19/07/2016

There is no alternative but the people

The Turkey Communist Party is calling on our people to organize in the Party's ranks against the enemies of the people and humanity. The liberation is in our own hands.

We do not have all the details of what happened during the coup attempt that took place in Turkey in the hours between July 15 and July 16. However, we know very well that plans that are supported by foreign forces, that do not take its power from the working class can not defeat AKP darkness and solve Turkey's problems.

The events of today reminded us the following reality once again: Either the people of Turkey will organize and get rid of AKP or AKP's reactionary policies will intensify, repression will increase, massacres, the plunder and theft will continue.

The only power that can overthrow AKP is the people's power, there is no alternative to it.
AKP is responsible for all that took place tonight. All the factors that led to the current situation and the conditions are the product of AKP's rule and the domestic and foreign bosses that support AKP.
However, the fact that the main responsible party is AKP does not mean that the coup attempt was one that was orchestrated by Erdogan himself in order to achieve his objectives such as paving the path to an executive presidency or clearing the obstacles facing the new constitution.

The tension and the rivalries between different groups within the state and the armed forces that have been known to exist for a while have turned into armed conflict. While the tension between these forces is real, it is a lie that any of the sides in this conflict represent the interests of the people. Following this, searching for the solution against AKP's rule in a military coup is as wrong as lending any support to AKP under the guise of taking a position against military coups for whatever reason. The last thing that should be done in the name of supporting freedom and human rights in Turkey is to lend support to AKP which has proven over and over that it is an enemy of humanity.

While they have not orchestrated this coup, Erdoğan and AKP will make an effort to use the resulting conditions and the support they received as means to increase their legitimacy. Our people should be on the alert against steps that AKP will be certain to take in the days to come. Raising the struggle against AKP and its darkness is the only way to stop this failed coup attempt resulting in AKP's solidifying its rule and turning into a tool for transforming AKP's unstable Turkey into stability. The fact that all mosques in Turkey have broadcasted continuous Erdoğan propaganda the whole night is a concrete indication of the urgency of our task at hand.

The Communist Party is calling on our people to organize in the Party's ranks against the enemies of the people and humanity.

The liberation is in our own hands.

Communist Party, Turkey

Não há alternativa exceto o povo!

Declaração do Partido Comunista (da Turquia), sobre a tentativa de golpe militar:

O Partido Comunista conclama o povo a se organizar nas fileiras do partido contra os inimigos do povo e da Humanidade. A libertação está em nossas próprias mãos.

Nós não temos todos os detalhes do que ocorreu durante a tentativa de golpe na Turquia na noite entre os dias 15 e 16 de julho. Contudo, nós sabemos muito bem que estes planos são apoiados por forças externas, que não retiram seu poder da classe trabalhadora e não podem derrotar a escuridão do AKP(1) e resolver os problemas da Turquia.

Os eventos atuais nos relembram mais uma vez a seguinte realidade: ou o povo turco se organiza e se livra do AKP, ou as políticas reacionárias do AKP se intensificarão, bem como a repressão crescerá, e os massacres, a pilhagem e o roubo continuarão.

O único poder que pode derrubar o AKP é o poder popular, não há alternativa. O AKP é o responsável por tudo o que ocorreu esta noite. Todos os fatores e condições que levaram à situação atual são produtos do governo do AKP e os chefes nacionais e estrangeiros que apóiam o AKP.

Contudo, o fato de que o principal responsável seja o AKP não significa que a tentativa de golpe foi orquestrada pelo próprio Erdogan com o fim de atingir seus objetivos, tais como pavimentar o caminho para um executivo presidencial ou retirar os obstáculos enfrentados pela nova constituição.

A tensão e as rivalidades entre os diferentes grupos dentro do Estado e as forças armadas, conhecidas há algum tempo, se converteram em conflito armado. Embora a tensão entre estas forças seja real, é uma mentira que qualquer um dos lados deste conflito represente os interesses populares. Por isso, procurar por uma solução contra o governo do AKP num golpe militar é tão equivocado quanto prestar qualquer apoio ao AKP sob o disfarce de se opor a golpes militares por qualquer motivo. A última coisa que deveria ser feita em nome da defesa da liberdade e dos direitos humanos na Turquia é prestar apoio ao AKP, que já provou várias vezes ser um inimigo da Humanidade.

Embora não tenham orquestrado o golpe de Estado, Erdogan e o AKP se esforçarão para usar as condições decorrentes e o apoio que receberam como instrumentos para aumentar a sua legitimidade. Nosso povo deve estar alerta contra os passos que certamente tomará nos próximos dias o AKP. Aumentando a luta contra o AKP e sua escuridão é o único caminho para impedir a solidificação do poder do AKP como resultado da tentativa de golpe fracassada, e a sua conversão num instrumento para a transformação da instável Turquia do AKP em estabilidade. O fato de que todas as mesquitas na Turquia transmitiram continuamente propaganda de Erdogan, durante toda a noite, é uma indicação concreta da urgência das tarefas em nossas mãos.

O Partido Comunista conclama o povo a se organizar nas fileiras do partido contra os inimigos do povo e da Humanidade.

A libertação está em nossas próprias mãos.

Partido Comunista, Turquia.

Como assim escola sem ideologia?

POR MARCELO RUBENS PAIVA

Por uma escola popular e plural
A escola sem um professor de história de esquerda é como uma escola sem pátio, sem recreio, sem livros, sem lanchonete, sem ideias. É como um professor de educação física sem uma quadra de esportes, ou uma quadra sem redes, ou crianças sem bola. O professor de história tem que ser de esquerda. E barbudo. Tem que contestar os regimes, o sistema, sugerir o novo, o diferente. Tem que expor injustiças sociais, procurar a indignação dos seus alunos, extrair a bondade humana, o altruísmo. Como abordar o absolutismo, a escravidão, o colonialismo, a Revolução Industrial, os levantes operários do começo do século passado, Hitler e Mussolini, as Grandes Guerras, a Guerra Fria, o liberalismo econômico, sem a leitura da luta de classes, uma visão da esquerda?

A minha do colegial era a Zilda, inesquecível, que dava textos de Max Webber, do mundo segmentado do trabalho. Ela era sarcástica com a disparidade econômica e a concentração de renda do Brasil. Das quais nossas famílias, da elite paulistana, eram produtoras.
Em seguida veio o professor Beno (Benauro). Foi preso e torturado pelo DOI-Codi, na leva de repressão ao PCB de 1975, que matou Herzog e Manoel Fiel Filho. Benauro era do Partidão, como nosso professor Faro (José Salvador), também preso no colégio. Eu tinha 16 anos quando os vimos pelas janelas da escola, escoltados por agentes.

Outro professor, Luiz Roncari, de português, também fora preso. Não sei se era do PCB. Tinha um tique nos olhos. O chamávamos de Luiz Pisca-Pisca. Diziam que era sequela da tortura. Acho que era apenas um tique nervoso. Dava aulas sentado em cima da mesa. Um ato revolucionário.
Era muito bom ter professores ativistas e revolucionários me educando. Era libertador.
Não tem como fugir. O professor legal é o de esquerda, como o de biologia precisa ser divertido, darwinista e doidão, para manter sua turma ligada e ajudar a traçar um organograma genético da nossa família. A base do seu pensamento tem de ser a teoria da evolução. Ou vai dizer que Adão e Eva nos fizeram?

O de química precisa encontrar referências nos elementos que temos em casa, provar que nossa cozinha é a extensão do seu laboratório, sugerir fazer dos temperos, experiências.
O professor de física precisa explicar Newton e Einstein, o chuveiro elétrico e a teoria da relatividade e gravitacional, calcular nossas viagens de carro, trem e foguete, mostrar a insignificância humana diante do colossal universo, mostrar imagens do Hubble, buracos negros, supernovas, a relação energia e massa, o tempo curvo. Nosso professor de física tem que ser fã de Jornadas nas Estrelas. Precisa indicar como autores obrigatório Arthur Clarke, Philip Dick, George Orwell. E dar os primeiros axiomas da mecânica quântica.

O professor de filosofia precisa ensinar Platão, Sócrates e Aristóteles, ao estilo socrático, caminhando até o pátio, instalando-se debaixo de uma árvore, sem deixar de passar pela poesia de Heráclito, a teoria de tudo de Parmênides, a dialética de Zenão. Pula para Hegel e Kant, atravessa o niilismo de Nietzsche e chega na vida sem sentido dos existencialistas. Deixa Marx e Engels para o professor de história barbudo, de sandália, desleixado e apaixonante.

O professor de português precisa ser um poeta delirante, louco, que declama em grego e latim, Rimbaud e Joyce, Shakespeare e Cummings, que procura transmitir a emoção das palavras, o jogo do inconsciente com a leitura, a busca pela razão de ser, os conflitos humanos, que fala de alegria e dor, de morte e prazer, de beleza e sombra, de invenção-fingimento.

O de geografia precisa falar de rios, penínsulas, lagos, mares, oceanos, polos, degelo, picos, trópicos, aquecimento, Equador, florestas, chuvas, tornados, furacões, terremotos, vulcões, ilhas, continentes, mas também de terras indígenas, garimpo ilegal, posseiros, imigração, geopolítica, fronteiras desenhadas pelos colonialistas, diferenças entre xiitas e sunitas, mostrar rotas de transação de mercadorias e comerciais, guerra pelo ouro, pelo diamante, pelo petróleo, seca, fome, campos férteis, civilização.

A missão deles é criar reflexões, comparações, provar contradições. Provocar. Espalhar as cartas de diferentes naipes ideológicos. Buscar pontos de vista.
O paradoxo do movimento Escola sem Partido está na justificativa e seu programa: “Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos –, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
Mas como nasceriam as convicções dos pais que se criariam num mundo de escolas sem ideologia? E que doutrina defenderiam gerações futuras?

A escola não cria o filho, dá instrumentos. O papel dela é mostrar os pensamentos discordantes que existem entre nós. O argumento de escola sem ideologia é uma anomalia de Estado Nação.
Uma escola precisa acompanhar os avanços teóricos mundiais, o futuro, melhorar, o que deve ser reformulado. Um professor conservador proporia manter as coisas como estão. Não sairíamos nunca, então, das cavernas.

18/07/2016

Uma crítica aos críticos da URSS

Seria possível substituirmos nossa luta pelo socialismo por uma na busca de um Estado apenas mais provedor mantendo assim o capitalismo? Essa é uma questão que assola a esquerda e que para muitos depois dos anos 1960 -- hoje eles todos em processo de degeneração e falência -- a resposta foi sim. Mas cabem algumas reflexões.

Uma delas é se haveria Estado de Bem-Estar Social em alguns países da Europa não fosse o capitalismo americano e europeu fincado na exploração do então e dito terceiro mundo. Antes de mais nada é preciso dizer que o Welfare State só foi possível de ser conquistado porque havia a ameaça do perigo vermelho, que desde muito antes na URSS possibilitava aos trabalhadores uma condição de vida e dignidade que no lado do Ocidente capitalista não havia. E só houve Estado de Bem-Estar Social na Europa e uma boa vida nos EUA para a classe trabalhadora porque havia ditaduras financiadas nos trópicos e um histórico de pilhamento do povo da América Latina e África pelos capitalistas das potências setentrionais.

Este fato inconteste muitas vezes ignorado é apenas uma das faces de não entender o capitalismo como uma questão global que precisa ser entendido na sua totalidade; analisá-lo a partir de frações é a melhor forma de não entendê-lo. Ou de se fazer o entendimento que bem se queira.

Dizer que a URSS não era democrática, ou verdadeiramente democrática, nos impõe uma questão: quem era uma verdadeira democracia, então? Os EUA impedindo que negros e mulheres tivessem os mesmos direitos que a parcela masculina branca? O papo um tanto descolado da realidade de que apontar os erros de um não converge em aceitar a realidade do outro nega um fato dado e concreto: que foi esse discurso e ainda o é que demoniza a experiência soviética e que reafirma o capitalismo e a democracia burgo-liberal como inquestionáveis e o objetivo único a seguir. A militância petista gritando por democracia não como um método tático, mas como fim estratégico não me deixa mentir. Afinal, democracia aqui é entendida como mero direito à liberdade de expressão e voto formal. Direito à educação, dignidade, moradia, saúde, lazer e todo o resto não são incluídos no conceito.

Cabe perguntar: que democracia temos, com saúde e educação precarizadas para a maior parte da população, lazer privatizado, violência urbana e uma população enorme à margem? Ah, mas você pode votar e escrever besteiras na internet, dirá alguém antes de bradar viva a liberdade!

É, viva. Viva a democracia burgo-liberal e o direito à liberdade de expressão (muito bem cerceados quando incomodam o status quo, diga-se.)

E o discurso de que a população do Leste europeu estava saturada do socialismo é outra balela enfiada goela abaixo pelos meios de comunicação burgueses. Houve um plebiscito em 1991 e 76% da população votou pela continuidade da União Soviética. Ou seja, havia insatisfação, e isso era óbvio e não há uma única experiência de qualquer regime que seja que não tenha insatisfeitos, mas é inegável que a base de apoio era bastante maior do que a que se encontra hoje nos... EUA! Em 2008 fez-se uma pesquisa perguntando o que as pessoas preferiam, se socialismo ou capitalismo. Apenas 51% disseram preferir o sistema econômico atual. Isso nos EUA... Imagine no Quênia ou no Haiti...

Continuando, o fim da URSS e do socialismo nada mais foi que uma decisão da burocracia de Estado e dos emergentes capitalistas de lá com apoio das oligarquias financeiras do Ocidente. Que a URSS tinha problemas, sem dúvida os tinha, não os tivesse o povo teria ido defendê-la, não se posicionado de modo amorfo, mas passam esses problemas muito distantes dessa linguagem repleta de acusações do lado dos que venceram. E os que perderam com o fim da URSS foram indiscutivelmente os trabalhadores de todo o mundo.

Ou, para responder a questão que dá início a esse texto: em que lugar do mundo a social-democracia sem o medo do perigo vermelho se manteve e não deu lugar a um sedento neoliberalismo privatizante e fomentador de exponenciais desigualdades sociais?

Modismos na esquerda e a crítica a ser feita.

Por Felipe Henrique Gonçalves*



"Esquerdismo rosa", pós-moderno, tipicamente pequeno burguês
A história do pensamento da esquerda é marcada por “modas”, ciclos de forte influência de uma determinada maneira de interpretar a realidade e de perspectivar o futuro. Ainda que em alguns campos do conhecimento tais “modas” tenham contribuído para o entendimento de alguns fenômenos, a superação delas tem significado um balanço crítico do quão nocivo certas interpretações foram para um pensamento que se reivindica transformador. Afirmar isso em nada pode significar a defesa de uma ortodoxia dogmática, um certo purismo, mas atentar para o fato que de determinados ecletismos depuram a necessidade de construção de um conhecimento científico, crítico e transformador. Sem a pretensão de possuir um rigor temporal, aponto algumas “modas” que podemos identificar no século XX-XXI:

Anos 30/40: o marxismo vulgar produzido pelo stalinismo e difundido pelos intelectuais da III Internacional.

50/60: o estruturalismo francês, onde encontra a sua expressão marxista em Louis Althusser.

70/80: o liberalismo/democratismo de Hannah Arendt, Noberto Bobbio e Junger Habermas.

90 - ?: pós-modernos/pós-estruturalistas influenciados pela filosofia francesa pós-1968 de Foucault, Derrida e Deleuze. Estes estão presentes principalmente nos denominados movimentos identitários, das minorias políticas e naqueles que se pretendem construir uma nova esquerda, uma esquerda diferente.

A pergunta que não quer calar: quem dará a cara à tapa com o risco de sofrer um linchamento virtual para fazer a crítica necessária à “moda” pós-moderna?

17/05/2016

"Todos Pela Educação": o think tank privatista no comando do MEC

Por Gustavo Gindre
Este é o logotipo do think tank privatista que tem banqueiros e grandes capitalistas por trás.


Um dos fatos que estão passando batido nesse (des)governo Temer é a formação da equipe do MEC, onde Mendonça Filho funcionará apenas como um testa de ferro.

A equipe começará de verdade na nova secretária-executiva: Maria Helena Guimarães de Castro, braço direito do finado ex-ministro Paulo Renato. Junto com ela começa a ser montada uma equipe ligada a um think tank chamado "Todos pela Educação".

Por detrás do TPE (Todos pela Educação) estão Itaú, Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor Civita, Fundação Bradesco e outros.

É esse pessoal que a partir de agora dará as cartas na educação pública brasileira. É o pessoal das PPPs (Parcerias Público-Privadas) , das OSs (Organizações Sociais) e de um forte programa privatista na educação.

PS: infelizmente, os governos petistas sempre tiveram uma relação dúbia com esses setores, sem aderir, mas também sem rechaçar totalmente.

11/05/2016

Humor: porque em tempos de cólera rir é preciso


Dias difíceis virão

Por Gustavo Gindre
Hoje é um dia triste.

Não pelo fim melancólico desse governo lamentável sob qualquer aspecto.

Mas pela forma como ele se encerra (através de um "golpe por vias institucionais") e pela perspectiva de futuro, com retrocessos nos direitos sociais e uma crescente repressão travestida de democracia.

Viveremos as consequências de todo esse processo (de um governo que capitulou a uma direita
golpista que chega ao poder) por muitos e muitos anos.

Dias difíceis virão.

Evitar discurso de ódio e dialogar. E ouvir.

Por Felipe Henrique Gonçalves:
As esquerdas precisam a todo custo evitar o discurso do ódio. Na ânsia de combater o fascismo que cresce, muitos de nós estamos ouvindo menos e catequisando muito mais. O discurso do ódio deve ser monopólio exclusivo da direita. À nós cabe dialogar e “disputar” na argumentação esses que estão perdidos depois da besteira que fizeram ao ser massa de manobra para o golpe branco.

Xingar todos e tudo de fascismo é preguiça, pouco esclarece e não educa. A nossa propaganda ideológica deve ser paciente e dialógica. Se diferenciar no programa e na prática da tragédia do petismo se faz necessário, caso contrário, seremos engolidos pela “onda conservadora”. Não precisamos e não adianta fazer malabarismos teóricos. É a tão necessária política de base que precisamos fazer em curto e longo prazo. Cada um de nós precisa assumir para si a militância de conquistar corações e mentes em nosso cotidiano; da cozinha e da sala de jantar até os locais de estudos e trabalho.

Não temos tempo para a ressaca da derrota. Construir a unidade na luta para resistir aos ataques que virão e se colocar como uma esquerda que consegue viver e ser propositiva na diversidade. Não vai ter arrego, vai ter luta!

Um golpe dentro da ditadura do capital.


Hoje é um dia absolutamente histórico: é o dia que se conclui parte importante de um golpe branco em uma presidente no Brasil e fecha-se uma onda de desarranjos estruturais dos aparelhos constituídos do Estado burguês. E essa primeira onda de desarranjo mata a tentativa mais equivocada e passiva de um governo de esquerda, que é um governo conciliador que vende até a alma para se manter no poder (e não, não é um desvio de caráter, fruto de governantes cínicos; mas sim a única forma de participação possível de um grupo de esquerda no executivo dentro de uma democracia burguesa, uma forma de ditadura do capital, em tempos de crise econômica).

Morre a fase mais gloriosa do PT, morre o lulismo, morre um período de um governo de frente popular no Estado, mas também morre o engodo do republicanismo e da legitimidade das instituições burguesas conferidas por um contrato social que foi rasgado de maneira circense. O que virá é incerto, mas dá pra cravar que Judiciário, Executivo, Imprensa e todos os grandes aparelhos burgueses perderam de uma vez por todas o resto de credibilidade que tinham ante parte da população. E essa é uma perda definitiva e sem volta.

Para pisotear o tipo de reformismo mais frágil, a nossa burguesia, usando-se de setores médios insatisfeitos, vendeu a sua alma. E o preço a pagar será alto. Resta-nos, enquanto classe trabalhadora, nos organizarmos em partidos revolucionários para que o mais breve possível possamos a eles entregar toda a fatura de todas as misérias das quais são os grandes e únicos autores.

03/05/2016

Para além do coxinha versus petralha: entendendo o antipetismo

Por Golbery Lessa - Membro do Comitê Central do PCB


Se a esquerda deseja ter clareza sobre como agir diante da ampliação das manifestações organizadas por setores reacionários da classe média, precisa procurar uma explicação científica para o fato e não embarcar na versão apresentada pelo governo federal. É mais fértil procurar entender as bases econômicas, culturais e políticas do reacionarismo do que concebê-lo como um improvável desvio moral simultâneo de milhões de indivíduos. Seria desastroso fundamentar apenas na intuição o discurso e as ações contrários às dimensões ultradireitistas das manifestações ocorridas nos últimos tempos. Para a esquerda, é mais importante tentar compreender os fatos do que promover uma competição para saber qual dos seus analistas ridiculariza melhor o bizarro discurso das passeatas verde-amarelas e cria o mais engenhoso anátema para estigmatizar os setores médios.

É infértil fazer uma análise estanque das ideias e das posições políticas da classe média. Não é sustentável considerar que este grupo social tenha condições objetivas apenas de comportar-se e expressar-se de modo conservador. Como demonstrou Karl Marx, ainda no século XIX, é próprio dos setores médios da sociedade moderna oscilarem entre posições ideológicas e políticas de direita e de esquerda e, inclusive, misturarem essas posições antípodas. Na atual conjuntura brasileira, uma das provas desse movimento pendular é o fato de que um setor numeroso da mesma classe comporta-se de maneira progressista, defende a esquerda e repudia o discurso do tipo proferido por Jair Bolsonaro.

Nos últimos anos, o marketing do governo federal apostou na estigmatização dos setores médios com o objetivo de aproveitar o descontentamento de alguns dos seus estratos com o PT para “provar” que “a tradicional elite brasileira” seria contrária aos “avanços sociais” dos governos Lula e Dilma. Manipulou o sentido da palavra “elite” para que esta abarcasse apenas a classe média e fez desaparecer nessa bruma sociológica a grande burguesia aliada aos petistas. A família com renda de cinco salários mínimos ou mais começou a aparecer na fala governista como a adversária natural dos trabalhadores e a senadora Kátia Abreu, para surpresa do público, passou a ser mostrada como heroína da economia brasileira. Como cereja do bolo dessa sociologia pelo método confuso, possivelmente criada pelo marqueteiro João Santana, enquanto a classe média real se contraía, os governos petistas fantasiavam sobre a existência de uma “nova classe média” formada pelas famílias de trabalhadores com carteira assinada e acesso ao consumo de massa.

Para compreender as últimas manifestações de direita contrárias ao governo Dilma é preciso, igualmente, desconfiar dos motivos alegados pelos próprios setores médios envolvidos, pois um grupo social não é, necessariamente, o que afirma de si mesmo. Para parte da esquerda, é tentador imaginar que uma fatia da classe média está insatisfeita apenas devido a arraigados preconceitos contra os pobres, as minorias étnicas, a população LGBTT, o campesinato e o operariado, entre outros grupos. Entretanto, se observarmos os dados empíricos existentes, é possível perceber que a insatisfação tem outros motivos, a maioria de ordem econômica.

Comecemos pelo que tem sido esquecido pela maioria dos analistas: observemos os dados empíricos sobre a trajetória econômica e demográfica da classe média na Era PT. Entre 2001 e 2013, na Região Metropolitana de São Paulo (RM-SP), palco da maior manifestação do dia 15 de março passado, segundo a PNAD/2013, o número absoluto de famílias de classe média (consideradas como aquelas cuja pessoa de referência da família tinha renda mensal de cinco salários mínimos ou mais) diminuiu 31,57%, enquanto o número absoluto de famílias da classe trabalhadora (consideradas como aquelas com renda mensal inferior a cinco salários mínimos) ampliou-se 57.64%. Se observarmos a variável contabilizando a renda de todas as pessoas do núcleo familiar, a situação melhora para a classe média, entretanto, a sua trajetória passa a ser de crescimento (12,00%), mas muito menor do que o da classe trabalhadora (65,48%). Mesmo nesse caso, os estratos entre 10 e 20 salários mínimos e acima de 20 salários mínimos tiveram encolhimentos absolutos de 23,00% e 38,90%.

A constatação é ainda mais surpreendente quando comparamos esses números com aqueles das mesmas variáveis e dos mesmos parâmetros imediatamente referidos entre os anos de 1991 e 2000. Nesse intervalo de tempo, segundo os censos demográficos do IBGE, o número absoluto de famílias de classe média no Estado de São Paulo (não tivemos acesso a dados da RM-SP para o período) quase dobrou (96,61%) e o de famílias da classe trabalhadora ampliou-se em apenas 19,70%. No país, os números foram, respectivamente, 185,26% e 21,00%. Primeira conclusão: a Era PT estancou o desenvolvimento demográfico da classe média e fez dois dos estratos desse grupo social encolherem.

Se corrigirmos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) o valor nominal da renda média mensal das famílias calculado na PNAD/2013, constataremos que, entre 2001 e 2013, todos os estratos salariais da RM-SP tiveram um ganho real de renda aproximado de 38%. Será que a melhoria da renda das famílias de trabalhadores originou-se em recursos anteriormente de posse dos setores médios? Como, ainda segundo a PNDA/2013, apenas 4,39% dos integrantes da classe média da RM-SP eram, em 2013, empregadores de trabalhadores não-domésticos (nesse número estão inclusos os membros da grande burguesia, pois IBGE não os discrimina) e 7, 07% dos assalariados eram trabalhadores domésticos, a melhoria da renda dos trabalhadores na Era PT não pode ter se originado, a não ser residualmente, de recursos provenientes da classe média.

O aumento da renda dos trabalhadores na Era PT foi determinado por uma significativa ampliação da oferta de empregos formais em um momento de relativa estabilidade monetária. Uma tendência econômica presente em dezenas de países do Sul do planeta na primeira década do século XXI e condicionada pelo deslocamento de grandes massas de capital para a periferia do sistema. Configurou-se como um ganho dos trabalhadores na luta econômica contra o capital, mesmo que as grandes empresas tenham abocanhado a maior parte da riqueza derivada do aumento de produtividade e da ampliação das escalas produtivas.

A classe média não perdeu nada com o avanço do consumo dos trabalhadores, a multiplicação dos empregos e a expansão (mercantilizada) de algumas políticas sociais, como o Bolsa Família e os subsídios para matrículas no sistema de ensino superior. A baixa qualidade da maioria dos cursos universitários e a precariedade da assistência estudantil, entre outras variáveis, fizeram com que expansão da presença dos trabalhadores no ensino superior não lhes tenha garantido efetiva capacidade de competição com os setores médios no mercado de trabalho, representando mais uma ganho simbólico do que uma efetiva qualificação (com exceção das trajetórias individuais particularmente exitosas e motivadas por talento excepcional).

A contração demográfica de estratos da classe média foi determinada por duas variáveis: 1) nos 13 anos considerados (2001-20013), o aumento de 38% na renda real mensal não foi suficiente para cobrir o crescimento das necessidades de consumo impostas pela dinâmica da sociedade a esta classe; e 2) a reestruturação produtiva das empresas privadas e órgãos públicos, no início do século XX, baseada na diminuição dos níveis de chefia e no avanço tecnológico dissolvedor de funções especializadas, diminuiu muito os postos de trabalho para os setores médios. Esses fatores atingiram de modo distinto os trabalhadores, pois suas necessidades ainda eram as básicas e os postos de trabalho que podiam ocupar multiplicaram-se.

A sociedade capitalista é estruturada de tal modo que o nível de consumo imposto socialmente aos indivíduos desenvolve-se numa espiral crescente e avassaladora. O telefone celular e o computador pessoal, por exemplo, inicialmente apenas curiosidades tecnológicas, tornaram-se instrumentos profissionais e sociais incontornáveis. A primeira década do século XX no Brasil foi marcada por um notável acréscimo de novas necessidades sociais para as famílias de classe média, sendo suficiente elencar o crescimento da adesão aos planos de saúde, a inflação das mensalidades escolares, a ampliação dos gastos com equipamentos eletrônicos e o boom do acesso à banda larga. Diante dessa tendência intrínseca ao capitalismo, apenas o aumento correspondente da renda e das oportunidades de trabalho seria capaz de evitar disfuncionalidades e insatisfação social. O choque entre o aumento das necessidades de consumo impostas socialmente e a renda foi, no período considerado, respondido pelas famílias com a renúncia ao consumo e o endividamento, uma combinação politicamente explosiva.

Também nos governos petistas, a classe média tem perdido renda para o grande capital, principalmente por meio de preços de monopólio cobrados por faculdades privadas, bancos, planos de saúde, montadoras de automóvel e outros setores. Parte deste grupo social imputará essas perdas a qualquer governo dominado pelas grandes empresas e tenderá a usar a retórica antigovernista à mão para explicitar sua crítica e propor um governo diferente, via eleição ou impeachment. Se o governo for do PSDB ou outro partido de direita, usará a retórica da esquerda, como o fez na crítica aos governos FHC e Collor. Caso o governo seja petista e o esquerda alternativa ainda não tenha adquirido visibilidade e significativo peso político, usará a retórica da direita e mesmo da extrema direita. Vejamos uma prova empírica desse movimento pendular: poucos dias antes do segundo turno da eleição presidencial de 2002, pesquisa do Instituto Datafolha mostrava que 60% da classe média paulistana, replicando tendência nacional, votaria em Lula. Na véspera do segundo turno da eleição de 2006, o mesmo Datafolha divulgava que cerca de 50% dos setores médios paulistanos votariam no candidato do PT. O antipetismo não é e nunca foi intrínseco à classe média brasileira.

O setor da classe média que se expressa, na atual conjuntura, por meio de ideias reacionárias o faz, entre outros motivos, porque percebe os governos petistas como dominados pelo grande capital, o adversário econômico por excelência da pequena burguesia. A fala contra a corrupção colocada no centro do discurso desses estratos médios é, além de uma simplificação exagerada do complexo tema das políticas públicas, uma crítica a governantes, de fato, capturados pelo empresariado. A atitude dos governos petistas de defender os monopólios e abandonar a classe média levou o discurso de setores desse grupo social a expressar-se numa retórica contra o PT, seu passado proletário, as políticas sociais e a esquerda em geral. É a fala de um anticapitalismo de direita (defende o mercado, mas é contra a acumulação, deseja o individualismo, mas é contra a igualdade de oportunidades, etc), que, por também não confiar na oposição, apela cada vez mais para entidades abstratas, com a pátria, em busca de forças políticas descompromissadas com o governo de plantão e o grande capital. É uma situação típica na qual a classe média pode se tornar presa das ideias fascistas. Algo particularmente perigoso num momento em que os movimentos sociais e os sindicatos estão neutralizados pelo direitismo do governo, pois os aludidos estratos dos setores médios tornam-se uma vanguarda reacionária que pode imantar o resto da população. A esquerda precisa, urgentemente, entender os motivos econômicos desta classe social e lhe apresentar um programa alternativo.

A crise e a saída para a classe trabalhadora

A situação política e econômica é preocupante. Ainda que grave, a crise é também uma oportunidade para a burguesia monopolista realizar contrarreformas que em outros momentos seriam mais difíceis. A privatização dos serviços públicos e a retirada de direitos trabalhistas são demandas já colocadas pelo empresariado brasileiro para o próximo período, independentemente do resultado do processo de impeachment.

Essa agenda já vinha sendo atendida pelo governo do PT. Vide as MPs 664 e 665, o anúncio de reforma da previdência, etc. Porém, o patronato quer mais rapidez. Por isso o engajamento da FIESP, por exemplo, no pedido de cassação de Dilma.


O apetite burguês não para por aí. Como existe muito capital acumulado nos cofres do sistema financeiro, aguardando oportunidades lucrativas de investimento, a bola da vez é a mercantilização da saúde, educação e outras necessidades básicas. Nesse sentido, a precarização deliberada de serviços essenciais visa abrir as portas para o setor privado.


A ofensiva do capital sobre o trabalho se aproveita do caminho aberto pelo sindicalismo conciliador, que em troca de migalhas adotou a defesa incondicional do governo, em prejuízo da luta autônoma dos trabalhadores. Buscando proteger Dilma da turbulência oriunda da adoção de medidas impopulares, foram aceitando acordos coletivos rebaixados e exaltando políticas compensatórias como grandes conquistas para a classe.


Com essa política de amoldamento à ordem, os sindicalistas de parceria conflitiva, como se autointitulam os burocratas, foram trocando ganhos reais por participação em lucros e resultados (PLR). Em vez de colocar a classe em movimento para defender seus direitos e conquistas históricas, capitularam à lógica desavergonhada das demissões voluntárias, redução de salários, além da perda de outras importantes cláusulas sociais obtidas através de muita luta.


Ainda que a atual conjuntura seja adversa à classe trabalhadora, em função da passividade estimulada pelo sindicalismo chapa branca e da submissão inerente à conciliação governista, também surgem possibilidades de contraofensiva para a militância classista dialogar com as bases de todas as categorias profissionais, numa perspectiva de reorganização de resistência e autodefesa de seus direitos.


Assim sendo, a UNIDADE CLASSISTA propõe a construção de um bloco de forças sindicais e populares que assumam a tarefa de organizar a classe para coletivamente: exigir investimentos públicos em saúde, educação, saneamento básico, moradias populares, mobilidade urbana; mais empregos e melhores salários; enfrentar as demissões imotivadas; ocupar as unidades de produção falidas e complexos habitacionais erguidos com as reservas do FGTS para servir à especulação imobiliária, construindo espaços de autonomia e exigindo a injeção de fundos orçamentários do Estado, cuja maior fatia (73%) tem sua origem nos impostos pagos por quem ganha até 3 salários-mínimos.


Com esta perspectiva a UNIDADE CLASSISTA conclama as organizações classistas consequentes a se unirem na construção de um 1º DE MAIO de massa, convocado desde locais de trabalho e moradia para manifestações nas capitais dos estados, dando uma demonstração da disposição da classe trabalhadora para enfrentar o projeto de contrarreforma do estado e o ataque aos seus direitos históricos.


Com esta perspectiva a UNIDADE CLASSISTA conclama as organizações classistas consequentes a se unirem na construção de um 1º DE MAIO de massa, convocado desde locais de trabalho e moradia para manifestações nas capitais dos estados, dando uma demonstração da disposição da classe trabalhadora para enfrentar o projeto de contrarreforma do estado e o ataque aos seus direitos históricos.


Rumo ao Encontro Nacional da Classe Trabalhadora – ENCLAT.


Defender direitos e na luta ampliar conquistas!


Acesse: csunidadeclassista.blogspot.com

25/04/2016

O que é ser feliz?


A felicidade é apresentada como um fator importante na Filosofia desde que ela se tornou predominante como método de discutir e conhecer o mundo. Mas a discussão sobre ser feliz é bem anterior à Grécia Antiga e pode mesmo ser encontrada nas tradições orais depois transcritas, como se nota com a leitura de livros religiosos como a Bíblia e o Corão. A felicidade, portanto, é um tema pois peremptório e intrínseco à história humana, mas sempre com importantes distinções e que muito esclarecem sobre cada povo e os tempos por eles vividos.

Uma das distinções básicas do entendimento em Grécia Antiga do que simbolizava a felicidade pode ser compreendida quando a mesma é vista como ideal a ser atingido em Epicuro, por meio dos prazeres; ou como condição moral, a virtuosidade, em Platão. No entanto, mesmo diante do debate da plenitude, havia a consciência da decadência natural de uma sociedade injusta: um famoso provérbio grego dava conta que "A melhor das coisas é não nascer", afinal a vida carrega desde os seus primeiros instantes a relação dialética de ganhar e perder. E por vezes se perde muito mais do que se ganha.

Não é a toa que a visão filosófica sempre marginalizou versões totalitárias do conceito felicidade, muito em voga no senso comum moderno, uma espécie e busca pelo Jardim do Éden na Terra a ser alcançado com trabalho, disciplina calcada na moral protestante e fé bondosa do cristianismo primitivo. Mas, como diria o sábio Odair José, a "felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes". Uma lição básica, exposta em uma música popular de sucesso, mas pouco entendida em um mundo pouco virtuoso e que os prazeres são atrelados meramente ao consumo. Nada mais infeliz e degradante pois que uma sociedade que compra presentes caros pra mostrar o valor da amizade ou de um compromisso amoroso. É a antítese do que deve, ou deveria, ser uma boa amizade ou um bom romance, cujos valores de interesse deviam estar contidos nas pessoas e não nas coisas por elas adquiridas.

Como já diria Marx, o maior filósofo da contemporaneidade, "a desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas." É exatamente o que presenciamos, algo que não dialoga nem com a felicidade de Epicuro, dos prazeres, de se ligar ao outro e nem com a de Platão. Muito menos com a de Sócrates, para o qual ser feliz era, em essência, ser justo.

Vivemos portanto em um mundo absolutamente infeliz, inclusive por suas próprias regras a respeito do que deveria ser felicidade, e que o número altíssimo e crescente de depressivos, a doença das sociedades capitalistas modernas, vem apenas a escancarar do modo mais difícil e doloroso possível -- sobretudo pra quem perdeu um ente para esta enfermidade.

19/04/2016

Como o lulismo matou o PT

Por Gustavo Gindre

Em 1982 o PT elegeu apenas 8 deputados federais.

Em 1986 foram 16.

Em 1990 foram 35.

Em 1994 foram 49.

Em 1998 foram 58.

E em 2002 foram 91.

Ou seja, o PT na oposição só fez crescer, eleição após eleição, o número de deputados federais.

Mas, aí o PT chegou ao poder e passou a imperar a lógica da governabilidade e das alianças (inclusive proporcionais) com partidos de direita.

Em 2006 (a primeira eleição com o PT já no poder) foram eleitos 83 deputados federais. A primeira queda na série histórica.

Em 2010 houve um pequeno crescimento para 88.

Em 2014 o número desabou para os atuais 69.

Depois que chegou ao governo, o número de deputados federais não apenas não cresceu como diminuiu drasticamente.

Com certeza isso fez falta no domingo.

Mas, os "jenios" da política não se importaram em matar o partido para permanecerem no poder.

Crise capitalista se aprofunda e ameaça Alemanha

Para muitos a Alemanha representava um exemplo formidável diante do caos provocado mundo a fora pela terceira maior crise sistêmica do capitalismo iniciada em 2008. Apesar de conseguir apontar algum crescimento modesto nos últimos anos e as autoridades do Bundesbank reforçarem um discurso relativamente otimista, a crise parece estar mais e mais próxima dos tedescos. Até empresas com solidez como as montadoras passam por momento muito delicado: a BMW, por exemplo, teve uma grande perda na casa de 20% com suas ações. A Alemanha, cabe ressaltar, representa política e economicamente a maior liderança dentro da Zona do Euro e sinais de agudização da crise no país repercutirão não apenas no velho continente, mas em todo o mundo.

Leia aqui:

(Bloomberg) -- No ano passado, as bolsas alemãs ainda figuravam entre as favoritas dos investidores na Europa. Agora, até mesmo os estrategistas, que começaram o ano com previsões otimistas, se tornaram pessimistas.

O índice de referência, o DAX, cairá 1,6% neste ano, segundo a média de treze projeções compiladas pela agência de notícias Bloomberg. A queda constituiria o primeiro declínio anual desde 2011 para o indicador, que subiu quase o dobro do que os outros da região desde que atingiu um valor mínimo nesse ano.

Os estrategistas diminuíram suas previsões para o final do ano em toda a região em meio ao crescente pessimismo em relação aos lucros. Antes preferidas porque as exportações as tornavam resilientes à economia em problemas da Europa, as empresas do DAX têm sido punidas pela desaceleração da demanda global e pelo fortalecimento do Euro.

Embora o índice tenha se recuperado mais rapidamente do valor mínimo atingido em fevereiro que o Stoxx 600, a preocupação com que uma piora da perspectiva para o crescimento freie um rali que devolveu mais de US$ 200 bilhões às ações alemãs em dois meses está crescendo.

"Mesmo não tendo parecido assim ultimamente, a situação continuará sendo bastante dura", disse Ralf Zimmermann, estrategista do Bankhaus Lampe em Düsseldorf, Alemanha. Ele espera um ganho anual de 0,5% no índice alemão.

"O DAX é impulsionado principalmente por acontecimentos globais e suas ações estão muito expostas ao ciclo global de negócios - as condições para um impulso ao crescimento não existem".

Jornais estrangeiros denunciam golpe. Saiba o que representa.

Espantou a alguns o fato de vários dos maiores conglomerados de mídia das principais economias do mundo terem denunciado com tanta ênfase o golpe branco que está a ser dado contra a presidente Dilma. No Brasil, como se sabe, o monopólio da informação é de algumas poucas famílias e quase todas elas -- exceto a família Frias, que deu uma de PSTU e pediu o "fora todos" -- embarcaram no impeachment. As Organizações Globo capitanearam o golpe por meio das exibições histéricas e fingidas de William Bonner, Ali Kamel, William Waack e Miriam Leitão na tevê aberta. Nos canais fechados noticiosos e outros meios, vários foram os calhordas que se prestaram a esse papel. Aqui nomeio os principais: Merval Pereira, Cristina Lôbo, Gerson Camarotti, Leilane Neubarth, Sardenberg et caterva.

Mas, sobre a mídia internacional, não sejamos ingênuos: ainda que estejam corretos em sua avaliação, os jornalões do exterior como El País, The New York Times, Le Figaro, The Guardian, Bild e outros só estão a criticar enfaticamente o processo que ocorre porque é uma ótima chance de detonar de vez a credibilidade no mercado que o país tinha -- e nada melhor que um golpe antidemocrático, né não?

Há uma estratégia internacional de frações burguesas nacionais (e as dos grupos de comunicação, pelo menos em parte, são dramaticamente nacionais, isto é, dependem dos seus mercados internos) a fim de enfraquecer os BRICs, pois são países que praticando juros altíssimos, taxa de imposto mínima para capital externo aliados a mão de obra barata, representam quase um paraíso fiscal para a burguesia transnacional, que há algum tempo têm fugido de mercados do capitalismo central em crise -- caso específico da Europa. E farinha pouca, diria o famoso adágio, meu pirão primeiro. E é óbvio que qualquer coisa que puder ser utilizada pra gerar desconfiança nos investidores será feita.

Já a burguesia nacional, burra e tacanha como só ela é capaz de ser, não percebeu essa possibilidade e os frutos começaram a ser colhidos: dólar em alta e bolsa de valores em queda. E conforme a mídia do exterior vá denunciando, e haverá mais e mais argumentos plausíveis para fazê-lo, pior vai ficar.

Domingo todos nós perdemos. Até aqueles que achavam que, ao final de tudo, sairiam ganhando.

18/04/2016

Humor


Autópsia do governo Dilma e do PT. Ou: chegamos ao inverno.

Neste texto pretendo fazer uma breve análise daquilo que levou o governo Dilma a sofrer o impeachment, um golpe branco, e que consigo deve finalizar o período do Partido dos Trabalhadores à frente do Governo Federal, mas não apenas: é o fim, e de forma melancólica, do lulismo e do PT enquanto organização que representava um projeto de esquerda e que com ele inspirou e moveu toda uma geração em torno de suas lutas e bandeiras. Em verdade o mito PT já começou a se diluir há muito tempo, muito antes mesmo de 2002 e da famigerada "Carta ao Povo Brasileiro", quando o lulismo se associou publicamente e de modo desavergonhado (aqui sem imputar qualquer juízo moral, apenas descritivo) ao Consenso de Washington, prometendo seguir seu receituário. Ali foi apenas o gesto final que já era passível de ser enxergado, como dito, desde muito antes. No entanto, como é praxe entre os militantes orgânicos do Partido Comunista Brasileiro, rejeito firmemente visões nutridas de esquerdismos (já diria Lênin, a doença infantil dos comunistas), que tenta igualar o PT e os governos Lula e Dilma a governos anteriores como o de FHC. Há muitas diferenças e seria impreciso e mentiroso perante os fatos negar as conquistas obtidas neste período.

Mas para não deixar a leitura muito extensa e tediosa, irei por tópicos. Contudo cumpre mensurar que, como qualquer incidente e tragédia, e a queda do PT tem um lado trágico que deixará marcas, há muitas pontuações a fazer. E antes faço uma analogia que me parece muito pertinente: tempo atrás fiz uma breve pesquisa sobre acidentes nas provas de automobilismo (Fórmula 1 e Fórmula Indy, as duas categorias que mais acompanho e gosto), e li uma frase não lembro de quem (perdoem-me pelo ato falho) e que é bastante cirúrgica: nunca um acidente fatal é motivado por apenas uma causa. Quando é uma só, ele acaba não sendo fatal. E se serve para as pistas também serve para a política -- e qualquer outra coisa. Vamos a elas, portanto.

Negação da política e o lulismo.

O PT começou a decair ideologicamente há muito, muito tempo. O sinal oficial perceptível publicamente foi o Congresso de 92 quando o partido abandonou o marxismo como linha teórica, fez apelo à democracia representativa burgo-liberal, uma forma de ditadura capitalista (e isso agora é bastante visível pra quem se negava a ver), e marginalizou todas as outras tendências que ainda bravamente resistiam ao processo de centralização de ações em torno do campo majoritário do partido e seu maior expoente, quem seja, Lula. Já ali havia sinais de degradação fortes. Florestan Fernandes, falecido em 95, as enxergava e denunciava. Outro que também pontuava a respeito era o ex-prefeito de Santos, e nosso ex-camarada do PCB, o David Capistrano Filho. Dizia ele, que faleceu em 2000, ou seja, antes do PT chegar à presidência, que o PT acabaria com todos os vícios do PCB da década de 80 e nenhuma de suas virtudes. Se estivesse vivo certamente mudaria o diagnóstico -- mas não para melhor, obviamente.

Lula paz e amor
Dois nomes se destacavam no campo majoritário petista: Lula, a figura pública; e Zé Dirceu, a cabeça pensante, o gestor do modus operandi petista calcado no pragmatismo e que começou a construir um projeto de poder e não um voltado para a classe trabalhadora. É peremptório asseverar, sem recorrer a anacronismos, que toda a esquerda que viveu os anos 80 e 90 passou por momentos decisivos e difíceis: caiu a URSS; o neoliberalismo se apresentou de modo muito sedutor; os EUA se ofereceram como um possível parceiro no desenvolvimento da América Latina; havia todo aquele discurso obtuso, mas aceito à época, que as ideologias haviam acabado, que o pragmatismo em torno do livre mercado e a defesa da democracia burgo-liberal eram o que restava e um fim em si mesmo. Toda a esquerda sofreu com isso, inclusive o PCB (que em 92 rachou dando origem ao famigerado PPS) e o PT.

E todo esse pragmatismo voltado a fazer do PT um campeão de eleições -- e nisso, cabe mensurar, Zé Dirceu se saiu muito bem -- foi aos poucos a fazer o partido se afastar das bases, buscando cada vez mais atalhos puramente político-eleitorais pra se vender como legenda e vender sua grande figura, Lula, em eleições sempre mais semelhantes a relações meramente mercantis: a cada quatro anos alguém se vende pra você e sua pessoa decide se compra ou não. As campanhas milionárias, marqueteiros inspirados a criarem slogans e programas eleitorais muito melhores que os da oposição etc. foram a reforçar a idéia de um PT calcado em figuras, em simbologias, mas raramente ou só nos momentos de dificuldade (como na campanha de 2014) em idéias.

E bom, quais eram as idéias dessa figuras do PT? O lulismo tem simbologias de classe, e até hoje o PT tem uma base classista, mas não é um projeto de esquerda, coerente e bem orientado para um fim que vá além dos mandatos eleitorais. As duas principais características de Lula sempre foram o poder de conciliar com frações distintas ao passo que tinha muita influência nos movimentos sociais. Mas isso, por si só, nunca fez do PT lulista um projeto puramente de esquerda, ainda que englobasse alguns dos seus objetivos, cumprindo alguns e outros não durante seus mandatos. Confirma a tese supracitada o fato de Lula e o campo majoritário do PT não terem qualquer constrangimento em adotar a cartilha social-liberal em 2003 cujo principal mandamento era manter o tripé macro-econômico dos tempos privatizantes de FHC. Ou também se aliar ao que de pior a política burgo-liberal tupiniquim tem a oferecer. É o jogo, diziam. E todo jogo cobra um preço -- às vezes com juros e correção altíssimas.

Governos Lula e governos Dilma

Há uma pletora de textos a pontuar de forma bastante mais rica vários acontecimentos e direcionamentos desses 13 anos de PT na presidência. Mas em geral dá pra dizer que os governos social-liberais de Lula contaram com um contexto favorável: economia global capitalista em crescimento, elevação dos preços das commodities e o crescimento alarmante da China. Tudo isso, associado ao poder que o PT tinha nos movimentos sociais, apassivando-os, permitiu um pacto que, naquele momento, rendeu muito à burguesia, que nunca lucrou tanto por aqui, e fez com que houvesse a inclusão de muitos a partir do consumo.

Só que com a crise de 2008, ações feitas aqui e acolá, umas dando certo e outras não, ficava mais claro que, conforme o período de recessão mundial fosse a perdurar, afinal não era uma crise qualquer, uma simples crise cíclica, mas sistêmica, haveria a necessidade de alguém pagar a conta. E o pato da FIESP é didático: a burguesia nunca pagou e não vai ser agora que iria pagar. E não viam em Dilma uma pessoa capaz de dar o boleto para a classe trabalhadora efetuar o pagamento. Ou não de uma vez. Mesmo o Lula a tentar fazer passar uma "Carta ao Povo Brasileiro 2.0" em vários de seus discursos, prometendo diálogo, conversa e pactuação, as frações burguesas, fartas do petismo, disseram não e avançaram rumo a expulsar o PT do poder e talvez até mesmo extirpá-lo enquanto partido inserido nas massas com alguma força.

Dilma II

Outra questão importante e que acelerou o processo de esgotamento do lulismo foi a incapacidade de Dilma em fazer política, em se relacionar com a base no Congresso e manter ao seu lado setores da burguesia. Seu jeito de ser, sua forma de gerir e os erros de sua equipe -- e foram muitos -- minaram a confiança que tinham no seu governo. Em 2014, quando perderam de vez o mercado financeiro, alguns ministros a aconselharam a mudar a política econômica e tirar Mantega da Fazenda. Claro que esse movimento era em torno da defesa de ações de arrocho, o que demonstra duas coisas: o governo refém dos setores da burguesia em suas políticas, inclusive da especulativa (nenhuma novidade aqui, mas é preciso citar o grau de submissão); e como voltar às bases, o que as propagandas eleitorais sugeriam, nunca foi uma possibilidade. Até porque, convenhamos, o PT já há muito tempo não é voltado para políticas de base. No dia em que Lula foi convocado pra depor coercitivamente espantou o fato de parte da mobilização ter vindo apenas da ala da aristocracia sindical. Não se via peões. E estamos a falar no nome que hoje é maior que o PT e principal liderança no país. Não é pouco.

Crença no republicanismo
E era óbvio que um partido despolitizado, resumido à uma figura política muito hábil, mas que se favoreceu de um contexto altamente positivo economicamente e que em muito foi responsável por esse próprio papel de degradação da legenda, a falta de ação contra monopólios, sobretudo os da área da comunicação, e os escândalos de corrupção, usados por esses próprios monopólios e pela oposição para atacar o governo, foram tornando o Partido dos Trabalhadores refém unicamente dos resultados da economia. E como a economia não vai nada bem, o apoio dos setores da burguesia que ainda se mantinham com o governo (indústria e ruralista) foi perdido e a queda se tornou questão de tempo. O PT acreditou no mito do republicanismo: que o Estado burguês é um ente em disputa e que dá pra conciliar sempre. A chave que a burguesia deu em 2002 agora ela resolveu tirar. Sem motivações fortes para tal, tendo de recorrer assim a um golpe branco, e ao PT pouco ou nada resta fazer dentro do campo da institucionalidade burguesa. É esse o jogo.

Coxinha versus petralha. Ou: como o PT perdeu a classe média.

O PT nunca foi um partido anticapitalista (ele teve tendências anticapitalistas, o que é diferente) e dos anos 90 pra cá o partido assumiu sem medo a defesa de um Estado provedor e assistencialista do capital privado, o que é a finalidade mesma do Estado burguês. Conforme esse processo foi se aprofundando, mesmo com as conquistas sociais, mas por meio da inclusão através do consumo, a classe média dos grandes centros passou a se sentir sufocada tanto pelos impostos quanto pela má qualidade dos serviços públicos -- que lhe empurrava mais e mais para os gastos privados. E se a classe média não é e jamais será um espaço dado a características muito progressistas e revolucionárias, cabe ao menos neutralizar caráter reacionário que aqui é assaz patente. O PT preferiu estigmatizá-la, a chamá-la de coxinha, acusá-la de elitista e outras coisas mais (não que não seja verdade em alguns casos), mas não procurou entender esse fenômeno, suas motivações. Deu de presente essa gente para a oposição que, de 2010 pra cá, anda mais raivosa e radicalizada. E a oposição fez o serviço sujo mancomunada com a grande mídia. O resultado foi a gestação de feroz antipetismo que se apresentou como força política em 2014 capaz de ameaçar o petismo.

O futuro

Eu teria muito para escrever, mas este texto já se faz bastante extenso. De pronto é possível dizer que o PT, mesmo vindo a ganhar outras eleições, vai sofrer impactos profundos e se verá cada vez mais datado no tempo e no espaço. Ultrapassado mesmo. Algumas legendas, como o PSOL, talvez tentem revivê-lo vendendo-se como um petismo puro, sem desvios. Contudo, como vimos, não se chega ao Estado-burguês, que não é democrático, sem fazer pacto com o diabo. E não será por meio de pleitos viciados, garantidos pelo poder financeiro e midiático, que o PSOL e qualquer uma de suas boas figuras chegará à presidência. Algumas outras tendências identitaristas podem eventualmente tentar ocupar a lacuna, mas não devem passar de ações com alguma influência na classe média. E no meio de tudo isso, é claro, um forte discurso conservador a tentar colar em toda a esquerda as mazelas do petismo agora derrotado e surrado em praça pública.

Mas não é um momento para desespero. Ainda que a direita venha com tudo, e virá, a esquerda revolucionária que entrou em 2013 nas ruas fragilizada e marginalizada, quando o pacto da Nova República começou a ser quebrado, agora se encontra bastante mais forte e mais consciente de que, no Estado burguês, não há nada para reformar, apenas derrubá-lo. Várias alegorias vazias que sustentavam o pacto de legitimidade do Estado burguês brasileiro foram ao chão. E ao vivo para todo o país ver. E isso não é ruim, claro. Por mais doloroso que seja um acontecimento, é importante saber como são as coisas e como elas funcionam. Mesmo que para isso tenhamos de passar por um talvez rigoroso inverno, mas com a esperança e certeza de que a primavera uma hora chegará.

A Ilusão

Por Verissimo



Gosto de imaginar a História como uma velha e pachorrenta senhora que tem o que nenhum de nós tem: tempo para pensar nas coisas e para julgar o que aconteceu com a sabedoria – bem, com a sabedoria das velhas senhoras. Nós vivemos atrás de um contexto maior, que explique tudo, mas estamos sempre esbarrando nos limites da nossa compreensão, nos perdendo nas paixões do momento presente. Nos falta a distância do momento. Nos falta a virtude madura da isenção. Enfim, nos falta tudo que a História tem de sobra.

Uma das vantagens de pensar na História como uma pessoa é que podemos ampliar a fantasia e imaginá-la como uma interlocutora, misteriosamente acessível para um papo.

– Vamos fazer de conta que eu viajei no tempo e a encontrei nesta mesa de bar.

– A História não tem faz de conta, meu filho. A História é sempre real, doa a quem doer.

– Mas a gente vive ouvindo falar de revisões históricas…

– As revisões são a História se repensando, não se desmentindo. O que você quer?

– Eu queria falar com a senhora sobre o Brasil de 2016.

– Brasil, Brasil…

– PT. Lula. Impeachment.

– Ah, sim. Me lembrei agora. Faz tanto tempo…

– O que significou tudo aquilo?

– Foi o fim de uma ilusão. Pelo menos foi assim que eu cataloguei.

– Foi o fim da ilusão petista de mudar o Brasil?

Mais, mais. Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo.

Um pouco surpreso com a eloquência da História, pensei em perguntar qual seria o resultado do impeachment. Me contive. Também não ousei pedir que ela consultasse seus arquivos e me dissesse se o Eduardo Cunha seria presidente do Brasil. Eu não queria ouvir a resposta.

15/04/2016

Não é possível conciliar.

Parece ser favas contadas que a presidente Dilma será derrubada em um processo de impeachment coordenado por forças reacionárias. A pergunta que fica diante disso é: como o pessoal reformista pretende se eleger, fazer as reformas que precisam ser feitas, o que o PT não fez, e mesmo assim se manter no poder?

Explico: o PT nestes anos todos nunca ousou mexer nos interesses dos capitalistas. Tudo, pelo contrário, foi em prol de reafirmar ainda mais o Brasil como um país capitalista capaz de prover lucros exorbitantes para o topo da pirâmide. No entanto, ao sinal da primeira crise, uma presidente eleita está prestes a ser apeada do poder sem nenhuma justificativa legal (e lembremos que as leis também têm caráter de classe).

Está cada vez mais claro que com a nossa burguesia não há diálogo. Se mexer com ela, mesmo que minimamente, já era. Não há conciliação possível sem que os daqui sempre tenham que pagar a conta dos que estão lá; os trabalhadores pagando a conta pela crise do sistema que existe para favorecer os patrões.

Isso já era perceptível no século XIX. Marx não era dotado de nenhuma característica sobrenatural quando afirmava que o reformismo era incapaz de lidar de forma satisfatória com as crescentes contradições que envolvem o capital e o trabalho nas sociedades capitalistas. Ele apenas enxergava o que era passível de ser visto. E o acúmulo de experiências neste período (para citar só três, a Comuna de Paris em 1871; Goulart em 64; e Allende em 73 -- três experiências diferentes, mas que, em menor ou maior grau, batiam de frente com interesses das respectivas burguesias) mostrou serem acertadas as suas conclusões.

A democracia burgo-liberal é um mero eufemismo um tanto bonito, mas carente de significados para embelezar essa forma de ditadura da burguesia, que é quem de fato manda e dá as cartas no Estado que é seu e que ela bem o sabe. Contra o Estado burguês por um Estado do proletariado é a única saída razoável, factível. Não há meio termo e isto está o suficientemente claro. Ou eles, os capitalistas, ou nós, os trabalhadores. O mito do republicanismo no seio do Estado burguês está devidamente sepultado.

07/04/2016

Secretário de Educação do PSDB diz que educação não é direito fundamental

Em texto publicado no site do Governo do Estado de São Paulo (clique e leia), o Secretário da Educação José Renato Nalini afirmou que a educação não é um direito fundamental, mesmo criticou a extensão dos direitos como suposto causador da insatisfação dos trabalhadores pelas más condições dos serviços oferecidos pelo Estado burguês e concluiu que apenas a justiça e o policiamento devem estar sob controle estatal, que no mais o Estado burguês deve apenas agir como facilitador da iniciativa privada. Cabe lembrar que, tempo atrás, o senhor José Nalini defendeu um auxílio aos magistrados -- que já ganham na casa dos 30 mil reais por mês -- alegando que "não dá pra ir toda semana comprar terno em Miami" (onde seria mais barato e portanto os auxílios aos super-assalariados seriam justos). (clique e veja o vídeo)

Mas, para finalizar, é importante dizer: as palavras do Secretário da Educação podem causar asco, e causam, mas elas reproduzem exatamente o que pensa o núcleo duro do tucanato paulistano. Prefiro portanto que ele as exponha em público do que a velha hipocrisia dos seus antecessores que sempre tentavam desdizer a realidade afirmando que a educação pública era prioridade dos governos do PSDB, o que não é.

06/04/2016

Antonio Tabet e o discurso kibado

Para quem não sabe, Antonio Tabet é um produtor e empresário brasileiro criador do famoso site Kibe Loco e há alguns anos também idealizador e produtor do Porta dos Fundos, humorístico de grande sucesso no You Tube.

Esta semana o senhor Tabet publicou um texto no Facebook (leia aqui) que eu recomendo vivamente a leitura, pois se trata de uma peça tão importante quanto esclarecedora: mostra como uma vez que se ajuda inflamar movimentos extremistas de direita não há como parar; além do que há repetições ad nauseam dos velhos discursos direitistas.

Começamos por este ponto último: há sim muitas diferenças entre você ser a favor e contra um impeachment perpetrado por gente da laia do Cunha, Temer e dos caciques do PSDB. Esse discurso de que pensar A ou B no final é sempre a mesma coisa, é sempre questão de mera opinião, é extremamente simplista. É óbvio que há muitas pessoas inocentes que se deixam levar pela narrativa midiática e acabam comprando com boníssimas intenções essa retórica. Mas é claro que não é esse o caso do seu Tabet, um empresário muitíssimo bem relacionado que sabe exatamente o porquê do pedido de impedimento da presidente: a economia não vai bem, o governo está paralisado e a burguesia está unida em prol de uma agenda agressiva contra direitos dos trabalhadores, o que o PT não fará de pronto, mas que o PMDB e o PSDB fariam sorrindo por não ter uma base social de esquerda como o PT tem (embora seu campo majoritário não tenha nada de esquerda). A questão da corrupção é mera cortina de fumaça.

E não. Não digo que não há corrupção e muito menos que grandes personagens do petismo não sejam corruptos, como Lula, Zé Dirceu e outros tantos. Dilma, pelo que sei, é uma pessoa muito correta. É uma má gestora e muito ruim em fazer política, mas, até onde sei, corrupta não é. E sua derrubada é um ato meramente político em face a uma série de coisas já expostas. Todo mundo que olha para além do discurso midiático orientado a partir da Globo sabe disso. Não é diferente com Tabet.

No entanto seria um tanto difícil retirar do cargo uma presidente alegando ser ela ruim no comando e não ter tirado direitos trabalhistas o suficiente. Daí vem o apelo do discurso da corrupção, que como se pode ver pela milésima vez no escândalo do Panamá Papers, é global e intrínseco ao capitalismo. Isso não é uma carta branca para o roubo, porém. Que se puna os envolvidos, claro. E a Lava-Jato até tem cumprido um papel importante nesse aspecto, uma vez que tem levado à cela grandes empresários que outrora gozavam da mais absoluta impunidade.

Contudo isso não anula que a Lava-Jato tem cumprido uma agenda política e, nesse sentido, o juiz Sérgio Moro é um dos grandes expoentes desse direcionamento ( E que se diga: o que não falta no judiciário nacional é anti-esquerdista. Janaína Paschoal não é exemplo solitário. Mesmo que o PT hoje faça governos muito mais inclinados para a direita, lhes incomoda tanto as conquistas sociais, pouquíssimas nesses anos todos, quanto a história do PT ligada a movimentos sociais. Elitistas que são, odeiam de corpo e alma que alguém como Lula tenha chegado à presidência. Muito mais do que qualquer suspeição de atos ilícitos cometidos pelo ex-presidente). Quando Tabet diz fazer parte do #TeamMoro e mesmo admite que compartilha coisas dos grupos que agora o ataca, ratifica em síntese todo o modus operandi que está por trás desse movimento de ódio que agora nele respinga. Talvez só tenha aprendido que, uma vez iniciado, não dá pra saber onde vai parar.

E pra encerrar: o autor mostrou insatisfação com a peça, dizendo que discordou de absolutamente tudo no quiproquó, incluso o episódio eu imagino. É enviesado? Sem dúvida. Não menos enviesado que as postagens anti-PT de humor que o mesmo Antonio publica no seu famoso blog -- alguns retirados de páginas que agora o atacam. Não dá pra andar ao lado de gente com tanto ódio e sair dali ileso. Que aprenda-se a lição embora o lucro sempre fale mais alto. O discurso moralista, como já dito, é mera cortina de fumaça assim como a indignação pelos malfeitos por parte de pessoas que ficaram famosas por copiar conteúdos sem dar crédito. Não deixa de ser um tipo corrupção.

05/04/2016

"ACABOU A REPÚBLICA DA COBRA™ !" OU JANAÍNA E AS COBRAS ALADAS OU AINDA "NÓS QUEREMOS SERVIR A UMA COBRA?".

Por Wilson Gomes


Quem me ajudou a entender o perfil dos "juristas de renome" ™ cujo pedido de impeachment foi aceito na Câmara foi uma reportagem de Fábio Zanini, da Folha, publicada em 6/3. A matéria, intitulada "Ex-ministros e advogados reúnem-se semanalmente para criticar Dilma", fala sobre os Comensais do Santo Colomba ®, elegante restaurante dos Jardins, em São Paulo, onde se reúne, desde o início de 2015, Miguel Reale Jr.e uma galera dos campos político e jurídico paulistano. Entendem-se como conspiradores, "conspiratas" como carinhosamente se autodefinem. O que fazem toda semana no Santo Colomba? Zanini responde: "reuniões-almoço cuja pauta predominante são estratégias para tirar Dilma da Presidência, seja pela via do impeachment, seja via cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

Não se enganem. No início de 2015 estávamos longe da crise política em que estamos mergulhados, tínhamos acabado de eleger Dilma, mas a oficina de insatisfação paulistana e tucana já estava à obra para encontrar um caminho, qualquer um, para retirar de Dilma um mandato que os Comensais do Santo Colomba ® julgavam que deveria estar em outras mãos.

Se Miguel Real Jr. e sua turma de velhos tucanos "emprestam um ar de solenidade ao grupo", a energia vem de uma turma de "ex-alunos da São Francisco na casa dos 40 anos.Sua mais conhecida representante é Paschoal, professora de Direito Penal na São Francisco". Janaína Paschoal, orientanda de doutorado de Reale, entra na história neste momento.

Janaína Paschoal escreve de vez em quando na Folha, dá para ter uma ideia do seu perfil. É conservadora na maior parte das vezes, liberal, algumas vezes, mas o que há de mais consistente no currículo da moça é o antipetismo. Paschoal se convenceu de que vivemos sob jugo, que o PT é um polvo marciano que se apossou do poder dominando telepaticamente as pobres mentes brasileiras. Paschoal, por exemplo, defendeu Mayara Petruso, a mocinha que recomendou, em 2010, que se fizesse um favor ao Brasil afogando nordestinos no Tietê, dizendo que na verdade foi Lula quem dividiu o Brasil e que ninguém estava notando o bullying que sofrera Serra naquela eleição por ser paulistano.

Paschoal progrediu muito desde o início de 2015, quando fez o trabalho pesado do pedido de impeachment, em consórcio com Reale e Bicudo, que "agregaram valor" à produção intelectual. Agora tem reconhecimento público em padrão de celebridade e está convencida de estar mudando o Brasil. Deve acreditar que faz com o impeachment o que Moro faz com a Lava Jato: construir um mundo novo, lavado da corrupção no sangue do Cordeiro e depurado de todo o Mal. No caso dela, a convicção está virando religião, uma fé profunda, na qual se vê como sacerdotisa de um culto nórdico em que Legiões vencem Serpentes Cósmicas Aladas.
V
ejo vocês a este ponto, meus pobres leitores, balançando a cabeça, sorriso aos lábios, confiantes em que o velho Will dessa vez perdeu o prumo e exagerou. Pois bem, em apologia deste escriba, transcrevi o final do discurso feito por Paschoal, ontem, no Largo de São Francisco, numa reunião ampliada dos Comensais da M...ehm, dos Comensais do Santo Colomba ®. Recomendo ver o vídeo que a revista Fórum reproduz, para sentir o "crescendo" emocional da Sacerdotisa ao enunciar a alegoria central da sua fé. Ao fundo, infelizmente, ouvem-se profanos gritando "Janaína, casa comigo!". Fazer o quê? Tem gente que não sabe colocar a libido no lugar certo, quer dizer, na política. Tsc. Mas, enfim, confiram vocês mesmos:

"O que está acontecendo? As cobras que se apoderaram do poder estão aproveitando as fraquezas humanas para se perpetuarem. Quais são as fraquezas mais características? A sede de poder, a sede de dinheiro e o medo. Eles se fortalecem no nosso medo, eles se fortalecem na ambição desmedida. (...) Nós estamos num momento de reflexão. Mais do que parar para refletir sobre o impeachment – que há motivos de sobras, como todos aqui já falaram e eu já falei também - , é o momento de discutir a que Deus nós queremos servir? Ao dinheiro? Nós queremos servir a uma cobra?

(Aos berros) O Brasil não é a República da cobra. Nós somos muitos hélios, muitos migueis, muitas lúcias, muitas janaínas, muitos celsos, muitos danieis, eles derrubam um levantam-se dez. Nós não vamos deixar esta cobra continuar dominando as nossas mentes, a alma dos nosso jovens. (...) Por meio de dinheiro, por meio de ameaças, por meio de perseguições, por meio de processos montados (e eu sei do que estou falando porque estou defendendo muitos perseguido político) eles querem nos deixar cativos. Mas nós não vamos abaixar a cabeça, porque desde pequenininha que o meu pai (...) me disse “Janaína, Deus não dá asa pra ccobra”. Aí, eu digo pra ele, “Mas pai, às vezes a cobra cria asa”. “Mas quando isso acontece, Deus manda uma legião para cortar as asas da cobra”. Nós queremos libertar o nosso país do cativeiro de almas e mentes, não vamos abaixar a cabeça pra essa gente que se acostumou com o discurso único: Acabou a República da Cobra!”

04/04/2016

Delação - Porta dos Fundos



Não há onda conservadora no Brasil

   Pelo camarada HG Erik. 
Aqueles que, neste momento, desejam e acreditam na possibilidade de existir um governo moralizador - leia-se, Jair Bolsonaro com vice Sérgio Moro e demais variações possíveis da encarnação do "salvador da pátria" - devem imaginar, se forem minimamente consequentes, que um governo desses exigiria uma forma totalmente autocrática de regime político.

Pois Bolsonaro é um bobalhão oportunista. Não tem nenhuma capacidade de costurar alianças para o projeto que instalariam em sua cabeça ôca para defender. Last, and least, não tem moral para sequer moralizar os próprios filhos. Entretanto, mesmo seu arremedo de ditadura não tiraria o país da crise.

Quem pensa a situação a partir do político não enxerga o óbvio: Lula e o PT eram lindos, de repente se tornaram monstruosos. Por que? Será que a Dilma, eleita e reeleita, se tornou o mal a se extirpar por conta da política petista? Ou será que a política mudou e se tornou insuportável por ter alguma mórbida preferência pela impopularidade?

Ah não, o problema é a corrupção. É ela que fez surgir a inflação, e nem uma coisa, nem outra existiam antes da costela do molusco de barro morder a maçã que levou Cristo à cruz em vão. Mas aí virá São Bolsonaro, que há de instaurar a ética na guerra política e o país sairá da recessão. - A escadinha que o moralismo especula mitologicamente aqui começa na subjetividade e cresce até engolfar a sociedade: primeiro, resolve-se a crise moral, e com isso resolve-se a crise política, e daí a crise econômica. Há que ser estupendamente estúpido para se acreditar nisso.

Entrementes, a pequena burguesia moralizaria a sociedade fazendo justiçamentos na rua - é o que temem os defensores do governo Dilma. Mas essa tese de um "crescimento do fascismo no país" é pari-passu à tese de uma crescente "onda conservadora no Brasil", ou seja, simplesmente empirista, impressionista, falsa. Marketing político do medo, reginaduartismo em prol do PT.

Engraçado é reconhecer - e ter de relembrar aqui - que, quanto a isso, a Marilena Chaui não estava de todo errada. A pequena burguesia (que ela chama de "classe média", com a precisão de um hipopótamo) sempre foi fascista. Se agora "o gigante acordou", daqui a pouco ele dorme de novo.
Nada disso seria qualquer problema se a esquerda brasileira não insistisse em dormir ao seu lado.