20/05/2015

VII Congresso da UJC: organizando rebeldias, massificando lutas!

Entre os dias 17 a 21 de Abril, reunida em Niterói-RJ, seguindo o exemplo do grande João Saldanha, o “João sem medo”, a União da Juventude Comunista consolidou importantes bases para sua construção revolucionária através do seu VII Congresso Nacional. As centenas de delegados e observadores presentes no congresso compreenderam a importância da organização, convicção e entrega à construção da alternativa revolucionária para os milhares de jovens, filhos da classe trabalhadora brasileira.

Sob o lema “Organizando rebeldias, massificando lutas!”, a UJC demonstra a vitalidade do seu crescimento, extremamente vinculado às grandes lutas e dilemas da juventude brasileira. Lutas que fazem parte de um contexto que para os jovens comunistas revelam um novo patamar da luta de classes no Brasil e no mundo.


Em escala mundial, o imperialismo amplia o seu massacre aos povos. O poder econômico dos grandes monopólios e corporações está intimamente ligado ao crescente belicismo das grandes potências, à criminalização da classe trabalhadora e suas organizações e ao massacre cotidiano dos trabalhadores. A crise sistêmica do capital impulsiona a ofensiva imperialista, potencializa a guerra e a barbárie cotidiana que retira maiores perspectivas de vida da juventude trabalhadora.


Para a grande maioria da juventude, o capitalismo tem muito pouco a oferecer. Em termos de qualidade de vida a tendência é que as novas gerações vivam pior. Ou seja, com menos direitos, maior jornada de trabalho, educação privada e de baixa qualidade, acesso limitado à produção cultural, maior repressão por parte do Estado Burguês, etc.


A ofensiva do Imperialismo atinge uma escala global jamais vista. Além das incursões contra os povos no Oriente Médio, Síria, Ucrânia, Irã e Coreia do Norte, acompanhamos novas investidas na América Latina. Para a juventude comunista, a luta anti-imperialista não se limita a escolha de um lado menos nocivo nas disputas interimperialistas, mas sim na ampla mobilização de todos aqueles se revoltam contra as guerras que atentam contra a soberania dos povos e a exploração de milhares de trabalhadores. Os jovens comunistas brasileiros expressam sua irrestrita solidariedade ao povo venezuelano e sua revolução bolivariana. Junto aos camaradas da JCV, repudiamos as tentativas de sabotagem do governo norte americano, em parceria com a direita golpista venezuelana, contra o legítimo governo da Venezuela. Temos a exata noção de que apenas o aprofundamento do processo revolucionário na Venezuela, a partir da autonomia da classe trabalhadora e da juventude, poderá golpear de vez as incursões reacionárias neste país.


Também destacamos a importância da solidariedade junto aos movimentos populares, às organizações políticas de esquerda e a Insurgência na Colômbia, que neste momento passa pelas negociações de paz. Reforçamos que a luta pela paz na Colômbia perpassa por modificações políticas, sociais e econômicas para o povo colombiano, através do desmonte da estrutura narco-terrorista do Estado.


O Internacionalismo proletário para a UJC não é apenas um gesto ou formalidade, mas um princípio base da nossa organização revolucionária. Por isso, reivindicamos a importância do fortalecimento, em nosso país e no mundo, da Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD), espaço que deve reunir a amplitude dos atores e organizações que estão em luta contra o imperialismo. Também avaliamos a importância central da rearticulação de um polo revolucionário de juventudes comunistas e revolucionárias, que expresse as lutas contra o poder dos monopólios do grande capital pelo mundo.


No Brasil, o cenário da luta de classes se acirra cada vez mais com a intensificação dos efeitos da crise do capitalismo. O pacto social formado a partir dos governos do PT e seus aliados, que se caracteriza pela garantia da expansão dos lucros dos grandes capitalistas, aliada ao apassivamento da luta de classes – através de medidas compensatórias paliativas, expansão privatista de demandas sociais, como na educação, e cooptação de entidades e movimentos como a CUT e a UNE para dentro da lógica institucional deste pacto -, está cada vez mais enfraquecido, devido à estagnação econômica, aumento da inflação, endividamento crescente e fortalecimento de setores conservadores e reacionários na sociedade brasileira.


Reforçando o que o nosso partido vem analisando nos últimos 10 anos, ao contrário do que tanto se propagava pela estratégia gradualista do campo democrático popular, a conciliação de classes e a perda de autonomia política da classe trabalhadora brasileira fortaleceu as forças políticas mais conservadoras e reacionárias do país. As rebeldias e inquietudes da juventude popular são cada vez mais disputadas por ideias, movimentos e organizações conservadoras, algumas fascistas, a partir de um senso comum baseado no ódio e irracionalidade. O anticomunismo volta a ser uma expressão forte no Brasil.


Além de conviver com o desemprego crescente, precarização das relações de trabalho, aumento das mensalidades nas universidades, corte de verbas na educação pública, privatização da saúde, falta de acesso a terra e moradia, a juventude trabalhadora também sofre com o massacre policial por parte do Estado Burguês e seus aparelhos. O Brasil é um dos países onde mais se mata jovens no mundo, em especial, pobres, negros e moradores de periferias nos centros urbanos. A política militar de segurança pública, tomando o “combate às drogas” como pretexto, recrudesce a onda de criminalização da juventude, através de leis mais duras e do encarceramento. Não é por acaso que está para ser votada no congresso a PEC 131, a qual diminui a maioridade penal no país.


Diante desta complexa conjuntura, a UJC afirma a necessidade de ser uma operadora revolucionária junto da juventude brasileira. Se construir enquanto uma referência de resistência a esta ofensiva econômica, social e cultural do capital em crise e suas expressões políticas desumanas. Referência esta que consiga aliar a experiência prática das lutas das massas juvenis à formação comunista, e que busque sem sectarismos a unidade com forças combativas e populares da juventude brasileira. O desafio é enorme, por isso as grandes decisões do VII Congresso se concentraram nos pontos de reestruturar nossa organização para a nova fase mais intensa da luta de classes. A UJC se reestrutura para a construção do poder popular, isto é, a rearticulação da autonomia política da classe trabalhadora e sua juventude.


Essa reestruturação visa a aproximação, diálogo e compromisso da juventude comunista com os filhos da classe trabalhadora brasileira. Ampliando seu grau de inserção política junto aos estudantes secundaristas, às escolas técnicas, universidades privadas, aos movimentos de bairros populares e grupos independentes de cultura. Trata-se de um novo direcionamento para o crescimento da juventude comunista, em quantidade e, principalmente, em qualidade. Para isso, um dos pontos centrais do congresso foi a aprovação de novas políticas de formação, recrutamento, agitação e propaganda e finanças. A reestruturação revolucionária não se efetivará se estas resoluções coletivas não forem plenamente cumpridas.


Também se reforça a continuidade da acertada política em defesa da Universidade Popular. A disputa na produção de conhecimento e o incentivo à formação de uma identidade entre estudantes e as demandas e dilemas da classe trabalhadora é fundamental para os objetivos da nossa estratégia revolucionária. Devemos continuar e aumentar nossos esforços na construção dos MUP´s pela base, em conjunto com estudantes independentes, movimentos populares e forças políticas aliadas. Os MUP´s são ricos instrumentos para edificarmos a articulação nacional dos Movimentos em luta pela Universidade Popular.


No movimento estudantil avalia-se a continuidade do atrelamento da UNE e a UBES ao projeto educacional hegemônico, com cada vez menos autonomia e referência política para mobilizar os estudantes contra os ataques que a educação sofre e sofrerá neste próximo ciclo. A juventude comunista participa dos espaços da UNE e UBES de forma a propagar nossas bandeiras de luta e dialogar com estudantes independente e forças políticas de esquerda, para além da disputa por cargos na sua diretoria, compreendendo que essa disputa não ajuda a resolver o processo de reorganização do movimento estudantil combativo. A prioridade será a retomada das entidades e organizações dos estudantes de base, uma retomada que priorize a reconquista da autonomia e do poder de mobilização do movimento estudantil brasileiro, subordinada a um projeto de educação popular e ao diálogo com as forças políticas de esquerda.


Para a frente de jovens trabalhadores, o trabalho será intensificado junto aos jovens desempregados, estudantes de escolas técnicas, estagiários e subempregados. Devem-se levar as pautas e campanhas do mundo do trabalho para todo local de atuação que a UJC estiver organizada, além de realizar cada vez mais campanhas gerais e direcionadas junto à juventude trabalhadora. Devemos também incentivar a luta coletiva e a sindicalização dos jovens trabalhadores, através de campanhas criativas próprias, utilizando os mais diversos meios. Apresentando, inclusive, o instrumento do PCB para o trabalho sindical: a Unidade Classista.


Na frente cultural, através do diálogo com grupos e coletivos locais independentes, construiremos a campanha de luta pela democratização do acesso à cultura e produção cultural da juventude. Esse eixo permitirá lutar por mais cinemas, teatros em praças e bairros populares, assim como travar o debate de ideias, pela construção de valores contra hegemônicos. Pretende-se construir um grande festival de cultura da UJC que tenha um caráter massivo e plural.


A Juventude brasileira também sofre com outras formas opressão, apropriadas pela lógica do capital cotidianamente. O racismo, mais do que uma expressão cultural das classes dominantes no Brasil, expressa-se de forma cruel por parte do Estado. Os massacres policiais contra a população pobre e negra, a subalternização dos negros no mundo do trabalho e na educação são apenas alguns exemplos de como os comunistas devem se preocupar com a luta anti-racista como parte da luta contra o capitalismo no Brasil. A UJC, em sintonia com o coletivo Minervino de Oliveira, deve incorporar ações e pautas do Movimento Negro às suas bandeiras de luta.


Outro ponto muito sentido e discutido no Congresso foi a necessidade de fortalecermos o feminismo classista. O machismo tem impacto na vida de milhares de mulheres, em especial nas da classe trabalhadora, estando presente no âmbito das relações de trabalho às relações domésticas. A União da Juventude Comunista deve reforçar as pautas do Coletivo Ana Montenegro, em especial, aquelas que dialogam com a juventude. No que tange a política de reestruturação revolucionária da UJC, unanimemente o Congresso aprovou uma política pioneira de incentivo a formação de quadros mulheres em nossa organização. Também reconhecemos a urgência de aprofundarmos o debate classista sobre o movimento LGBT, assim, a construção da nova frente do PCB para intervir nestes movimentos será de vital importância para a UJC aprofundar suas elaborações, afinal, o objetivo da real libertação da humanidade também perpassa pela superação de todas as opressões que hoje são subordinadas aos modos de produção capitalista.


Estas são algumas das decisões que irão guiar a UJC nos próximos dois anos. A reestruturação revolucionária para a construção do poder popular será o grande desafio. Crescer e popularizar a juventude comunista está em consonância com a formação de uma grande escola de formação de comunistas para o Partido Comunista Brasileiro. Este é o grande objetivo que deverá ser cumprido para que UJC se torne um sonho viável para os milhares de jovens rebeldes Brasil afora.


Acima de tudo, o VII Congresso da UJC reforçou o que há de melhor dentro da rica tradição comunista. Reforçou o vínculo com o PCB e a alegria dos jovens em ter encontrado nas lutas, no estudo das experiências revolucionárias e do marxismo leninismo, a melhor forma racional e humana de canalizar suas rebeldias, inquietudes e revolta contra a injustiça. A conjuntura pede a formação de uma juventude revolucionária, plural, disciplinada, formada nas lutas e com sede de estudar. A Juventude Comunista, sem dúvida alguma, deu passos significativos na construção deste papel. E com paciência e ousadia irá cumprir seus propósitos!


Viva o PCB!


Viva a UJC!


Viva o Internacionalismo Proletário!


Brasil Maio 2015

Coordenação Nacional da União da Juventude Comunista

Link:  http://ujc.org.br/ujc/?p=1792

Etnografia da elite soteropolitana. Vôo São Paulo-Salvador.

 Por Maíra Kubíc Mano*

"-- Professora da UFBA, é? Ah, é uma ótima universidade. Meu filho tentou entrar duas vezes e não conseguiu por causa dos cotistas. E isso que ele estudou nas melhores escolas. Esses cotistas, depois que entram não conseguem acompanhar o curso".

Contra-argumentei.

"-- Já passou o Carnaval aqui? Não? Olhe, fique dentro da corda ou do camarote. Dizem que é preconceito, mas é que eles [os negros e pobres!] estão sempre envolvidos em confusão."

Contra-argumentei.

"-- A Bahia teve um ótimo governador. ACM. Ô tempo bom".

Aí não deu mais. Agradeci a Oxalá pela porta aberta do avião e a possibilidade de sair correndo.


* Maíra é Doutora em Ciências Sociais, docente da UFBA e escreve na Carta Capital.

Luta contra fascismo é também a luta contra o capitalismo

Partido Comunista da Grécia - KKE

Em 5 de maio de 2015, na região de Donbass, ocorreu um encontro de partidos e organizações comunistas para trocar opiniões acerca da situação que está se formando na região sudeste da Ucrânia e das tarefas dos comunistas.
O encontro ocorreu a convite do Partido Comunista Operário da Rússia e da Organização Operária Comunista de Lugansk, onde participaram também o Partido Comunista de Donetsk, partidos comunistas e operários de algumas repúblicas da antiga URSS, assim como representantes do KKE e do Partido Comunista (Itália). O KKE foi representado por Elisseos Vagenas, membro do CC do KKE e chefe da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE. A seguir, apresentamos a intervenção do KKE no encontro de partidos comunistas em Donbass.

Nas vésperas do 70° aniversário da Vitória Antifascista


“Agradecemos muito o convite para participar deste encontro de partidos comunistas e queremos expressar, em primeiro lugar, nossa solidariedade com os comunistas da região que atuam em condições particularmente difíceis e sem precedentes. Nossa presença aqui é uma demonstração prática de nossa solidariedade.
O encontro de hoje ocorre entre duas datas importantes: o primeiro de maio, o dia internacional da classe trabalhadora, que está vinculado com as lutas dos trabalhadores por seus direitos e pelo poder político, e por outro lado, poucos dias antes do 9 de maio que, este ano, comemora o 70° aniversário do fim da II Guerra Mundial e da Vitória Antifascista dos Povos.
Há algumas décadas, quem poderia imaginar que aqui, no território da antiga URSS, os trabalhadores perderiam as grandes conquistas sociais como o trabalho com direitos para todos, a educação gratuita, a atenção sanitária gratuita, a seguridade social, a certeza pelo dia seguinte e muito mais?
Há algumas décadas, quem poderia imaginar que aqui, nestas áreas, se retornaria a uma época em que os parlamentos proibiriam a difusão dos ideais e dos símbolos comunistas, poucos dias antes do Primeiro de Maio e do 70° aniversário da Vitória Antifascista? Quem poderia esperar que estaríamos aqui, nesta zona, onde soariam novamente os canhões e as armas automáticas e tanto sangue seria derramado?
Quem esperava que forças abertamente fascistas desfilariam em Kiev, derrubando os monumentos soviéticos, e forças similares da Rússia e de outros países da Europa celebrariam um Congresso em Leningrado com as forças reacionárias mudando seu nome para “São Petersburgo”?

A respeito da superestimação dos resultados da II Guerra Mundial


Durante muitos anos, a opinião errônea de que a Vitória Antifascista na II Guerra mudou decisivamente a correlação de forças mundial entre as forças do capital e do trabalho, prevalecia inclusive nas fileiras do movimento comunista internacional. Isto se baseava na vitória da URSS, no surgimento dos estados socialistas da Europa oriental, na vitória da revolução da China, na formação de novos estados, nos anos 1950-1960 na Ásia, África e no Oriente Médio, que romperam as cadeias do sistema colonial e estabeleceram relações econômicas, militares e políticas entre a URSS e estes estados.
Supervalorizou-se, pois, a correlação de forças internacional e considerou-se que ela estava a favor da URSS e dos países socialistas. De fato, isto foi alcançado mediante a obtenção de certas conquistas tecnológicas, como o arsenal nuclear e os mísseis intercontinentais. Em princípios dos anos 60, A. Gromyko, Ministro de Assuntos Exteriores da URSS, de 1957-1985, e B.Ponomariov, membro do Birô Político do PCUS e responsável pela Seção de Relações Internacionais do PCUS de 1955-1986, avaliaram que “a construção de mísseis e foguetes espaciais de alta precisão, o lançamento dos primeiros satélites e o envio de um foguete à lua, tudo isso demonstra as grandes conquistas do país soviético nas esferas importantíssimas das ciências e da tecnologia moderna e, entre eles, a ciência militar. A correlação de forças estratégica mudou a favor do campo socialista”Não existe poder “esquerda”, “patriótico”, “antifascista” intermediário.
Nosso partido expressa sua solidariedade com a luta dos trabalhadores em Donbass, na Ucrânia em geral, e considera que esta luta contra o fascismo, pela defesa dos direitos trabalhistas e as conquistas populares não deve ser separada da luta contra os monopólios, contra a exploração capitalista e seu poder, não deve cair em aliança com as forças burguesas e oportunistas que tentam salvar a forma parlamentar da ditadura capitalista. Deve focar no objetivo do poder trabalhador sem vacilações; não deve mudar a linha e o conteúdo do objetivo da Aliança Popular como aliança social em direção antimonopolista-anticapitalista de luta, como oposição operária e popular contra o poder burguês. Apenas desta maneira a luta popular pode salvaguardar sua perspectiva.
Isto não é uma questão de correlação de forças, mas uma questão que surge da atualidade e da necessidade do socialismo, do fato de estarmos na época de transição do capitalismo para o socialismo, inaugurada pela Grande Revolução Socialista de Outubro. Apesar da derrocada contrarrevolucionária, o caráter de nossa época não mudou, porque continuam existindo a contradição fundamental do capitalismo entre o capital e o trabalho, continua existindo todos os impasses sociais do capitalismo. A única solução é a queda revolucionária do capitalismo. É claro que precisamos considerar que a correlação de forças hoje em dia é muito negativa, porém não para renunciar às tarefas do partido comunista, mas para melhorar nossos argumentos e tática que estão indissoluvelmente vinculados à nossa estratégia.

Sobre a postura dos comunistas em condições de aprofundamento das contradições interimperialistas


Hoje em particular, a crise econômica aprofundou os antagonismos, as contradições entre os estados capitalistas e as diversas alianças imperialistas, que se colocam cada vez mais agressivas contra os povos com a finalidade de reforçar sua posição geopolítica, a distribuição de mercados, o controle dos recursos e das rotas de transporte de energia. Portanto, é de grande importância que existam forças comunistas, como era o partido de Lenin, que não se alinharão com nenhuma potência imperialista. Estas forças estarão na linha de frente na luta pelos direitos trabalhistas e populares, contra a intimidação fascista e a guerra imperialista, contra os monopólios e o capitalismo. Forças que não vão cair na “armadilha” de apoiar uma potência imperialista, independentemente dos pretextos, ou no engano do pacifismo. Porque seguem sendo vigentes as posições de Lenin, que dizia que “‘as consignas de pacifismo, de desarmamento internacional nas condições do capitalismo, dos tribunais de arbitragem, etc. são mais que uma utopia reacionária, são um engano aberto dos trabalhadores cujo objetivo é desarmar o proletariado e distraí-lo de sua tarefa de desarmar os exploradores.
Apenas a revolução proletária, comunista, pode tirar a humanidade do beco sem saída que o imperialismo e as guerras imperialistas criaram. Sejam quais forem as dificuldades da revolução e os possíveis revezes temporários, ou as ondas da contrarrevolução, a vitória final do proletariado é inevitável”

Tradução do Partido Comunista Brasileiro - PCB.

18/05/2015

Crise econômica e consequências sócio-políticas

 Estes dias estava a me deparar com algumas foto-mensagens tétricas de conteúdo absolutamente simplista de página de teor fascista no Facebook. Ao notar que aquele esquálido material já tinha sido compartilhado por quase 200 mil pessoas, com mais de 100 mil curtidas, bateu-me de forma abrupta um sentimento de desespero consubstanciado com impotência. É impossível lutar contra isso, pensei desolado.

 E calcado em três aspectos que me fizeram refletir: a discussão sobre direitos de minorias requer alguma sofisticação teórica. Não é de fácil consecução, por exemplo, versar sobre as consequências do racismo e as melhores formas de começar a combatê-lo ainda dentro do Estado burguês, com a sociedade dividida em classes e todas as contradições daí decorrentes; em contrapartida os contra-argumentos (se é que os podemos chamar assim) como o fascistóide mensurado acima surfam no senso-comum, no discurso pronto que, simplório, se encerra em si mesmo; e toda a tradição conservadora da formação dos brasileiros que de uma maneira ou de outra induzem a opinião pública, calcada também em educação formal defasada, a aceitarem com facilidade -- e prazer -- esse tipo de retórica chula conservadora e que não apenas legitima o status quo como ainda insere uma série de juízos que são anteriores -- e muito piores -- que aqueles defendidos ao menos textualmente em nossa Constituição burgo-liberal.

Feita esta breve ponderação, comecei a me recompor. É evidentemente a luta, organizada, em partidos anti-capitalistas, a melhor forma de atuação da classe trabalhadora não apenas em busca de uma sociedade igualitária, mas também na defesa daquilo que duramente foi conquistado e integrado ao Estado de direito burguês.

 Histórico de violência

Ainda a respeito desses discursos de ódio, fascistóides e que cada vez mais passam a ser legitimados de modo oficioso pela sociedade como se se limitassem a retórica idiossincrática, relativizando-se a objetividade dos fatos, uma das mazelas pós-modernas, é preciso compreender a formação social brasileira, que é, grosso modo, concebida a partir da violência: primeiro a violência do colonizador sobre o colonizado; da metrópole contra a colônia; do senhor contra o escravo; do homem contra a mulher; do catolicismo contra as demais manifestações religiosas; e por aí vai até chegarmos em um cenário capitalista onde a exploração e a violência tomem características típicas da luta de classes, a assentar-se nela.

Esta compreensão, ainda que aqui apenas esboçada sem a profundidade exigida, encerra o mito do brasileiro como um indivíduo amoroso, festivo, sempre alegre. Estas características em verdade dizem muito mais respeito a uma construção verticalizada, imposta, que calcada em estereótipos das etnias africanas que compõem a cultura brasileira e na tentativa de amainar contradições sempre muito vívidas no Brasil foram recebidas como verdade pelo imaginário popular, seja nacional ou internacionalmente, a ser o samba na primeira metade do século XX e posteriormente o futebol a grande plataforma de propaganda dessas idéias que carregam pouca verossimilhança.

Estado autoritário e pouca participação popular

Outra característica desse fenômeno é como ele é encarado pela população em geral, assumido como verdadeiro mesmo a contrastar com a realidade vivida: só ano passado mais de 50 mil homicídios foram cometidos no país e a violência é assistida em telejornais como forma de entretenimento, seja matinal, noturno ou mesmo em pleno horário de almoço.

O nosso homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, que age com o coração e ignora a racionalidade, é assumido paradoxal e erroneamente como bom, educado, prestativo. E passivo. E é um fenômeno que só pode ser compreendido a partir da imensa distância do Estado, autoritário, de modelo historicamente prussiano, para a sociedade civil e as classes sociais que, massivamente combatidas, exploradas e enfraquecidas, não tem aderência à ele.

É diante deste fenômeno que o Estado e seus órgãos alinhados -- na época da autocracia burgo-militar as Organizações Globo e a imprensa, por exemplo -- ganham grande autonomia em relação às massas e poder para determinar a superestrutura.

Destarte, a construção simbólica do brasileiro torna-se bastante alheia à realidade. E pior: sem direito à contestação. As Organizações Globo, por meio da Rede Globo e das telenovelas, por exemplo, ícone máximo de propaganda e discussão da brasilidade por meios de comunicação de massa, durante décadas constituiu uma construção da narrativa em que o homossexual, o negro, a mulher e, por fim, os trabalhadores conviviam com certa harmonia com personagens hostis e de perfil mainstream.

Mesmo em folhetins do final dos anos 80 e metade dos anos 90 em que os autores assumiam críticas sociais e discursos políticos (veja esta maravilhosa crítica de O Rei do Gado), as personagens em geral apresentavam tais narrativas de modo sutil ou com ênfase reformista. A sociedade com base em hierarquia do manda-e-obedece; do que tem-mais-e-o-tem-menos nunca apareceram como ponto fulcral de crítica cuja qual deveria ser destruída.

A democratização, o poder do monopólio do Estado e seus órgãos oficiais

A partir dos anos 90, da imersão de um capitalismo mais de mercado do que de Estado, este foi a perder aos poucos o monopólio que detinha da compreensão e da discussão política. Isto fica mais evidente em termos midiáticos com a perda da audiência da Globo, que chega nos fins dos anos 90 a ter que dividir a liderança de audiência com SBT em algumas oportunidades -- algo que foi a se tornar cada vez mais comum.

E a Globo é um capítulo muito peremptório dentro dessa concepção de construção do imaginário nacional. Primeiramente porque ela é um projeto da autocracia burgo-militar (64-85) que nasce já um ano depois do golpe e tem como objetivo ser instrumento oficial de propaganda, embora surja privada e com ênfase comercial (ainda que com vasto investimento público e leis que a permitiram controlar o mercado). Isto a distingue de emissoras como a BBC no Reino Unido ou ARD e ZDF na Alemanha.

 No entanto, pela falta de concorrência, a emissora pôde durante muito tempo se calcar em uma programação que fugia do quotidiano e do gosto da maioria da população, a negar inclusive as diferenças regionais marcantes que ajudam a conformar o Brasil. À essa postura, um tanto que alheia à barbárie do dia a dia, se convencionou a chamar "padrão Globo de qualidade", por ter qualidade de produção de ponta e um conteúdo não tão miserável -- embora ruim e pobre -- que dialogava com todas as classes sociais.

 Isto passou a ser um entrave conforme a Globo e, atualmente, a televisão deixavam de ter monopólio sobre o entretenimento. E isto se deu em três momentos: fortalecimento da concorrência na tevê aberta que conseguiu puxar a audiência dos mais pobres com programação sensacionalista, donde se destaca o SBT nos anos 90; com a fuga da classe média para a tevê por assinatura; e por fim com a internet.

Internet: mais liberdade, mais horizontalidade. E a realidade nua e crua

Mesmo as Organizações Globo tendo predomínio em todos os setores de mídia no país, muito em conta das leis estatais que datam do tempo da autocracia burgo-militar e que lhe concede privilégios e limita a concorrência, com a internet a discussão é muito mais horizontal. Os meios de comunicação burgueses perderam a capacidade de delimitar completamente a discussão pública -- ainda que tenham ainda enorme capacidade de influenciá-la.

Isso pôde ser observado muito claramente com as manifestações de Junho de 2013, onde a imprensa burguesa, uníssona, tratou de condenar e criminalizar o movimento como de praxe e teve de rever sua postura para não ser deslegitimada por completo e perder a possibilidade de influenciar, algo que se deu pela força da internet.

Os exemplos negativos também existem e abundam. E o exemplo citado no intróito do texto não é claramente o único. De modo mais sentido, talvez, caiba lembrar da última eleição presidencial, quando uma certa onda azul tanto no Facebook, mas principalmente no WhatsApp inundou de mentiras e factóides as redes e certamente foi responsável pela votação gorda do candidato do PSDB Aécio Neves.

 Da eleição pra cá esses instrumentos, que são utilizados por pessoas que têm menos compromisso social e com a verdade que os órgãos de imprensa tradicionais da burguesia, têm se direcionado para o ataque contra as bandeiras progressistas, dos Direitos Humanos e da esquerda. Com enorme adesão por toda uma estrada já previamente asfaltada pela formação conservadora, mas com a ajuda de um sistema educacional ruim -- e se verifica que não apenas o público -- e com o incremento da raiva e do ódio sempre presentes. Algo que os órgãos oficiais da imprensa burguesa tentaram dissuadir em sua força e contundência, mas que a televisão já há algum tempo em nome de pontos no Ibope começava a abrir espaço com Datenas, Rezendes, Sheherazades et caterva.

 O amálgama desses fatores, todos eles agora a encontrar algum grau de coesão com a crise econômica capitalista, explicam em boa parte toda a pletora de ódio, raiva e discursos que deslegitimam a humanidade do outro; um proto-fascismo que aqui em São Paulo, pelo menos, já não tem nem mesmo o medo de mostrar a cara e que desmistifica a idéia de um Brasil sem conflitos, harmonioso e apto a acolher bem o outro. Como assevera Manuel Castells aqui, isto é uma falácia. Uma falácia historicamente construída.



14/05/2015

O louco mundo do futebol

 Como podem três atacantes valerem mais que toda a equipe adversária? E não. Eu não me refiro a Corinthians e Guaraní, cujo apenas os salários de dois reservas do primeiro seriam suficientes pra bancar todos os jogadores do time paraguaio. Eu me refiro a Barcelona e Juventus, finalistas da Liga dos Campeões da UEFA.

 E a Juventus, mensure-se, não é nenhum time pobre. É hoje de forma disparada o time mais rico do futebol italiano. E mesmo assim tem uma equipe que não vale três jogadores do time rival...

 Esse é o mundo louco do futebol. Onde gasta-se demais para chegar no mesmo lugar -- às vezes nem isso, caso do Corinthians, eliminado agora e que verá o time paraguaio seguir caminho na competição pela televisão.

O mundo à parte do futebol, assim como da política burguesa e dos grandes monopólios, preso numa bolha capitalista enquanto as pessoas vivem a sofrer as consequências de uma terrível crise, é insustentável. E um verdadeiro acinte com todos nós.

A primeira reforma a ser feita se se quiser resgatar o futebol brasileiro é equiparar os salários dos jogadores daqui aos que atuam nos outros países da América do Sul. É injustificável o Corinthians, São Paulo, Cruzeiro, Inter e Atlético terem folhas salariais que são o dobro, o triplo ou até quatro vezes maiores que de times da Argentina, Uruguai, Chile e México. E para ter desempenho parecido.

E uma vez todos endividados, recorrem ao governo pra pegar verbas ou receber perdões com um dinheiro que deveria ser utilizado para coisas de fato importantes e que todos estamos carecas de saber a importância.

E para a Europa a mesma coisa: os governos da Catalunha e de Madrid têm coisas muito mais importantes do que facilitar gastos exorbitantes das suas equipes oficiais. E a UEFA precisa urgentemente rever essa disparidade econômica que faz da Uefa Champions League um oligopólio em que sempre os mesmos é que estão lá, matando pouco a pouco a maior graça do futebol, que é a imprevisibilidade.

E é por ela que torcerei pela Juventus na grande final dia 6 de Junho em Berlim. E como asseverou Mario Magalhães no tuíter "Tévez é o famélico diante do prato de comida. Ganso, o anoréxico. Tévez é sangue latino. Ganso, sangue de barata -que desperdício de talento''. E é pela Juve do Tévez, contra todos os prognósticos, é que apostarei.

13/05/2015

Jornalismo no Brasil: o banditismo social acima das leis.

Há algum tempo eu estava a perceber-me um pouco irritado. Além do estresse natural da vida caótica nos grandes centros urbanos, outra situação estava a me chatear imensamente: as distorções as mais absurdas que ouvia, lia e via a partir da grande mídia, oligopólios controlados por seis famílias, algo em torno de 70% de todos os meios de comunicação no Brasil.

Pois eu simplesmente parei de acompanhar. Não dá pra assistir a Globo News e ver especialista-amigo do William Waack a falar que o petróleo e outros setores estratégicos do país deveriam ser privatizados quando nem mesmo nos EUA o Estado abre mão do controle dessas áreas. Não dá pra aguentar passivamente essas pessoas clamarem contra o monopólio de determinadas áreas estatais quando os próprios meios de comunicação nos quais trabalham -- e não como simples funcionários, mas porta-vozes dos donos -- formam um grande oligopólio em que as Organizações Globo, acima de todas as demais, têm plenos poderes sobre todo o mercado, vide a dificuldade de empresas do exterior se estabelecerem aqui (há várias leis do setor que datam da época da autocracia burgo-militar e que foram criadas exatamente para proteger as empresas da família Marinho).

 É muita canalhice. Mas é uma canalhice suportável, digamos assim, pois são assuntos em que a reação pública não é direta.

O problema maior é quando essa imprensa vil resolve atacar diretamente setores mais fragilizados, como foi o caso daquela senhora com diploma de jornalista do SBT. Ou quando Rezendes, Datenas et caterva por míseros pontos no ibope clamam a população à barbárie como forma de resolver problemas que só existem por falta de questões básicas como boa educação pública, por exemplo.

Isso é insuportável. É uma verdadeira desgraça.

Foi por isso que simplesmente parei de ver essas coisas. São como um soco no estômago: você estuda anos para compreender melhor problemas que não são de simples resolução, e um fascistóide, a desconhecer as normas mais básicas de qualquer coisa, apresenta soluções simplistas e desumanas e é tratado ainda como "amigo do povo". Não é fácil.


Mas o banditismo social da grande mídia não surfa apenas no extremo do fascismo. Ele vai em várias áreas, como a que me deparei ontem ao passar pela Rádio CBN que fazia uma matéria sobre ato de motoristas em São Paulo.  A jornalista com voz manhosa dizia: - A greve prejudicou (sim, não foi atingiu. Foi prejudicou, mesmo) não-sei-quantas-mil pessoas. Impediu que pessoas chegassem a tempo no trabalho, hospitais (Como ela sabe? Saiu perguntando pra cada um? Impedir é o mesmo que não deixar fazer. Não existe só ônibus pra se locomover em São Paulo). E para completar o roteiro conhecido, colocaram uma mulher alheia aos elementos mais básicos da nossa Constituição burgo-liberal pra comentar, a dizer que aquilo era uma vergonha, falta de respeito com o trabalhador e todas aquelas coisas de sempre. Tudo pra criminalizar o direito de greve, que está garantido na Constituição.

O que dizer diante de coisas como essa? É ou não uma atitude criminosa?

O jornalismo no Brasil, sobretudo o policial, econômico e social é essencialmente composto por mercenários que fazem o trabalho sujo para os donos das emissoras nas quais labutam. Muitos, inclusive, fazem com gosto. Tenho vários amigos jornalistas -- mais da área de esporte, mas alguns de outras áreas -- que contam como as redações tendem em 90% das vezes a convergir com a visão anti-povo de quem a controla. E como essa gente aplaude com ardor editoriais que convoquem a PM a reprimir e até a sequelar se for o caso -- vide 13 de Junho de 2013.

De onde concluo que é impossível pensar em um país melhor com essa turba, que fazem banditismo social, a ter poder de voz sem nenhum tipo de contestação. Essas pessoas são inimigas do povo, das bandeiras populares e de um mundo mais justo, igualitário e fraterno, onde a democracia seja um fato e não apenas um ideal distante restrito a normativas legais.

A grande imprensa é um covil de abutres. E como diria o hino dos trabalhadores: "se nos faltarem os abutres, não deixa o sol de fulgurar".



12/05/2015

Mapa Mundi Trágico.


Polêmicas insalubres

A mais nova polêmica na redes sociais -- ou uma das, porque tem sempre bobagem nova a aparecer -- é um comentário da Luciana Genro a respeito de uma capa de uma revista que em virtude do Dia das Mães afirma que Angelina Jolie é uma "Mãe Coragem".

Como tempo no capitalismo é dinheiro -- e ainda vivemos na desgraça desse sistema, e precisamos trabalhar pra ganhar o nosso --, sem delongas o comentário da Genro e o chorume de uma personalidade do ramo das ciências:



E um detalhe importante: o intelectual acima não foi o único. Como ele, vários se solidarizaram com a atriz, que se transformou em símbolo de coragem por fazer aquilo que nunca nenhuma outra mulher fez: ter um filho. E com uma renda anual que supera o PIB de muito país mundo afora.

Sim, condição econômica não é o único fator exigido para se cuidar de uma criança. Mas é determinante. O mais determinante.

Viver e crescer no mundo em que vivemos com o mínimo amparo custa dinheiro. E não é pouco. Se isso vale para quem cuida de um cãozinho, um gatinho ou um coelho, imagine para quem vai educar uma criança...

Uma mãe que vive em bairros da classe trabalhadora, as ditas periferias, com 1, 2 salários mínimos, a ter de trabalhar, colocar seu filho em escolas públicas sucateadas, em ambientes de degradação humana, sob a mira da violência e de tudo o que há de pior fruto da desigualdade, é incomparavelmente uma pessoa de mais coragem -- e talvez com um pouco de irresponsabilidade -- que uma mulher que acumula uma fortuna capaz de ter três, quatro, cinco, cem babás pra cada filho.

Sabemos bem, porém, que essas revistas são voltadas para a imbecilização, o endeusamento de famosos, o fetichização da ostentação de riqueza e tudo aquilo que dialoga diretamente com um mundo em putrefação.

Mas não deixa de espantar  que enquanto há milhares de mães por aí a fazer das tripas coração pra cuidar dos filhos, mesmo sob o preconceito da sociedade por serem mães solteiras, ou chutadas da casa dos pais, ou vítimas de violência por parte dos parceiros, uma mulher bilionária, exemplo de modelo de família de pote de margarina (aqui mais glamorizado) se torne símbolo de coragem.

Isto me lembra uma discussão que uma vez travei na graduação com um colega da área das exatas: Senna é um herói? E ele dizia que sim, pois ele representaria aos brasileiros andando a 300 por hora arriscando a vida.

Sim, pra andar em um carro de F1 naquela época era preciso coragem. Ele dizia representar os brasileiros e muitos se sentiam representados. Mas isso é um ato de heroísmo? Não me parece, definitivamente.

Angelina Jolie pode até ter desbravado medos, superado problemas e -- por que não? -- ser uma pessoa de coragem -- inclusive pra abdicar de tempo pra cuidar de crianças. Ser símbolo de coragem, no entanto, já é demais.

Mas vá ver o errado sou eu. Talvez a atriz seja a mais corajosa das mulheres; e as mulheres pobres, com todas as dificuldades supracitadas e tantas outras mais, tenham um pouquinho menos de coragem e bravura.

Talvez ter filhos vivendo nas periferias por aí não seja um ato de muita valentia e coragem, diariamente. E talvez devêssemos encarar com mais naturalidade quando esses filhos são mortos pela polícia por motivo fútil, como aconteceu com um rapaz de 16 anos, o Wallison, que estudava no colégio que eu fazia estágio (aqui a matéria: http://www.jornalnanet.com.br/noticias/6082/abordagem-da-gcm-termina-com-um-jovem-morto-em-itapecerica ) e que o policial, que cometeu o crime, está solto e ainda a trabalhar na corporação.

Será que um dia isso acontecerá com um filho da Angelina Jolie? Eu acho (e tomara) que não.

11/05/2015

O capitalismo venceu


 Acordo logo cedo, pois tenho de ir à labuta. Dia frio, modorrento, com o insuportável barulho de carro à residência adentrar sem permissão pedir e a sorrateiramente avisar: mais um dia difícil está para chegar.

 Vou à padaria e lá escuto alguns brotos a comentarem sobre futebol e causos do quotidiano enquanto a tevê, sintonizada na Globo, apresenta matérias sensacionalistas e factóides para chocar: um motorista perdeu o controle e bateu em um poste, afirma o apresentador. Enquanto espero o pão francês ser ensacolado, ouço exclamações. Muda a matéria: corrupção-não-sei-aonde-e-em-todo-lugar. E a platéia uma vez mais reage: - tudo ladrão! - essa merda não tem jeito!

 Enquanto tomo o rumo de casa, adentra um jovem de classe média, que interage: - Brasífilis! Bananolândia! Dou mais alguns passos, olho para trás, e vejo os mesmos senhores extasiados com a propaganda de carro que intercala a programação causuística do matinal global.

 Chego em casa, faço a refeição de modo apressado, uma vez que o ônibus sempre lotado e pronto para quebrar, eu não posso perder. Mas enquanto engulo o pão, dá tempo pra dar uma espiadela a mais na televisão. E lá está Miriam Leitão proclamando com base na leitura de manuais didáticos de economia mainstream o que o Estado burguês deve fazer para promover o bem-estar geral da população. Fosse apenas chulo, comento com meus botões, seria até razoável.

 Pego o ônibus, motorista mal-humorado, fila enorme na catraca. Há algo estranho. Não vejo o cobrador, que era um piadista que a nossa terrível manhã minimamente alegrava. Pergunto ao motorista que laconicamente responde: - Demitiram todos. Agora eu dou o troco.

 Estava explicado!

 O Governo do Estado de São Paulo que acabara de aumentar o preço da passagem, em contrapartida, para melhorar o serviço, demite um prestador de serviço. E fica o motorista incumbido de dirigir e passar o troco para aqueles que ainda não possuem o cartãozinho, o Ruim. É, eu vou ter de comprar o Ruim, concluo.

 Ao chegar no trabalho, todo mundo estressado, o porteiro clama pela aposentadoria, o mais jovem, seu assistente, pensa no feriado, e eu, não tão apressado, sinto-me contente em pensar que 12 horas depois, se nada de especial acontecer, como uma garoa, eu estarei novamente em casa, mesmo que exausto, acossado.

E todos os meus colegas desmotivados.

 Que vida dos diabos!

 Salas super-lotadas (com ou sem hífen?), crianças e adolescentes abandonados a própria sorte e estafados, falta de material para a consecução de um bom trabalho: bem-vindo à sala de aula no Estado de São Paulo.

 A Guerra Fria para o terceiro ano do Ensino Médio eu terei de pautar. Ensinar, intermediar, ensino tradicional ou construtivista? Qual método utilizar? Que indagação besta e fora de propósito, piá. E para confirmar um discente me questiona se fazia muito frio quando da tal guerra.

 Deus nos acuda, afirma uma professora ao o causo eu lhe contar. Ao passo que Paulo, mais sábio, corrige: acusa, acusa... Só não sei de quê. O que fizemos? - questiona em tom de lamentação. Uma professora católica, conservadora, eleitora de Alckmin, que acredita que faz parte da elite por ganhar 2 mil reais por mês enquanto alguns dos pais de seus alunos passam fome, tripudia: não reclamem, é melhor que Cuba. Por que você não vai pra Cuba? - pergunta ironicamente. E se vai. Vai com as cartilhas do governo do Estado repleta de erros ensinar que devemos simplesmente aceitar a miséria em que vivemos. E agradecer.

(Tempo depois foi afastada porque estava obrigando os alunos a rezarem. Acontece).

 Mais quatro turmas e encerro o meu expediente, duro expediente. No ponto, pego o celular, acesso o tuíter e vejo que uma crueldade foi cometida contra um jumentinho. Um monstro tentou matar a pauladas, a não conseguir, usou uma faca. E ainda enterrou o bicho vivo. Essa notícia, que não é fictícia, acabou com meu dia. No ônibus pisam no meu pé, empurram-me, mas mais nada importa: nem mesmo a criança a dormir ao relento, algo que passa a parecer até uma violência normal perto da cometida contra o pobre jumentinho. E pergunto-me: por que tanta maldade?

Chego em casa, e lá pelas tantas ligo a tevê e lá está a passar um comercial de uma empresa que se diz de processamento de carne, e que paga milhões por uma simples intervenção. Um aluno, dias antes, me perguntara porque apesar da concessão pública as emissoras não discutem a questão do consumo de carne. Talvez aqui esteja a explicação. Ou não?

E continuamos. E continua a programação, daquele mundo da tevê, que estréia uma novela sobre um bairro de classe trabalhadora, vulgo periferia, que os protagonistas, como era de se esperar, não são trabalhadores. Ou seja: não são seus verdadeiros protagonistas.

Louva-se o casebre. Louva-se o que emerge da intensa marginalização. E dizem: veja só, morar numa casa com goteira, pequena, sem acabamento e sem mesmo rede de esgoto não é tão ruim. Vai assim: é só tocar um funk, dançar e o que a vida tem de bom, mesmo assim, é passível de se aproveitar. Comemorar.

O quê?

Perco a paciência, desligo a tevê e em busca do que fazer enquanto as atividades das próximas aulas hei de aprontar, ligo o rádio e lá está Jabor, na CBN, a propalar: o capitalismo venceu!

E nós todos perdemos, complemento antes de uma vez mais perder a paciência e desligar o rádio.

Poder Popular por Raúl Zibechi

Não é possível um mundo melhor, socialista, onde as estruturas do Estado burguês, toda sua forma de controle e reprodução da ordem sejam mantidas. É um paradoxo que muitas vezes se viu e os resultados, obviamente, não foram bons. É por isso que a luta pela construção do Poder Popular é de enorme importância e jamais deve ser marginalizado sob qualquer hipótese ou circunstância. Não há poder popular se quem determina os rumos não é o povo.

A seguir, apresentamos um
a síntese do pensador marxista uruguaio Raúl Zibechi sobre o tema do Poder Popular. Tradução e adaptação de Ivan Barbosa Hermine, integrante do Comitê Central do PCB.


Sobre o Poder Popular, os debates, as discussões, os escritos em torno deste tema têm uma longa história, quer no movimento socialista ou nos movimentos revolucionários do mundo. Diria mesmo que antecede os escritos de Marx, porque na própria revolução francesa houve forma de organização popular. Embora eu não vá considerá-la, seria interessante que levem em consideração como antecedentes aos debates sobre como exercer o poder de uma forma que não seja uma réplica, um decalque, uma cópia, como disse Mariátegui, do poder burguês, com base no que seja o Estado.

O próprio Marx pouco considerou este tema na maior parte de seus escritos. É sabido que Marx abordou, de forma muito intensa, a análise econômica, mas não abordou o tema do Estado, do poder, com a mesma intensidade. No Manifesto Comunista, tendeu a deixar o terreno numa situação dúbia, com pouca definição. Marx falava da classe erigida em classe como tal ou classe para si, ou falava da democracia, mas nunca sobre o poder exercido pela classe trabalhadora, a classe operária.

Foi a partir da “Comuna de Paris”, do que foi a experiência da “Comuna de Paris”, a partir do momento no qual os trabalhadores se erigem no poder, na Comuna, é quando Marx começa a refletir e basicamente o texto dele que reflete sobre isto é a guerra civil na França, uma declaração da Associação Internacional dos Trabalhadores, da AIT. É a partir deste momento que ele elabora a ideia da ditadura do proletariado, basicamente o poder dos trabalhadores, que se fundamenta no que seria a destruição do Estado burguês. Marx diz neste texto: os trabalhadores não podem assumir a máquina do Estado e colocá-la em funcionamento como antes, mas sim destruir a maquinaria do Estado burguês e começar a gerir um poder que, em seu nascimento, vá em direção à extinção do Estado. Essa ideia da extinção do Estado é muito importante, muito recorrente em Marx. É aí que trabalha a ideia da ditadura do proletariado e, sobretudo, de um tipo de poder no qual os cargos eleitos, as pessoas nomeadas para exercer o poder são permanentemente removíveis, não ficam de uma maneira fixa neste lugar. Para Marx, a ideia de burocracia civil ou militar é uma ideia a erradicar no futuro poder dos trabalhadores e, nesse sentido, a “Comuna de Paris” lhe dá uma série de ideias e experiências muito ricas para sua reflexão. Em que sentido? No sentido de que lhe permite pensar o poder como algo não separado das pessoas, como algo controlado pelas pessoas, como algo que pode e seria bom que fosse rotativo, que não houvesse um grupo de pessoas especializadas em exercer o poder, separadas das pessoas, e além disso, que tivessem as remunerações similares às de um operário qualificado, que não tivessem um salário privilegiado. A partir daí, da ideia da ditadura do proletariado, a ideia deste tipo de poder já é desenvolvida a quase meio século depois pelos revolucionários russos, basicamente por Lênin e pelos bolcheviques. È interessante constatar como, até 1905, os bolcheviques não tinham uma proposta acabada de como seria o Poder Popular, o poder operário na revolução russa.

São as massas populares que, em 1905, criam os soviets, voltando a criá-los depois da revolução de fevereiro. Derrubam a monarquia em 1917, instalam novamente os soviets e Lênin, dessa maneira, diz que as massas operárias, camponeses, soldados, ou seja, operários e camponeses em armas criam uma forma que são os soviets, ou seja, são parlamentos de delegados operários, camponeses e soldados. Lênin toma essa forma, essa fórmula, erigindo o mecanismo de poder. Em determinado momento, em junho e julho de 1917, diz: ”todo poder aos soviets”.

Que analogia poderíamos estabelecer entre este momento de 1917 e a “Comuna de Paris”, 40 anos antes?

Não é que os revolucionários já tinham em seus estudos, em seus escritos, uma teoria acabada de como seria o Poder Popular. Não é que os revolucionários elaboraram intelectualmente, teoricamente, uma ideia do Poder Popular. É a experiência viva dos setores populares da classe operária que leva os dirigentes revolucionários, no primeiro caso Marx na AIT, e depois Lênin e os bolcheviques, a teorizar a importância de um poder.
No primeiro caso, a ditadura do proletariado, o poder dos operários na “Comuna de Paris”, dos operários e do povo parisiense, e no segundo caso os soviets.

Hoje, quando precisamos aprofundar as reflexões, são dois momentos muito interessantes, não para copiar, não para imitar, mas sim para se ter um impulso político e teórico na mesma direção.
A experiência das massas, a luta de classes é fundamental. É o elemento central de nossas reflexões como socialistas, como revolucionários. A experiência somente não é tudo, evidentemente, mas sim é necessária tê-la como elemento fundamental.

Numa segunda instância, Marx e Lênin tratam de sistematizar esta experiência, a era comuna e a era dos soviets. Extrair dali os elementos que consideram os mais importantes e, a partir dessa elaboração teórica, devolver aos organismos de poder o que eles consideram que são as bases sobre as quais podem melhorar uma criação, naturalmente uma criação espontânea dos setores populares que tem aspectos notáveis e problemas. A reflexão teórica seria regatar a criação e lhe devolver aqueles elementos que permitam que essa criação seja melhorada e não caia numa questão de inércia, de burocracia ou de deformações.

Este jogo, que não é um jogo, é uma séria política revolucionária: estar com as massas, resgatar sua experiência ou o mais avançado de sua experiência, decantar aqueles elementos mais anticapitalistas ou mais revolucionários, devolver esses elementos de forma que possam aprofundar sua experiência. Precisamos refletir, reviver e, sobretudo, se me permitem exagerar um pouco, reproduzir, imitar.

Na América Latina, dando um salto das experiências europeias para a América latina, temos tido, desde a revolução cubana até hoje, uma enorme quantidade de experiências de luta de classes, de luta de massas, de lutas operárias, camponesas, estudantis e de novos sujeitos que emergem nas últimas décadas, indígenas, mulheres e outras experiências muito ricas. Em alguns casos, essas experiências deram lugar a criações que não foram necessariamente de Poder Popular, mas que estiveram muito próximo de criar órgãos de Poder Popular. Não vou deter muito na Revolução cubana, como todos sabem criou os CDR, mas sim em outras experiências mais recentes, como a equatoriana, que no ano 2000 criaram os Parlamentos populares, provinciais. Duraram poucos meses, mas foram órgãos importantes de Poder Popular ou no caso da Bolívia, quando as revoltas, principalmente a de 2003, criaram, na zona do altiplano, os quartéis indígenas que, de alguma maneira, foram órgãos de Poder Popular.

Uma problemática que temos hoje e que nos faz falta, é aprofundar o que entendemos por Poder Popular. Vou colocar algumas questões e posteriormente as irei responder.

Um movimento social é um Poder Popular?

Minha primeira resposta é não. É um elemento fundamental de organização popular, mas não necessariamente é um órgão ou forma do Poder Popular.

As grandes mobilizações sociais, que temos tido nas últimas décadas na América Latina, são formas de poder Popular?

Eu diria que são instâncias capazes de destituir governos, de neutralizar o modelo neoliberal, mas não necessariamente criaram órgão do Poder Popular.

Na América Latina, foram criados órgãos do Poder Popular na Bolívia, durante o governo de Juán José Torres (Asamblea Popular, 1970). Anteriormente, surgiram as milícias operárias e camponesas na Revolução de 1952. Na Argentina, por algum tempo, a classe operária organizou as “Cordinadoras Fabriles” em Buenos Aires, no ano 1975. Era um poder transitório, um poder da classe operária argentina para fazer frente à burocracia sindical que reprimia os próprios trabalhadores, na gestão José López Rega, criador da “Triple A” (Alianza Anticomunista Argentina). Os sindicatos peronistas argentinos abalaram a repressão da Triple A. No Chile, tivemos a experiência dos “Cordones Industriales” em Santiago, no governo Salvador Allende.

Os Partidos de esquerda não se preocuparam com essas experiências, exceto o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) do Chile.

Como trabalhar para impulsionar a criação desses órgãos?

1 - O MST no Brasil: cada assentamento é uma forma de pequeno poder, um órgão de Poder Popular. Nesses assentamentos, funcionam poderes distintos dos estatais, com educação e pedagogia diferenciadas das estatais. Seria um dos vários mecanismos de reconstrução da sociedade brasileira, tanto no plano produtivo, organizativo e de poder, caso formassem um processo de luta de classes e de transição a uma nova sociedade.

Há várias experiências deste tipo na América Latina (Bolívia, Equador, México, Venezuela).
São movimentos que conquistaram territórios ou espaços urbanos e a população organizada toma as decisões sobre o que deve ser feito.

2 - Na Venezuela, o governo apoia tais experiências, as “Comunas”, as iniciativas do movimento popular, rural ou urbano. Seria uma base possível para um poder. O governo promove a criação de comunas. Essas experiências nem sempre são iguais.

3 - No México, há duas experiências distintas de Poder Popular. A primeira foi a “Comuna de Oaxaca” em 2006. Parte da população controlou a cidade durante seis meses, utilizando mais de mil barricadas. Chegou a ter cadeia de rádio e televisão sob seu controle. Havia uma Assembleia Popular que foi o órgão de poder nesses seis meses.

Diga-se de passagem, que Poder Popular na cidade é diferente do Poder no campo. Nas áreas rurais, a presença do Estado é mais diluída. É possível tomar um território, defendê-lo e organizá-lo de maneira particular. Na cidade, está o núcleo do poder da burguesia, do Estado burguês. Há grandes dificuldades de se estabelecer formas de Poder Popular. Em Caracas, na Venezuela, há uma exceção: há várias ocupações do “Movimiento Pobladores” com cerca de trezentos edifícios tomados e geridos pelo movimento.

A outra experiência, no México, é o “zapatismo”. Trata-se de uma experiência rural de caráter indígena em regiões remotas. Os indígenas da América Latina estão organizados em comunidades, formas de poder num pequeno território. Um grupo de famílias tomam decisões políticas, econômicas, culturais e sociais. As comunidades são micropoderes.

Os zapatistas possuem três níveis de poder autônomo:

1 - Comunidades (cerca de 1.200);

2 - Municípios autônomos ou comunidades agrupadas (38 municípios);

3 - Regiões autônomas, também denominadas “Caracoles” ou “Junta Del Buen Gobierno” (5 regiões).

A forma de governo é bem parecida com a “Comuna de Paris”. As bases nomeiam representantes que podem ser destituídos a qualquer momento. São mandatários para cumprir uma tarefa concreta, devendo prestar contas à população, às bases ou comunidades. A participação nesses órgãos não é remunerada. É a comunidade que sustenta a família ou pessoa que assumiu o cargo. A participação é igualitária entre homens e mulheres. É um poder subordinado ao coletivo, revogável, sujeito a substituição. Um poder para lutar e transformar a sociedade.

A partir dessas reflexões, podemos levantar algumas questões:

1 - O Poder Popular não é o Estado. É algo distinto e em conflito com ele. É uma auto-organização de sujeitos revolucionários. É um sujeito múltiplo que se dota de formas de poder.

2 - Qual a relação do Poder Popular com o Estado?

Pode haver relações de cooperação e de conflito, de diálogo ou confronto. É difícil que só haja um tipo de relação. O conflito estaria sempre presente, pois são poderes diversos. Se o governo for direitista, sempre haverá tensões, fortes conflitos. Se o governo for de esquerda, progressista, poderia acontecer duas situações: o governo teria uma lógica em relação ao Estado e outra lógica em relação ao Poder Popular.

Em que grau este governo progressista estaria apoiando o Poder Popular? Um apoio total ou parcial?
Mesmo sendo um governo progressista, o conflito sempre se manifestaria.

3 - Nos espaços dominados pelo Poder Popular, não poderá ser reproduzida a lógica da burguesia, a lógica do capitalismo. As práticas capitalistas devem ser contidas e potenciadas as práticas comunitárias, socialistas, coletivas, comunistas, enfim, práticas não capitalistas. O Poder Popular não pode ser fotocópia do Estado. Tem de ser um poder diferenciado. É uma ferramenta nas mãos da população.

4 - Sobre a crise do socialismo real, a crise da União Soviética, a crise do campo socialista, gerou uma falta de debates sobre estes temas. Até o final dos anos 80 e início dos 90, os debates sobre o Poder Popular estavam sobre a mesa. Uns optavam pelas comunidades, outros pelos soviets, com uma gama importante de propostas e debates.

5 - Hoje, o debate sobre o Poder Popular está praticamente abandonado. Tomar o poder do Estado e reproduzir o seu funcionamento não é suficiente para avançar por um caminho alternativo. Além disso, o Estado é uma maquinaria muito perversa, reproduzindo estadistas, funcionários e burocratas. É uma máquina afastada da população, por isso, é necessário retomar as discussões, intensamente, sobre o tema Poder Popular.

6 - Isto não quer dizer que, em certos momentos, não seja positivo que forças progressistas assumam o governo do Estado a fim de que a classe inimiga não o use contra as forças populares. Este é outro debate.

7 - Meu desejo é centrar sobre a importância do Poder Popular, recuperar as experiências históricas, rediscutir os soviets, rediscutir a “Comuna de Paris”, rediscutir as comunas e as experiências latino-americanas, algumas das quais anteriormente mencionadas. Abrir um espaço para discutir o Poder Popular é uma forma de aprofundar o trabalho por uma sociedade diferente da atual, pela revolução e por uma mudança de longa duração.

Vídeo no YouTube - em espanhol.

10/05/2015

Curso Básico: Introdução à Crítica da Economia Política - PCB

 Já diria Lenin: todo comunista deve estudar, estudar, estudar... Não há como mudar o mundo sem a luta, a prática, mas tampouco a orientação será correta sem a consciência exata da ação e do mundo que a cerca.

 E uma das características históricas e sine qua non do Partidão, o PCB, é primar por uma militância com uma boa formação (e no passado o Partidão foi acusado de elitista por isso por gente que chama a classe média de burguesia e divide a conjuntura nacional em lutas dualistas politiqueiras com a profundidade de um pires...).

Eis que os militantes de São Paulo organizaram por meio do Wagner Farias uma série de hangouts para debaterem o tema que dá título à esta postagem: introdução à crítica da economia política.

Sugiro vivamente.

Assista ao vídeo no youtube: clique aqui



07/05/2015

Sexo casual. Ou sexo como coisa.

 Em 2007 eu assistia sempre ao programa do Jô Soares. Naquela época eu estava no segundo ano do Ensino Médio, tinha acabado de tomar a infeliz decisão de estudar a noite e só conseguia pegar no sono logo após o Corujão, que era transmitido pouco depois do Intercine (no qual você ligava pra escolher o filme predileto, geralmente enlatados estadunidenses, mas que entretinham) e se encerrava lá pelas 5 da manhã. Bons tempos. Ou nem tanto.

 E foi no programa do Jô, no referido ano, que vi uma entrevista que me marcou muito: um humorista de stand up (stupid) comedy disse no programa que não tinha a intenção de casar e que vivia muito bem com relações sexuais casuais. Inquirido pelo apresentador como se davam essas relações, começou ele a contar sobre cada uma delas: como no dia que levava uma moça pra transar em seu apartamento, não se aguentou, realizou o ato no carro mesmo e depois a deixou no meio da rua, ainda meio que despida; ou quando expulsou de casa uma moça de seu apartamento após a transa mesmo a moça a lhe pedir para ali dormir, pois sua casa seria muito distante e não haveria transporte público disponível (o humorista é paulistano).

 Não me espantei, mesmo à época com 16 anos, com esse tipo de discurso. Aquilo na verdade era o que eu ouvia em todo e qualquer lugar a respeito de como se deveria tratar mulheres. Sobretudo aquelas que "não seriam pra casar". O espanto veio-me retroativamente. E como várias pessoas daquela platéia -- incluso o apresentador -- riam daqueles causos, uma coisa absurda.

Óbvio que comportamentos assim são naturalizados e não espanta que estejam por aí disseminados. Mas por quê? Machismo, sexismo, patriarcalismo? Sim, também. E com eles -- que não estão dissociados, mas fazem parte de uma mesma coisa, que é como lidamos concretamente com o mundo e a partir dele criamos símbolos, signos, os quais são transferidos para a forma como vemos os demais e esse próprio mundo -- a coisificação das relações, algo bem próprio do estágio capitalista em que vivemos.

Tudo é coisa e tudo é consumo. E o que se consome é logo depois descartado. E assim as pessoas são tratadas. E também as mulheres. Mesmo aquelas com quem compartilhamos coisas as mais íntimas. E também os homens.

Sim, homens também são tratados como objetos. E cada vez mais (que não me surja alguém falando em male tears ou esses memes chulos que empobrecem qualquer discussão. não estou falando que a opressão sobre homens é igual ou pior a que sofre as mulheres).

Aos poucos já se desconstrói a lógica ilógica de que apenas homens gostam de sexo ou que apenas nós homens procuramos sexo casual. Hoje mesmo li um texto no Diário do Centro do Mundo que versava sobre isso. O problema é que o tal sexo casual, ou qualquer outra relação no mesmo âmbito, está cada vez mais imbuída do senso das proporções das coisas: você é um objeto, o outro também, e ambos se usam mutuamente. E depois se jogam fora.

É deprimente. É a falência das relações. É a vida como um filme pornô desses que tratam mulheres de forma completamente degradante -- só que aqui estendido a todos os gêneros, democraticamente.

E o mais curioso é que inclusive as relações institucionalizadas, como as supracitadas, também refletem o mesmo tipo de problema. E tudo vai a se resumir em uma pobreza humana monumental, sem essência e substância.

Sim, é possível se relacionar sexualmente com alguém sem o tratar como coisa, estabelecendo um vínculo, uma troca, uma relação de respeito e cumplicidade. Isso é plenamente possível. Mas não em um mundo onde a medida de todas as coisas é um produto numa prateleira pra ser comprado, usado e jogado fora.

 Esse mundo é essencialmente inumano. E está a um passo da barbárie -- se é que ele já não o é.

Winter is coming

Texto² do Dr. Wilson Gomes¹ - Docente da UFBA.

Esta manhã, com pesar, abandonei ruidosamente o meu grupo de colegas de tênis no WhatsApp. Olha que é gente com quem jogo há mais de dez anos. Atravessei duas ou três eleições no grupo, como Homero voltando de Tróia, sendo diariamente ensinado, orientado, castigado e corrigido na minha formação e entendimento da política. Recebi milhares de links da Veja, dezenas de milhares de cartas-correntes com denúncias absolutamente relevantes contra o PT, Lula e Dilma, milhões de “memes” e vídeos destinados a forjar e nutrir o meu ódio ao governo, ao bolivarianismo, aos petralhas, aos esquerdopatas e “aos políticos que estão aí”. Se hoje não estou ainda convencido de que o Brasil só melhora quando Dilma for enforcada nas tripas de Lula depois de forçada a comer o coração de Zé Dirceu num milk-shake de baunilha, a culpa não é certamente de alguns dos meus amigos que cotidiana e inutilmente tentaram me oferecer a justa perspectiva das coisas.

Como diz a profecia, winter is coming. Acho até que já começou nos grupos de Whats App e nos rodapés dos jornais online. E avança sobre as mídias sociais em geral. Chegamos a um ponto, meus amigos, em que, a depender da sua rede social, você é minoria até quando é um sujeito moderado. E minoria constrangida. Como assim você votou contra Dilma, mas não apoia o impeachment?! Está louco? Como assim Lulinha não é dono da Friboi?!! Não sabe ler? Como assim não pode chamar Dilma de vaca, se ela fode com todo mundo?! Como assim a corrupção não é principal problema brasileiro?!! Vai me dizer que é petista incubado, é?! Assume logo que é petralha, porra!! Diz logo que tá tudo bem na merda desse país! Você deve ter rabo preso com esse governo pra tá falando essas merdas todas, só pode, deve levar um por fora para defender esse sacana do Lula, cachaceiro e ladrão filho da puta!!! E la nave va.

Sinceramente? Eu não importo se a era do PT na presidência da República estiver chegando ao fim. Uma hora ou hora vai acabar mesmo. Além disso, não sou petista e o meu desgosto com o partido alcançou o seu ponto mais alto até agora. A questão, para mim, é que a onda de antipetismo está trazendo consigo um avanço conservador e direitista de grandes proporções. E que ambas alcançaram velocidade máxima desde o final da eleição passada. O sujeito não é mais contra o PT, digamos, por causa da corrupção. O sujeito é contra o PT, mas também contra qualquer perspectiva de esquerda (“comunista” voltou a ser xingamento, coisa que não era desde 1989), detesta direitos humanos, acha que políticas sociais são a causa dos nossos problemas sociais, tem certeza de que os gays querem privilégios e não direitos, sabe que a ausência de proteína na alimentação dos nordestinos é o que sustenta o PT no poder. Tudo é assimilado no mesmo pacote. E se vão reduzindo os escrúpulos em manipular dados, reproduzir disparates, dizer e fazer barbaridades, principalmente em ambientes virtuais fechados (como os grupos de WhatsApp) ou onde se possa postar anonimamente (como nos comentários online de certos jornais e blogs, e em determinados sites de redes sociais).

É uma pena. Gostava daquele grupo, mas não tem mais jeito. Mesmo pessoas legais vão sendo possuídos pela sanha antipetista, anos de recalque de conservadorismo encontrou, enfim, uma brecha para vir tomar um solzinho na esfera pública. As incontáveis bobagens cometidas pelo PT, enfim, concedeu-lhes o argumento e a convicção moral de que precisavam. O resto fica por conta do dogmatismo & proselitismo, à moda das Testemunhas de Jeová, em que qualquer um, não importa a sua inteligência ou formação, deve ensinar a e corrigir todos os outros que (ainda) não pensam como ele. Afinal, quem diverge ou hesita só pode estar errado, e cabe às almas moralmente superiores mostrar-lhes o caminho e resgatá-los, ao mesmo tempo, das trevas da ignorância e da indigência moral. E assim nasce o inferno dos grupos do WhatsApp.

Amém, pessoal?

¹ - Wilson Gomes (1963) é professor Titutar de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia, pesquisador e orientador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas daquela universidade. É graduado, mestre e doutor em Filosofia (Universitas a Scte. Thomae, Roma) e graduado em Teologia (Universitas Gregoriana, Roma). Doutorou-se em 1988 com uma tese sobre a idéia de construção da realidade no Idealismo Alemão, na Fenomenologia e na Hermenêutica. Em 1998, realizou estágio pós-doutoral em Cinema na Universidade de São Paulo. Desde 1989 ensina, pesquisa e orienta na área de Comunicação, nas especialidades de comunicação e política e democracia digital. É autor de Transformações da política na era da comunicação de massa (S. Paulo: Paulus, 2004 e 2008), de Jornalismo, fatos e interesses (Florianópolis: Insular, 2009) e co-autor, com Rousiley Maia, de Comunicação & democracia: problemas e perspectivas (S. Paulo: Paulus, 2008) Fonte: Lattes.

² - Texto publicado em sua página no Facebook.

05/05/2015

Sobre panelas e panelaços

Como comunista, e o comunismo é a democracia na sua essência, sem limites, eu acredito que toda manifestação política é legítima de ser realizada, pois ela traz em si não a causa, mas a consequência. Mesmo as mais monstruosas, como as que defendem segregação e inferiorização de grupos, como as nazi-fascistas com caráter eugenista, quando aparecem, não é para serem criminalizadas varrendo-as para debaixo do tapete sem melhor compreendê-las, mas sim de entender o fenômeno em toda sua amplitude -- que não à toa sempre tem como bojo uma crise capitalista.

É por isso que acho legítimo que pessoas se expressem contra o que quiserem. E a manifestação da classe média (e não burguesia, por favor) contra o PT é isso. Só que eu não me solidarizo com ela.

E por um aspecto bem simples: as pessoas que batem essas panelas em muitos casos, certamente quase que a totalidade deles, não querem nada que não seja a derrocada do Partido dos Trabalhadores e da esquerda. E nem bem sabem o porquê. Alegam vários problemas de fato concretos da sociedade, como saúde, escola e qualidade de vida, e culpam a corrupção, mas votam em candidatos e defendem discursos que apenas piorariam ainda mais esse quadro -- como o neoliberalismo. Quando não, no cúmulo da hipocrisia, criminalizam de modo fascista lutas proletárias que buscam atingir estes objetivos.

O ato de bater panela tornou-se famoso contra Allende, no Chile. A classe média baixa reclamava do crescimento dos preços e, em decorrência disso, a cozinha estar mais vazia de alimentos. Tempo depois o mesmo método foi usado contra Pinochet, que ia um pouco além, é verdade, mas que tinha como base a desigualdade social e a miséria por qual parte da sociedade passava e sofria. Na Argentina, no começo dos anos 2000, a mesma coisa: o empobrecimento dos setores médios e a alta de preços de alimentos com inflação, que também fazia parte do cardápio triste daqueles tempos.

O Brasil hoje vive um momento economicamente ruim, com alta inflacionária e medidas sugeridas pelo Governo Federal que atingirão em cheio a classe trabalhadora. Mas não é, pelo menos por enquanto, a classe média a maior vítima dessa situação: pesquisa da USP nos protestos anti-PT em Abril mostrou que quase 50% dos manifestantes recebem salário entre 7 e 15 mil reais. Como alguém assim pode sentir tão ferozmente taxa de inflação que flutua entre 1 e 2% do limite com o qual o governo petista vinha a trabalhar? Eventualmente essas pessoas não passaram a comer menos. E nem ter uma vida significativamente pior.

Se esses protestos surgissem nos bairros de classe trabalhadora, as ditas periferias, mesmo com argumentos de senso-comum equivocados, eu seria mais simpático a eles. Pois de algum modo haveria sentido: apesar do elevado crescimento da economia nacional nos anos de governo do PT, não se verificou melhoria significativa senão na política de consumo. Serviços públicos e tudo que tange a vida do trabalhador em espaços urbanos continuaram caóticos com melhorias específicas intercaladas com violência, trânsito, poluição e, principalmente, jornadas de trabalho extenuantes com salários não condizentes com o que foi produzido.

Só que não é esse o cenário da classe média que bate panelas. Ela não mostra insatisfação com o modo que o governo tucano -- que instaurou vários modelos que o PT continuou, inclusive de corrupção - gere o Estado mais rico do país, com a epidemia de dengue, a falta de água e o descalabro na educação pública estadual (cito São Paulo por ser o berço do antipetismo, onde ele se apresenta mais fortemente).

É um protesto de uma gente com falsa consciência, pois não é de elite, mas se vê como tal. E pede medidas que aumentarão ainda mais o fosso entre eles, setores médios, e a burguesia que de fato manda e que não tem muito o que reclamar do Partido dos Trabalhadores.

No entanto, como expus em outros textos, é preciso fugir dos discursos obtusos do petralhas vs coxinhas. Essa classe média que protesta tem seus motivos e eles são economicamente cristalinos (veja o texto anterior). O problema, repito, é o modo como fazem, os discursos utilizados, de uma ignorância política de ruborizar a qualquer um com dois neurônios e o caráter um tanto que fascistóide de alguns.

Entendo sua legitimidade, mas não me solidarizo com eles. E fico extremamente triste, embora não surpreendido, quando vejo essas "pessoas que batem panela por um Brasil melhor" elogiando PM que bate em professor; PM que vai nos bairros de classe trabalhadora assassinar jovens e adultos pobres trabalhadores; que fazem discurso racista; homofóbico; segregacionista, anti-povo etc. O que essas pessoas querem não é um Brasil melhor. É um Brasil em que elas possam se sentir muito acima das demais. Inclusive com direito de vida e morte sobre elas. Só que esse Brasil, mesmo que suas idéias venham a cabo, nunca virará realidade pra essas pessoas, pois elas são miseravelmente apenas uma turba de classe média. E são tão elite econômica quando eu.

03/05/2015

Anti-petismo para além da versão chula petralhas vs coxinhas

                                                             Causas econômicas do antipetismo da classe média

Golbery Lessa (membro do Comitê Central do PCB)

Se a esquerda deseja ter clareza sobre como agir diante da ampliação das manifestações organizadas por setores reacionários da classe média, precisa procurar uma explicação científica para o fato e não embarcar na versão apresentada pelo governo federal. É mais fértil procurar entender as bases econômicas, culturais e políticas do reacionarismo do que concebê-lo como um improvável desvio moral simultâneo de milhões de indivíduos. Seria desastroso fundamentar apenas na intuição o discurso e as ações contrários às dimensões ultradireitistas das manifestações corridas no 15 de março. Para a esquerda, é mais importante tentar compreender os fatos do que promover uma competição para saber qual dos seus analistas ridiculariza melhor o bizarro discurso das passeatas verde-amarelas e cria o mais engenhoso anátema para estigmatizar os setores médios.

É infértil fazer uma análise estanque das ideias e das posições políticas da classe média. Não é sustentável considerar que este grupo social tenha condições objetivas apenas de comportar-se e expressar-se de modo conservador. Como demonstrou Karl Marx, ainda no século XIX, é próprio dos setores médios da sociedade moderna oscilarem entre posições ideológicas e políticas de direita e de esquerda e, inclusive, misturarem essas posições antípodas. Na atual conjuntura brasileira, uma das provas desse movimento pendular é o fato de que um setor numeroso da mesma classe comporta-se de maneira progressista, defende a esquerda e repudia o discurso do tipo proferido por Jair Bolsonaro.

Nos últimos anos, o marketing do governo federal apostou na estigmatização dos setores médios com o objetivo de aproveitar o descontentamento de alguns dos seus estratos com o PT para “provar” que “a tradicional elite brasileira” seria contrária aos “avanços sociais” dos governos Lula e Dilma. Manipulou o sentido da palavra “elite” para que esta abarcasse apenas a classe média e fez desaparecer nessa bruma sociológica a grande burguesia aliada aos petistas. A família com renda de cinco salários mínimos ou mais começou a aparecer na fala governista como a adversária natural dos trabalhadores e a senadora Kátia Abreu, para surpresa do público, passou a ser mostrada como heroína da economia brasileira. Como cereja do bolo dessa sociologia pelo método confuso, possivelmente criada pelo marqueteiro João Santana, enquanto a classe média real se contraía, os governos petistas fantasiavam sobre a existência de uma “nova classe média” formada pelas famílias de trabalhadores com carteira assinada e acesso ao consumo de massa.

Para compreender as últimas manifestações de direita contrárias ao governo Dilma é preciso, igualmente, desconfiar dos motivos alegados pelos próprios setores médios envolvidos, pois um grupo social não é, necessariamente, o que afirma de si mesmo. Para parte da esquerda, é tentador imaginar que uma fatia da classe média está insatisfeita apenas devido a arraigados preconceitos contra os pobres, as minorias étnicas, a população LGBTT, o campesinato e o operariado, entre outros grupos. Entretanto, se observarmos os dados empíricos existentes, é possível perceber que a insatisfação tem outros motivos, a maioria de ordem econômica.

Comecemos pelo que tem sido esquecido pela maioria dos analistas: observemos os dados empíricos sobre a trajetória econômica e demográfica da classe média na Era PT.
Entre 2001 e 2013, na Região Metropolitana de São Paulo (RM-SP), palco da maior manifestação do dia 15 de março passado, segundo a PNAD/2013, o número absoluto de famílias de classe média (consideradas como aquelas cuja pessoa de referência da família tinha renda mensal de cinco salários mínimos ou mais) diminuiu 31,57%, enquanto o número absoluto de famílias da classe trabalhadora (consideradas como aquelas com renda mensal inferior a cinco salários mínimos) ampliou-se 57.64%. Se observarmos a variável contabilizando a renda de todas as pessoas do núcleo familiar, a situação melhora para a classe média, entretanto, a sua trajetória passa a ser de crescimento (12,00%), mas muito menor do que o da classe trabalhadora (65,48%). Mesmo nesse caso, os estratos entre 10 e 20 salários mínimos e acima de 20 salários mínimos tiveram encolhimentos absolutos de 23,00% e 38,90%.

A constatação é ainda mais surpreendente quando comparamos esses números com aqueles das mesmas variáveis e dos mesmos parâmetros imediatamente referidos entre os anos de 1991 e 2000. Nesse intervalo de tempo, segundo os censos demográficos do IBGE, o número absoluto de famílias de classe média no Estado de São Paulo (não tivemos acesso a dados da RM-SP para o período) quase dobrou (96,61%) e o de famílias da classe trabalhadora ampliou-se em apenas 19,70%. No país, os números foram, respectivamente, 185,26% e 21,00%. Primeira conclusão: a Era PT estancou o desenvolvimento demográfico da classe média e fez dois dos estratos desse grupo social encolherem.

Se corrigirmos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) o valor nominal da renda média mensal das famílias calculado na PNAD/2013, constataremos que, entre 2001 e 2013, todos os estratos salariais da RM-SP tiveram um ganho real de renda aproximado de 38%. Será que a melhoria da renda das famílias de trabalhadores originou-se em recursos anteriormente de posse dos setores médios? Como, ainda segundo a PNDA/2013, apenas 4,39% dos integrantes da classe média da RM-SP eram, em 2013, empregadores de trabalhadores não-domésticos (nesse número estão inclusos os membros da grande burguesia, pois IBGE não os discrimina) e 7, 07% dos assalariados eram trabalhadores domésticos, a melhoria da renda dos trabalhadores na Era PT não pode ter se originado, a não ser residualmente, de recursos provenientes da classe média.

O aumento da renda dos trabalhadores na Era PT foi determinado por uma significativa ampliação da oferta de empregos formais em um momento de relativa estabilidade monetária. Uma tendência econômica presente em dezenas de países do Sul do planeta na primeira década do século XXI e condicionada pelo deslocamento de grandes massas de capital para a periferia do sistema. Configurou-se como um ganho dos trabalhadores na luta econômica contra o capital, mesmo que as grandes empresas tenham abocanhado a maior parte da riqueza derivada do aumento de produtividade e da ampliação das escalas produtivas. A classe média não perdeu nada com o avanço do consumo dos trabalhadores, a multiplicação dos empregos e a expansão (mercantilizada) de algumas políticas sociais, como o Bolsa Família e os subsídios para matrículas no sistema de ensino superior. A baixa qualidade da maioria dos cursos universitários e a precariedade da assistência estudantil, entre outras variáveis, fizeram com que expansão da presença dos trabalhadores no ensino superior não lhes tenha garantido efetiva capacidade de competição com os setores médios no mercado de trabalho, representando mais uma ganho simbólico do que uma efetiva qualificação (com exceção das trajetórias individuais particularmente exitosas e motivadas por talento excepcional).

A contração demográfica de estratos da classe média foi determinada por duas variáveis: 1) nos 13 anos considerados (2001-20013), o aumento de 38% na renda real mensal não foi suficiente para cobrir o crescimento das necessidades de consumo impostas pela dinâmica da sociedade a esta classe; e 2) a reestruturação produtiva das empresas privadas e órgãos públicos, no início do século XX, baseada na diminuição dos níveis de chefia e no avanço tecnológico dissolvedor de funções especializadas, diminuiu muito os postos de trabalho para os setores médios. Esses fatores atingiram de modo distinto os trabalhadores, pois suas necessidades ainda eram as básicas e os postos de trabalho que podiam ocupar multiplicaram-se.

A sociedade capitalista é estruturada de tal modo que o nível de consumo imposto socialmente aos indivíduos desenvolve-se numa espiral crescente e avassaladora. O telefone celular e o computador pessoal, por exemplo, inicialmente apenas curiosidades tecnológicas, tornaram-se instrumentos profissionais e sociais incontornáveis. A primeira década do século XX no Brasil foi marcada por um notável acréscimo de novas necessidades sociais para as famílias de classe média, sendo suficiente elencar o crescimento da adesão aos planos de saúde, a inflação das mensalidades escolares, a ampliação dos gastos com equipamentos eletrônicos e o boom do acesso à banda larga. Diante dessa tendência intrínseca ao capitalismo, apenas o aumento correspondente da renda e das oportunidades de trabalho seria capaz de evitar disfuncionalidades e insatisfação social. O choque entre o aumento das necessidades de consumo impostas socialmente e a renda foi, no período considerado, respondido pelas famílias com a renúncia ao consumo e o endividamento, uma combinação politicamente explosiva.

Também nos governos petistas, a classe média tem perdido renda para o grande capital, principalmente por meio de preços de monopólio cobrados por faculdades privadas, bancos, planos de saúde, montadoras de automóvel e outros setores. Parte deste grupo social imputará essas perdas a qualquer governo dominado pelas grandes empresas e tenderá a usar a retórica antigovernista à mão para explicitar sua crítica e propor um governo diferente, via eleição ou impeachment. Se o governo for do PSDB ou outro partido de direita, usará a retórica da esquerda, como o fez na crítica aos governos FHC e Collor. Caso o governo seja petista e o esquerda alternativa ainda não tenha adquirido visibilidade e significativo peso político, usará a retórica da direita e mesmo da extrema direita. Vejamos uma prova empírica desse movimento pendular: poucos dias antes do segundo turno da eleição presidencial de 2002, pesquisa do Instituto Datafolha mostrava que 60% da classe média paulistana, replicando tendência nacional, votaria em Lula. Na véspera do segundo turno da eleição de 2006, o mesmo Datafolha divulgava que cerca de 50% dos setores médios paulistanos votariam no candidato do PT. O antipetismo não é e nunca foi intrínseco à classe média brasileira.

O setor da classe média que se expressa, na atual conjuntura, por meio de ideias reacionárias o faz, entre outros motivos, porque percebe os governos petistas como dominados pelo grande capital, o adversário econômico por excelência da pequena burguesia. A fala contra a corrupção colocada no centro do discurso desses estratos médios é, além de uma simplificação exagerada do complexo tema das políticas públicas, uma crítica a governantes, de fato, capturados pelo empresariado. A atitude dos governos petistas de defender os monopólios e abandonar a classe média levou o discurso de setores desse grupo social a expressar-se numa retórica contra o PT, seu passado proletário, as políticas sociais e a esquerda em geral. É a fala de um anticapitalismo de direita (defende o mercado, mas é contra a acumulação, deseja o individualismo, mas é contra a igualdade de oportunidades, etc), que, por também não confiar na oposição, apela cada vez mais para entidades abstratas, com a pátria, em busca de forças políticas descompromissadas com o governo de plantão e o grande capital. É uma situação típica na qual a classe média pode se tornar presa das ideias fascistas. Algo particularmente perigoso num momento em que os movimentos sociais e os sindicatos estão neutralizados pelo direitismo do governo, pois os aludidos estratos dos setores médios tornam-se uma vanguarda reacionária que pode imantar o resto da população. A esquerda precisa, urgentemente, entender os motivos econômicos desta classe social e lhe apresentar um programa alternativo.