéia de um PT calcado em figuras, em simbologias, mas raramente ou só nos momentos de dificuldade (como na campanha de 2014) em idéias.

E bom, quais eram as idéias dessa figuras do PT? O lulismo tem simbologias de classe, e até hoje o PT tem uma base classista, mas não é um projeto de esquerda, coerente e bem orientado para um fim que vá além dos mandatos eleitorais. As duas principais características de Lula sempre foram o poder de conciliar com frações distintas ao passo que tinha muita influência nos movimentos sociais. Mas isso, por si só, nunca fez do PT lulista um projeto puramente de esquerda, ainda que englobasse alguns dos seus objetivos, cumprindo alguns e outros não durante seus mandatos. Confirma a tese supracitada o fato de Lula e o campo majoritário do PT não terem qualquer constrangimento em adotar a cartilha social-liberal em 2003 cujo principal mandamento era manter o tripé macro-econômico dos tempos privatizantes de FHC. Ou também se aliar ao que de pior a política burgo-liberal tupiniquim tem a oferecer. É o jogo, diziam. E todo jogo cobra um preço -- às vezes com juros e correção altíssimas.

Governos Lula e governos Dilma

Há uma pletora de textos a pontuar de forma bastante mais rica vários acontecimentos e direcionamentos desses 13 anos de PT na presidência. Mas em geral dá pra dizer que os governos social-liberais de Lula contaram com um contexto favorável: economia global capitalista em crescimento, elevação dos preços das commodities e o crescimento alarmante da China. Tudo isso, associado ao poder que o PT tinha nos movimentos sociais, apassivando-os, permitiu um pacto que, naquele momento, rendeu muito à burguesia, que nunca lucrou tanto por aqui, e fez com que houvesse a inclusão de muitos a partir do consumo.

Só que com a crise de 2008, ações feitas aqui e acolá, umas dando certo e outras não, ficava mais claro que, conforme o período de recessão mundial fosse a perdurar, afinal não era uma crise qualquer, uma simples crise cíclica, mas sistêmica, haveria a necessidade de alguém pagar a conta. E o pato da FIESP é didático: a burguesia nunca pagou e não vai ser agora que iria pagar. E não viam em Dilma uma pessoa capaz de dar o boleto para a classe trabalhadora efetuar o pagamento. Ou não de uma vez. Mesmo o Lula a tentar fazer passar uma "Carta ao Povo Brasileiro 2.0" em vários de seus discursos, prometendo diálogo, conversa e pactuação, as frações burguesas, fartas do petismo, disseram não e avançaram rumo a expulsar o PT do poder e talvez até mesmo extirpá-lo enquanto partido inserido nas massas com alguma força.

Dilma II

Outra questão importante e que acelerou o processo de esgotamento do lulismo foi a incapacidade de Dilma em fazer política, em se relacionar com a base no Congresso e manter ao seu lado setores da burguesia. Seu jeito de ser, sua forma de gerir e os erros de sua equipe -- e foram muitos -- minaram a confiança que tinham no seu governo. Em 2014, quando perderam de vez o mercado financeiro, alguns ministros a aconselharam a mudar a política econômica e tirar Mantega da Fazenda. Claro que esse movimento era em torno da defesa de ações de arrocho, o que demonstra duas coisas: o governo refém dos setores da burguesia em suas políticas, inclusive da especulativa (nenhuma novidade aqui, mas é preciso citar o grau de submissão); e como voltar às bases, o que as propagandas eleitorais sugeriam, nunca foi uma possibilidade. Até porque, convenhamos, o PT já há muito tempo não é voltado para políticas de base. No dia em que Lula foi convocado pra depor coercitivamente espantou o fato de parte da mobilização ter vindo apenas da ala da aristocracia sindical. Não se via peões. E estamos a falar no nome que hoje é maior que o PT e principal liderança no país. Não é pouco.

Crença no republicanismo
E era óbvio que um partido despolitizado, resumido à uma figura política muito hábil, mas que se favoreceu de um contexto altamente positivo economicamente e que em muito foi responsável por esse próprio papel de degradação da legenda, a falta de ação contra monopólios, sobretudo os da área da comunicação, e os escândalos de corrupção, usados por esses próprios monopólios e pela oposição para atacar o governo, foram tornando o Partido dos Trabalhadores refém unicamente dos resultados da economia. E como a economia não vai nada bem, o apoio dos setores da burguesia que ainda se mantinham com o governo (indústria e ruralista) foi perdido e a queda se tornou questão de tempo. O PT acreditou no mito do republicanismo: que o Estado burguês é um ente em disputa e que dá pra conciliar sempre. A chave que a burguesia deu em 2002 agora ela resolveu tirar. Sem motivações fortes para tal, tendo de recorrer assim a um golpe branco, e ao PT pouco ou nada resta fazer dentro do campo da institucionalidade burguesa. É esse o jogo.

Coxinha versus petralha. Ou: como o PT perdeu a classe média.

O PT nunca foi um partido anticapitalista (ele teve tendências anticapitalistas, o que é diferente) e dos anos 90 pra cá o partido assumiu sem medo a defesa de um Estado provedor e assistencialista do capital privado, o que é a finalidade mesma do Estado burguês. Conforme esse processo foi se aprofundando, mesmo com as conquistas sociais, mas por meio da inclusão através do consumo, a classe média dos grandes centros passou a se sentir sufocada tanto pelos impostos quanto pela má qualidade dos serviços públicos -- que lhe empurrava mais e mais para os gastos privados. E se a classe média não é e jamais será um espaço dado a características muito progressistas e revolucionárias, cabe ao menos neutralizar caráter reacionário que aqui é assaz patente. O PT preferiu estigmatizá-la, a chamá-la de coxinha, acusá-la de elitista e outras coisas mais (não que não seja verdade em alguns casos), mas não procurou entender esse fenômeno, suas motivações. Deu de presente essa gente para a oposição que, de 2010 pra cá, anda mais raivosa e radicalizada. E a oposição fez o serviço sujo mancomunada com a grande mídia. O resultado foi a gestação de feroz antipetismo que se apresentou como força política em 2014 capaz de ameaçar o petismo.

O futuro

Eu teria muito para escrever, mas este texto já se faz bastante extenso. De pronto é possível dizer que o PT, mesmo vindo a ganhar outras eleições, vai sofrer impactos profundos e se verá cada vez mais datado no tempo e no espaço. Ultrapassado mesmo. Algumas legendas, como o PSOL, talvez tentem revivê-lo vendendo-se como um petismo puro, sem desvios. Contudo, como vimos, não se chega ao Estado-burguês, que não é democrático, sem fazer pacto com o diabo. E não será por meio de pleitos viciados, garantidos pelo poder financeiro e midiático, que o PSOL e qualquer uma de suas boas figuras chegará à presidência. Algumas outras tendências identitaristas podem eventualmente tentar ocupar a lacuna, mas não devem passar de ações com alguma influência na classe média. E no meio de tudo isso, é claro, um forte discurso conservador a tentar colar em toda a esquerda as mazelas do petismo agora derrotado e surrado em praça pública.

Mas não é um momento para desespero. Ainda que a direita venha com tudo, e virá, a esquerda revolucionária que entrou em 2013 nas ruas fragilizada e marginalizada, quando o pacto da Nova República começou a ser quebrado, agora se encontra bastante mais forte e mais consciente de que, no Estado burguês, não há nada para reformar, apenas derrubá-lo. Várias alegorias vazias que sustentavam o pacto de legitimidade do Estado burguês brasileiro foram ao chão. E ao vivo para todo o país ver. E isso não é ruim, claro. Por mais doloroso que seja um acontecimento, é importante saber como são as coisas e como elas funcionam. Mesmo que para isso tenhamos de passar por um talvez rigoroso inverno, mas com a esperança e certeza de que a primavera uma hora chegará.

A Ilusão

Por Verissimo



Gosto de imaginar a História como uma velha e pachorrenta senhora que tem o que nenhum de nós tem: tempo para pensar nas coisas e para julgar o que aconteceu com a sabedoria – bem, com a sabedoria das velhas senhoras. Nós vivemos atrás de um contexto maior, que explique tudo, mas estamos sempre esbarrando nos limites da nossa compreensão, nos perdendo nas paixões do momento presente. Nos falta a distância do momento. Nos falta a virtude madura da isenção. Enfim, nos falta tudo que a História tem de sobra.

Uma das vantagens de pensar na História como uma pessoa é que podemos ampliar a fantasia e imaginá-la como uma interlocutora, misteriosamente acessível para um papo.

– Vamos fazer de conta que eu viajei no tempo e a encontrei nesta mesa de bar.

– A História não tem faz de conta, meu filho. A História é sempre real, doa a quem doer.

– Mas a gente vive ouvindo falar de revisões históricas…

– As revisões são a História se repensando, não se desmentindo. O que você quer?

– Eu queria falar com a senhora sobre o Brasil de 2016.

– Brasil, Brasil…

– PT. Lula. Impeachment.

– Ah, sim. Me lembrei agora. Faz tanto tempo…

– O que significou tudo aquilo?

– Foi o fim de uma ilusão. Pelo menos foi assim que eu cataloguei.

– Foi o fim da ilusão petista de mudar o Brasil?

Mais, mais. Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo.

Um pouco surpreso com a eloquência da História, pensei em perguntar qual seria o resultado do impeachment. Me contive. Também não ousei pedir que ela consultasse seus arquivos e me dissesse se o Eduardo Cunha seria presidente do Brasil. Eu não queria ouvir a resposta.

15/04/2016

Não é possível conciliar.

Parece ser favas contadas que a presidente Dilma será derrubada em um processo de impeachment coordenado por forças reacionárias. A pergunta que fica diante disso é: como o pessoal reformista pretende se eleger, fazer as reformas que precisam ser feitas, o que o PT não fez, e mesmo assim se manter no poder?

Explico: o PT nestes anos todos nunca ousou mexer nos interesses dos capitalistas. Tudo, pelo contrário, foi em prol de reafirmar ainda mais o Brasil como um país capitalista capaz de prover lucros exorbitantes para o topo da pirâmide. No entanto, ao sinal da primeira crise, uma presidente eleita está prestes a ser apeada do poder sem nenhuma justificativa legal (e lembremos que as leis também têm caráter de classe).

Está cada vez mais claro que com a nossa burguesia não há diálogo. Se mexer com ela, mesmo que minimamente, já era. Não há conciliação possível sem que os daqui sempre tenham que pagar a conta dos que estão lá; os trabalhadores pagando a conta pela crise do sistema que existe para favorecer os patrões.

Isso já era perceptível no século XIX. Marx não era dotado de nenhuma característica sobrenatural quando afirmava que o reformismo era incapaz de lidar de forma satisfatória com as crescentes contradições que envolvem o capital e o trabalho nas sociedades capitalistas. Ele apenas enxergava o que era passível de ser visto. E o acúmulo de experiências neste período (para citar só três, a Comuna de Paris em 1871; Goulart em 64; e Allende em 73 -- três experiências diferentes, mas que, em menor ou maior grau, batiam de frente com interesses das respectivas burguesias) mostrou serem acertadas as suas conclusões.

A democracia burgo-liberal é um mero eufemismo um tanto bonito, mas carente de significados para embelezar essa forma de ditadura da burguesia, que é quem de fato manda e dá as cartas no Estado que é seu e que ela bem o sabe. Contra o Estado burguês por um Estado do proletariado é a única saída razoável, factível. Não há meio termo e isto está o suficientemente claro. Ou eles, os capitalistas, ou nós, os trabalhadores. O mito do republicanismo no seio do Estado burguês está devidamente sepultado.

07/04/2016

Secretário de Educação do PSDB diz que educação não é direito fundamental

Em texto publicado no site do Governo do Estado de São Paulo (clique e leia), o Secretário da Educação José Renato Nalini afirmou que a educação não é um direito fundamental, mesmo criticou a extensão dos direitos como suposto causador da insatisfação dos trabalhadores pelas más condições dos serviços oferecidos pelo Estado burguês e concluiu que apenas a justiça e o policiamento devem estar sob controle estatal, que no mais o Estado burguês deve apenas agir como facilitador da iniciativa privada. Cabe lembrar que, tempo atrás, o senhor José Nalini defendeu um auxílio aos magistrados -- que já ganham na casa dos 30 mil reais por mês -- alegando que "não dá pra ir toda semana comprar terno em Miami" (onde seria mais barato e portanto os auxílios aos super-assalariados seriam justos). (clique e veja o vídeo)

Mas, para finalizar, é importante dizer: as palavras do Secretário da Educação podem causar asco, e causam, mas elas reproduzem exatamente o que pensa o núcleo duro do tucanato paulistano. Prefiro portanto que ele as exponha em público do que a velha hipocrisia dos seus antecessores que sempre tentavam desdizer a realidade afirmando que a educação pública era prioridade dos governos do PSDB, o que não é.

06/04/2016

Antonio Tabet e o discurso kibado

Para quem não sabe, Antonio Tabet é um produtor e empresário brasileiro criador do famoso site Kibe Loco e há alguns anos também idealizador e produtor do Porta dos Fundos, humorístico de grande sucesso no You Tube.

Esta semana o senhor Tabet publicou um texto no Facebook (leia aqui) que eu recomendo vivamente a leitura, pois se trata de uma peça tão importante quanto esclarecedora: mostra como uma vez que se ajuda inflamar movimentos extremistas de direita não há como parar; além do que há repetições ad nauseam dos velhos discursos direitistas.

Começamos por este ponto último: há sim muitas diferenças entre você ser a favor e contra um impeachment perpetrado por gente da laia do Cunha, Temer e dos caciques do PSDB. Esse discurso de que pensar A ou B no final é sempre a mesma coisa, é sempre questão de mera opinião, é extremamente simplista. É óbvio que há muitas pessoas inocentes que se deixam levar pela narrativa midiática e acabam comprando com boníssimas intenções essa retórica. Mas é claro que não é esse o caso do seu Tabet, um empresário muitíssimo bem relacionado que sabe exatamente o porquê do pedido de impedimento da presidente: a economia não vai bem, o governo está paralisado e a burguesia está unida em prol de uma agenda agressiva contra direitos dos trabalhadores, o que o PT não fará de pronto, mas que o PMDB e o PSDB fariam sorrindo por não ter uma base social de esquerda como o PT tem (embora seu campo majoritário não tenha nada de esquerda). A questão da corrupção é mera cortina de fumaça.

E não. Não digo que não há corrupção e muito menos que grandes personagens do petismo não sejam corruptos, como Lula, Zé Dirceu e outros tantos. Dilma, pelo que sei, é uma pessoa muito correta. É uma má gestora e muito ruim em fazer política, mas, até onde sei, corrupta não é. E sua derrubada é um ato meramente político em face a uma série de coisas já expostas. Todo mundo que olha para além do discurso midiático orientado a partir da Globo sabe disso. Não é diferente com Tabet.

No entanto seria um tanto difícil retirar do cargo uma presidente alegando ser ela ruim no comando e não ter tirado direitos trabalhistas o suficiente. Daí vem o apelo do discurso da corrupção, que como se pode ver pela milésima vez no escândalo do Panamá Papers, é global e intrínseco ao capitalismo. Isso não é uma carta branca para o roubo, porém. Que se puna os envolvidos, claro. E a Lava-Jato até tem cumprido um papel importante nesse aspecto, uma vez que tem levado à cela grandes empresários que outrora gozavam da mais absoluta impunidade.

Contudo isso não anula que a Lava-Jato tem cumprido uma agenda política e, nesse sentido, o juiz Sérgio Moro é um dos grandes expoentes desse direcionamento ( E que se diga: o que não falta no judiciário nacional é anti-esquerdista. Janaína Paschoal não é exemplo solitário. Mesmo que o PT hoje faça governos muito mais inclinados para a direita, lhes incomoda tanto as conquistas sociais, pouquíssimas nesses anos todos, quanto a história do PT ligada a movimentos sociais. Elitistas que são, odeiam de corpo e alma que alguém como Lula tenha chegado à presidência. Muito mais do que qualquer suspeição de atos ilícitos cometidos pelo ex-presidente). Quando Tabet diz fazer parte do #TeamMoro e mesmo admite que compartilha coisas dos grupos que agora o ataca, ratifica em síntese todo o modus operandi que está por trás desse movimento de ódio que agora nele respinga. Talvez só tenha aprendido que, uma vez iniciado, não dá pra saber onde vai parar.

E pra encerrar: o autor mostrou insatisfação com a peça, dizendo que discordou de absolutamente tudo no quiproquó, incluso o episódio eu imagino. É enviesado? Sem dúvida. Não menos enviesado que as postagens anti-PT de humor que o mesmo Antonio publica no seu famoso blog -- alguns retirados de páginas que agora o atacam. Não dá pra andar ao lado de gente com tanto ódio e sair dali ileso. Que aprenda-se a lição embora o lucro sempre fale mais alto. O discurso moralista, como já dito, é mera cortina de fumaça assim como a indignação pelos malfeitos por parte de pessoas que ficaram famosas por copiar conteúdos sem dar crédito. Não deixa de ser um tipo corrupção.

05/04/2016

"ACABOU A REPÚBLICA DA COBRA™ !" OU JANAÍNA E AS COBRAS ALADAS OU AINDA "NÓS QUEREMOS SERVIR A UMA COBRA?".

Por Wilson Gomes


Quem me ajudou a entender o perfil dos "juristas de renome" ™ cujo pedido de impeachment foi aceito na Câmara foi uma reportagem de Fábio Zanini, da Folha, publicada em 6/3. A matéria, intitulada "Ex-ministros e advogados reúnem-se semanalmente para criticar Dilma", fala sobre os Comensais do Santo Colomba ®, elegante restaurante dos Jardins, em São Paulo, onde se reúne, desde o início de 2015, Miguel Reale Jr.e uma galera dos campos político e jurídico paulistano. Entendem-se como conspiradores, "conspiratas" como carinhosamente se autodefinem. O que fazem toda semana no Santo Colomba? Zanini responde: "reuniões-almoço cuja pauta predominante são estratégias para tirar Dilma da Presidência, seja pela via do impeachment, seja via cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

Não se enganem. No início de 2015 estávamos longe da crise política em que estamos mergulhados, tínhamos acabado de eleger Dilma, mas a oficina de insatisfação paulistana e tucana já estava à obra para encontrar um caminho, qualquer um, para retirar de Dilma um mandato que os Comensais do Santo Colomba ® julgavam que deveria estar em outras mãos.

Se Miguel Real Jr. e sua turma de velhos tucanos "emprestam um ar de solenidade ao grupo", a energia vem de uma turma de "ex-alunos da São Francisco na casa dos 40 anos.Sua mais conhecida representante é Paschoal, professora de Direito Penal na São Francisco". Janaína Paschoal, orientanda de doutorado de Reale, entra na história neste momento.

Janaína Paschoal escreve de vez em quando na Folha, dá para ter uma ideia do seu perfil. É conservadora na maior parte das vezes, liberal, algumas vezes, mas o que há de mais consistente no currículo da moça é o antipetismo. Paschoal se convenceu de que vivemos sob jugo, que o PT é um polvo marciano que se apossou do poder dominando telepaticamente as pobres mentes brasileiras. Paschoal, por exemplo, defendeu Mayara Petruso, a mocinha que recomendou, em 2010, que se fizesse um favor ao Brasil afogando nordestinos no Tietê, dizendo que na verdade foi Lula quem dividiu o Brasil e que ninguém estava notando o bullying que sofrera Serra naquela eleição por ser paulistano.

Paschoal progrediu muito desde o início de 2015, quando fez o trabalho pesado do pedido de impeachment, em consórcio com Reale e Bicudo, que "agregaram valor" à produção intelectual. Agora tem reconhecimento público em padrão de celebridade e está convencida de estar mudando o Brasil. Deve acreditar que faz com o impeachment o que Moro faz com a Lava Jato: construir um mundo novo, lavado da corrupção no sangue do Cordeiro e depurado de todo o Mal. No caso dela, a convicção está virando religião, uma fé profunda, na qual se vê como sacerdotisa de um culto nórdico em que Legiões vencem Serpentes Cósmicas Aladas.
V
ejo vocês a este ponto, meus pobres leitores, balançando a cabeça, sorriso aos lábios, confiantes em que o velho Will dessa vez perdeu o prumo e exagerou. Pois bem, em apologia deste escriba, transcrevi o final do discurso feito por Paschoal, ontem, no Largo de São Francisco, numa reunião ampliada dos Comensais da M...ehm, dos Comensais do Santo Colomba ®. Recomendo ver o vídeo que a revista Fórum reproduz, para sentir o "crescendo" emocional da Sacerdotisa ao enunciar a alegoria central da sua fé. Ao fundo, infelizmente, ouvem-se profanos gritando "Janaína, casa comigo!". Fazer o quê? Tem gente que não sabe colocar a libido no lugar certo, quer dizer, na política. Tsc. Mas, enfim, confiram vocês mesmos:

"O que está acontecendo? As cobras que se apoderaram do poder estão aproveitando as fraquezas humanas para se perpetuarem. Quais são as fraquezas mais características? A sede de poder, a sede de dinheiro e o medo. Eles se fortalecem no nosso medo, eles se fortalecem na ambição desmedida. (...) Nós estamos num momento de reflexão. Mais do que parar para refletir sobre o impeachment – que há motivos de sobras, como todos aqui já falaram e eu já falei também - , é o momento de discutir a que Deus nós queremos servir? Ao dinheiro? Nós queremos servir a uma cobra?

(Aos berros) O Brasil não é a República da cobra. Nós somos muitos hélios, muitos migueis, muitas lúcias, muitas janaínas, muitos celsos, muitos danieis, eles derrubam um levantam-se dez. Nós não vamos deixar esta cobra continuar dominando as nossas mentes, a alma dos nosso jovens. (...) Por meio de dinheiro, por meio de ameaças, por meio de perseguições, por meio de processos montados (e eu sei do que estou falando porque estou defendendo muitos perseguido político) eles querem nos deixar cativos. Mas nós não vamos abaixar a cabeça, porque desde pequenininha que o meu pai (...) me disse “Janaína, Deus não dá asa pra ccobra”. Aí, eu digo pra ele, “Mas pai, às vezes a cobra cria asa”. “Mas quando isso acontece, Deus manda uma legião para cortar as asas da cobra”. Nós queremos libertar o nosso país do cativeiro de almas e mentes, não vamos abaixar a cabeça pra essa gente que se acostumou com o discurso único: Acabou a República da Cobra!”

04/04/2016

Delação - Porta dos Fundos



Não há onda conservadora no Brasil

   Pelo camarada HG Erik. 
Aqueles que, neste momento, desejam e acreditam na possibilidade de existir um governo moralizador - leia-se, Jair Bolsonaro com vice Sérgio Moro e demais variações possíveis da encarnação do "salvador da pátria" - devem imaginar, se forem minimamente consequentes, que um governo desses exigiria uma forma totalmente autocrática de regime político.

Pois Bolsonaro é um bobalhão oportunista. Não tem nenhuma capacidade de costurar alianças para o projeto que instalariam em sua cabeça ôca para defender. Last, and least, não tem moral para sequer moralizar os próprios filhos. Entretanto, mesmo seu arremedo de ditadura não tiraria o país da crise.

Quem pensa a situação a partir do político não enxerga o óbvio: Lula e o PT eram lindos, de repente se tornaram monstruosos. Por que? Será que a Dilma, eleita e reeleita, se tornou o mal a se extirpar por conta da política petista? Ou será que a política mudou e se tornou insuportável por ter alguma mórbida preferência pela impopularidade?

Ah não, o problema é a corrupção. É ela que fez surgir a inflação, e nem uma coisa, nem outra existiam antes da costela do molusco de barro morder a maçã que levou Cristo à cruz em vão. Mas aí virá São Bolsonaro, que há de instaurar a ética na guerra política e o país sairá da recessão. - A escadinha que o moralismo especula mitologicamente aqui começa na subjetividade e cresce até engolfar a sociedade: primeiro, resolve-se a crise moral, e com isso resolve-se a crise política, e daí a crise econômica. Há que ser estupendamente estúpido para se acreditar nisso.

Entrementes, a pequena burguesia moralizaria a sociedade fazendo justiçamentos na rua - é o que temem os defensores do governo Dilma. Mas essa tese de um "crescimento do fascismo no país" é pari-passu à tese de uma crescente "onda conservadora no Brasil", ou seja, simplesmente empirista, impressionista, falsa. Marketing político do medo, reginaduartismo em prol do PT.

Engraçado é reconhecer - e ter de relembrar aqui - que, quanto a isso, a Marilena Chaui não estava de todo errada. A pequena burguesia (que ela chama de "classe média", com a precisão de um hipopótamo) sempre foi fascista. Se agora "o gigante acordou", daqui a pouco ele dorme de novo.
Nada disso seria qualquer problema se a esquerda brasileira não insistisse em dormir ao seu lado.

Aquilo que precisa ser dito

Poder Popular
A esquerda deve se preocupar muito menos em ser admirada por grupos pós-modernos identitaristas (ainda que suas discussões sejam relevantes, é inegável) do que pelos trabalhadores. A revolução não será televisionada em nem feita por clubinho de classe média.

A revolução será feita pelos trabalhadores, sejam eles brancos, negros, ateus, evangélicos, católicos, umbandistas, teístas, mulheres, homens, brasileiros natos, imigrantes...

Todos eles trabalhadores igualmente explorados, subjugados pelo o 1% que detém mais da metade da riqueza que é sempre pelos trabalhadores produzida.

O protagonismo da luta é e sempre será da classe trabalhadora. De toda ela. E assim sempre será para os comunistas.

Minha gatinha comunista. *_*




 Dos camaradas do grupo Vitroles: "Minha Gatinha Comunista".

03/04/2016

O ovo ou a galinha? Sobre a violência no futebol.

Escrevo este texto forçado por mais um acontecimento lamentável que envolve, segundo alguns órgãos de imprensa e relatos individuais em redes sociais, uma briga generalizada entre torcidas organizadas de Corinthians e Palmeiras, antecedendo o clássico que ocorrerá logo mais e que chegou inclusive a resultar em troca de tiros e na morte de uma pessoa que nada tinha a ver com o confronto. Lastimo muitíssimo o ocorrido e deixo aqui meu pesar aos familiares da vítima, mais uma em um país em que o número de homicídios chega a quase a 60 mil -- um número absurdo superior ao de muitos países em conflito bélico.

E aí está um ponto fundamental e geralmente negligenciado em análises simplistas que ignoram a totalidade dos fenômenos: nós marxistas temos como pedra angular entender qualquer fenômeno a partir de sua materialidade e dimensão, que nunca se basta em si mesma, afinal o marxismo não é um mero instrumento de análise, mas a síntese mais avançada jamais dantes produzida pela humanidade sobre tudo aquilo que nos cerca. Logo qualquer fato deve ser abordado em toda sua dimensão, contendo sua estrutura e superestrutura.

E se o futebol e seus adeptos estão incluídos numa determinada sociedade, é óbvio que vão carregar consigo as características próprias à ela. É uma conclusão um tanto óbvia, mas que é geralmente esquecida e negligenciada em análises rudimentares calcadas no mais tosco senso comum;  A lógica prevalente acaba sendo a mais simplória, a de que há indivíduos malvados por natureza e que estes precisam apenas ser apartados da sociedade, ignorando-se como esses sujeitos são forjados, como a realidade se materializa e deve ser vista para além das meras aparências refletidas em espelhos sociais viciados.

Dito isto, é preciso caracterizar as torcidas organizadas de clubes brasileiros, que não destoam muito do clássico exemplo de violência no futebol do Velho Continente, os hooligans. A maioria são jovens, filhos de trabalhadores de baixa renda e que vivem em áreas periféricas. Tanto no Brasil quanto na Inglaterra o perfil daqueles mais assíduos nesses grupos são semelhantes (como se pode aferir tanto no livro "Entre os Vândalos" de Bill Buford e no livro "torcidas organizadas do futebol" do sociólogo Carlos Alberto Máximo Pimenta): são lumpemproletariados, isto é, jovens na casa dos 20 anos que não estudam e tampouco trabalham, alguns envolvidos em atividades como tráfico de drogas e outras ações marginalizadas no seio das sociedades capitalistas. Em suma: são jovens em situação absolutamente degradante, cuja própria relação com o mundo e consigo mesmo é constituída a partir do signo da violência e da brutalidade. Não espanta, ou não deveria, que tais grupos frequentemente recorram a tais atos para na sua vida encontrar significado.

Repressão

Quando de tais acontecimentos ocorre o efeito manada de pedidos de mais repressão, o que é natural, uma vez que a violência é naturalizada nas relações capitalistas -- e mesmo é uma condição natural ao sistema, seja no plano material e, a partir disso, no simbólico. E tal fato é uma mediação utilizada pra sustentar a idéia de "ordem", de que a repressão vai manter ou pelo menos dar uma sensação -- mesmo que muito equivocada -- de segurança. É um estado de falsa consciência bem possível de ser atestada quando se nota que as Polícias Militares há muito reprimem com violência esses grupos, sejam nas periferias onde moram, seja nos entornos e mesmo dentro dos estádios, sem porém qualquer resultado efetivo a não ser o da agressão pela agressão -- reforçando portanto a simbologia desses jovens do lumpemproletariado e da violência como símbolo máximo de existência.

Na Inglaterra, durante a gestão da neoliberal Margareth Thatcher, a ação perpetrada para afastar a violência dos estádios, personificada nos hooligans, foi afastar o proletariado e por conseguinte os lúmpens a partir da elitização do acesso, com encarecimento do ingresso ao passo que as medidas antissociais (que Eric Hobsbawm bem elencou de "egoísmo como política pública) aumentaram o fosso entre ricos e pobres, deixando estes últimos completamente alijados do esporte que ajudaram a construir e popularizar, numa relação umbilical desde o século XIX. Não é a toa que nos estádios da Inglaterra, hoje, as torcidas mais parecem a platéias de teatro. O clima tipicamente futebolístico, de paixão e envolvimento mais próximo com cânticos e manifestações populares foi definitivamente para o espaço em prol de ações artificiais e rigorosamente controladas de modo policialesco como cita Peter Caton no excelente livro "Stand Up Sit Down: A Choice To Watch Football" e aqui o jornalista da ESPN Mauro Cézar Pereira: (Vejam aqui esse impressionante relato de Mauro Cézar Pereira da ESPN).

No Brasil, como pode se verificar, tal modelo já tem sido implantado há bastante tempo e se potencializado a partir da construção das novas arenas para a Copa do Mundo ocorrida em 2014 e a necessidade de reafirmar o esporte mais e mais como um produto que necessita ser vendido a consumidores -- e não a torcedores apaixonados, que é o que amantes do futebol são. Esse fato não pode ser jamais pensado longe da lógica que rege as sociedades atuais: o capitalismo e a necessidade do lucro, onde tudo vira mercadoria -- até a paixão, os amores, a afetividade. Tudo pode ser comprado. E para mercantilizar é necessário, é claro, embelezar e clarear o produto afastando mais e mais os torcedores que o próprio capitalismo com sua violência quotidiana ajudou a brutalizar.

É importante reafirmar, porém, que a defesa de um futebol mais democrático não pode se tornar a defesa de um futebol refém do lumpemproletariado. O lúmpen é uma terrível consequência do capitalismo. A luta contra "o futebol moderno" não pode se tornar um mero slogan saudosista de quando o futebol era um espaço que, se não reafirmava a elitização, ajudava reforçando a idéia de degradação: torcedores tratados como bois e onde a violência, a falta de educação e uma paixão fanatizada ao extremo típica de setores muito marginalizados eram regra sempre. Um estádio minimamente confortável e uma muito apaixonada torcida, mas civilizada, encarando o esporte como ele é, um mero jogo e não uma disputa de vida e morte, não são coisas antagônicas. Antagônico é civilidade e o capitalismo, afinal a regra mais peremptória da dominação do capital sob o trabalho é e sempre foi a barbárie. E não só no futebol, que é parte disso tudo, apenas.