26/08/2015

Sobre movimentos de minorias pós-modernos.

Talvez eu esteja a exagerar, mas vários dos grupos de discussão de minorias hoje simpáticos a agendas de partidos de esquerda como o PSOL já estão dominados por uma lógica liberal-conservadora. A partir do momento que se diz que um assunto premente e de caráter social como o machismo ou o racismo tem limitação na participação do debate, já se coloca uma lógica privatista, do fenômeno social como dilema de alguns e não de todo. Do machismo falam as mulheres; do racismo o negro; da transfobia a pessoa trans* e por aí vai. Ignora-se o caráter de alteridade e empatia. Confunde-se a ordem das coisas. O argumento não passa a valer pelo seu conteúdo lógico, por sua razoabilidade, mas por quem o expressa e as características psíquico-físico-biológicas que carrega.

É claro que a vivência é importante e que tais discussões não podem se furtar a trazer a voz daqueles que são seus protagonistas, porque isso acarretaria na reafirmação da lógica da exclusão a que essas minorias são vítimas. Mas também não é factível dizer que apenas a lógica da experiência enquanto indivíduo baste, pois assim o fosse todo trabalhador ao longo de uma jornada de trabalho chegaria à conclusão de que o capitalismo traz em si ferramentas de espoliação das riquezas produzidas. Ou em um caso individual, a Condoleezza Rice, mulher e negra, que cresceu em um período de grande opressão, até perdendo uma colega de escola vítima de um atentado racista, jamais ostentaria opiniões conservadoras e não participaria de uma gestão marcada por profunda negligência a problemas sociais.

Concluo portanto que é necessário não negar o caráter social dessas questões, o fator de classe inclusive, e que é preciso sempre estar apto a ouvir, refletir e não partir de um prejulgamento fundamentalista. É possível que muitas pessoas que se predisponham a participar desses debates carreguem consigo as expressões dominantes supressivas existentes na sociedade, mas são pontos a serem desconstruídos, às vezes lentamente. O fato de eu em algum momento asseverar qualquer coisa com algum teor machista não faz de mim um misógino machista digno das piores ofensas. É igualar alguém que está tentando se livrar dessas heranças culturais seculares com uma pessoa qualquer que as reafirma como condição básica de pensar o mundo. É outrossim partir do pressuposto de que seres humanos não erram, são infalíveis, e que a mudança é impossível -- uma ótica profundamente reacionária.

Ao mesmo tempo tais pontos requerem de nós, que não somos objeto central do debate, ainda que dele participemos, compreensão e empatia. Apreender que o outro lado carrega ressentimentos, experiências traumáticas e que o lidar com elas não é sempre fácil. Somos humanos, afinal. Mas continuar a empregar a lógica da "privatização de problemas sociais" é um enorme retrocesso e que tem como consequência quase sempre o ressoar de noções moralistas, de exclusão e, em muitos casos, transformadas em ações concretas calcadas em mero punitivismo. Práticas históricas dos exploradores e que estão a virar régua de alguns explorados. O resultado concreto é que o conservadorismo passa a ser reafirmado por todos os lados. E somos todos nós que perdemos.

24/08/2015

Futebol moderno e o torcedor "fanboy" no Brasil

Toda empresa tem como base a idéia de prestar um serviço ou vender um produto, que deve ter uma determinada finalidade para que possa assim alcançar um público, que por sua vez é chamado de mercado. É uma relação a princípio bastante simples, mas que foi a ser aprimorada com o passar do tempo, a exigir novas ferramentas, algumas das quais bastante complexas. A mais poderosa delas, sem dúvida, o marketing.

E dentro da estratégia de marketing há a propaganda, que tenta não apenas fazer um produto parecer bom para o consumo, mas também reforçar a idéia de que agrega um "valor" extra para o seu consumidor; um produto que tem personalidade própria, estilo, como se fosse uma pessoa, e que é essencial para a vida, transformando o supérfluo em necessidade.

A partir do aprofundamento dessas táticas, não seria difícil supor, apareceram os fãs dessas marcas -- pelo menos de modo massificado. Fãs que se encaram como se fossem verdadeiras personificações de tais valores e modos de ser, e que estes são por sua vez incorporados por meio da "compra" e nesses indivíduos se confundem.

É aí que surge a figura do "fanboy", o admirador convicto dessas expressões e que acredita ser o portador da identidade conferida por elas. Exemplos abundam atualmente e acredito que talvez o maior símbolo global seja a "Apple". Outro antro onde essa presença é muito forte é o dos videogames, com pessoas que se intitulam no Brasil "sonystas" (PlayStation da Sony); "caixistas" (Xbox da Microsoft); e "nintendistas" (Wii-U; Wii e outros consoles da Nintendo).

Mas onde entra o futebol nisso? Pois é bastante simples: como os times viraram empresas nessa fase moderna do esporte e são tratados como tal, a associação feita a partir do marketing é toda com base na propaganda de uma marca. Uma marca que transporta paixão e não apenas um time que joga um esporte. E é aí que a figura do "fanboy" aparece na relação do indivíduo com o clube de futebol. E sobretudo onde a relação "futebol-empresa" é melhor desenvolvida, isto é, nos clubes da Europa. Ou pelo menos nas principais ligas, como as da Espanha, Alemanha, Inglaterra e Itália.

Contudo ela tem suas peculiaridades: esse "fanboy" nunca tem um vínculo orgânico com a entidade esportiva, porque o elo existente é em muito efetivado a partir do campo da "idealização". Assim como os "fanboys" de uma empresa capitalista jamais serão um de seus acionistas, que compreendem a lógica ali existente, ou pelo menos parte dela, o "fanboy" futebolístico não é alguém próximo do clube. Isso não significa que esse não domine uma série de informações sobre o mesmo (informação como uma intermediação distinta de conhecimento). Em geral são pessoas muito bem informadas sobre as coisas que ali acontecem até pelo grau de fanatismo e a margem para tal que as tecnologias de informação atualmente propiciam.

No entanto a correspondência ao clube é completamente distinta do torcedor comum. Enquanto este se liga ao time de futebol por uma relação afetivo-parental, isto é, por estar em ambiente em que aquele clube exerce uma influência afetiva no conjunto das pessoas, seja positiva ou negativa, mas com algum grau orgânico, o "fanboy" se vê numa relação afetivo-mercadológica, sem qualquer organicidade. É apenas uma relação-produto, de compra e uso. É extremamente postiça, mas encoberta de acepções de afirmação de caráter e de justificação existencial.

E uma característica intrínseca a esse "novo tipo" no futebol transformado em mercadoria é a ligação a partir de uma "negação". Antes de um torcedor de um time, como no caso de um corintiano ou são-paulino, que a priori gostam dessas agremiações e só a partir delas criam distinções como as que as diferem dos seus rivais, essa pessoa é alguém que nega um determinado tipo de relação e constrói em cima disso suas predileções. É daí que surge a profunda relação de fanatismo e intolerância para o contrário.

No caso específico do "fanboy" no Brasil, pode-se notar, antes da sua afirmação enquanto torcedor de uma equipe européia, está a profunda ojeriza tanto ao futebol nacional quanto à relação das pessoas com seus times, bem como uma profunda "idealização" da marca para qual dispensa seu fanatismo no exterior, geralmente calcada em discursos prontos como idéias pré-concebidas de que são mais "organizadas", "melhores" ou "honestas" em contraposição ao que aqui temos, que é sinônimo de "desorganização", "bagunça", "corrupção" e "pior".

É daí que concluo que uma base importante dessa associação é o "complexo de vira-lata". O discurso "do que é de fora sempre melhor do que o que existe aqui dentro" é uma constante no discurso do "fanboy" futebolístico brasileiro. Outra característica atinente a esse "novo tipo" de torcedor é a necessidade de se sentir "exclusivo". Não é um fenômeno característico do "fanboy" no mundo todo. Isso se deve claramente ao sentimento individualista e de tentativa de distinção social próprio às nossas classes médias, que apesar de em grande parte formada por trabalhadores assalariados, sempre tiveram uma condição de vida bastante melhor que a ampla maioria dos trabalhadores dado o fato histórico da enorme desigualdade social no país.

É por isso que é um equívoco afirmar que o "fanboy" é o mesmo que o "torcedor modinha", alcunha utilizada para difamar torcedores de ocasião que torcem por equipes que estão, como o próprio nome diz, na moda. Ainda que a relação e o modus operandi de ambos possam ser parecidos em alguns momentos, há importantes distinções entre essas modalidades de torcida.

Já as principais distinções entre o "fanboy" e o torcedor convencional na relação com o clube que se identificam são facilmente perceptíveis. Enquanto o torcedor comum vê no seu clube um ente a quem destina amor, mas que não está alheio a erros, equívocos e problemas; o "fanboy" vê no seu time uma reafirmação de si enquanto indivíduo, tendendo a deificá-lo, alocando-o em um panteão, sendo as críticas, o posicionamento contrário, uma violação gravíssima, uma blasfêmia.

Para finalizar, é preciso pontuar que muitas empresas perceberam que esse tipo não é muito benéfico para suas marcas, já que por serem belicosos acabam por criar um certo grau de antipatia. E essa antipatia pode ser transferida à empresa. Mas como o futebol é um esporte e a relação de paixão é sempre muito presente, será um tanto que difícil para os clubes moderarem o aparecimento desse fenômeno moderno, que é em verdade a consequência de o futebol ter virado um grande negócio, e os clubes, pelo menos os mais ricos deles, empresas transnacionais.

O número de "fanboys" -- ou "fangirls", pelo menos aqui no Brasil, só cresce ao passo que o torcedor comum, ligados às entidades esportivas nacionais em sua maioria, parece diminuir -- ou pelo menos não demonstrar o mesmo interesse. Até porque os times daqui se transformaram em meros exportadores de "pé-de-obra" para essas grandes marcas européias. Mas isso é assunto pra outro texto. O que importa asseverar aqui é que a relação das pessoas com o futebol está a mudar. E para muitos, está mudando para pior.

21/08/2015

Golpe branco: o capital ganha com a crise e os trabalhadores pagam a conta

(Nota Política do PCB)

Aproveitando-se do auge da crise política que estimularam – sangrando o PT – e preocupados com um iminente impasse institucional em meio ao agravamento da versão brasileira da crise mundial do capitalismo, os monopólios patrocinadores das campanhas eleitorais da grande maioria dos governantes e parlamentares impõem um novo pacto burguês ao país.

Em troca de uma garantia formal e conjuntural de governabilidade, o PT – já no fundo do poço de sua trajetória de conciliação com o capital e traição à classe trabalhadora – terá que aceitar uma maior terceirização do governo, reprimir a rebeldia popular e resgatar uma cara hipoteca: a chamada “Agenda Brasil”. Isto significa que haverá mais exploração dos trabalhadores, privatização do patrimônio público residual, destruição do meio ambiente e sucateamento dos serviços públicos e do Estado, para alavancar a lucratividade dos monopólios em nome da “responsabilidade fiscal”, eufemismo para garantir o fiel e pontual pagamento aos banqueiros e outros rentistas beneficiários de uma dívida pública sem transparência.

Para assegurar essa governabilidade (que em verdade só será garantida se a economia apresentar sinais de recuperação), resolvendo a crise política institucional para se concentrar na crise econômica, instala-se um parlamentarismo de fato, sob o comando do indefectível PMDB. Os próximos passos, que já se presumem, são tirar das ruas as manifestações contra e a favor de Dilma, livrar de processos judiciais por corrupção os que aderirem à conciliação premiada, desativar a pauta “bomba”, no que se refere às questões fiscais, e isolar e amaciar os parlamentares recalcitrantes que insistirem em botar fogo no circo da democracia burguesa.

O acordo imposto pelos monopólios e costurado com as cúpulas do PT e do PMDB, e que certamente contou com o respaldo de setores do PSDB mais orgânicos ao capital, não significa um respaldo ao mandato de Dilma até 2018, mas uma trégua para apagar o incêndio da atual crise política. A arma do impedimento da Presidente continuará como uma ameaça potencial, para que ela ceda a mais exigências do capital e se torne cada vez mais refém dos caciques do PMDB, que detêm todos os cargos na linha de eventual sucessão de Dilma, por qualquer motivo.

Antevendo a vigorosa reação dos trabalhadores e dos setores populares, tanto ao ajuste fiscal e ao corte de direitos que já vêm sendo praticados por Dilma como à nova agenda neoliberal anunciada como de “união nacional”, o governo da Presidente eleita pelo PT apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei (número 2.016), já aprovado pela Câmara, que, a pretexto de combater o terrorismo, tem como principal objetivo a repressão e a criminalização das lutas populares contra a ordem do capital.

O PCB chama a atenção de militantes de partidos, correntes e movimentos sociais ditos de esquerda que, a partir de agora, será ainda mais insustentável a mobilização popular sob o discurso de “defesa da democracia e contra o golpe”. A burguesia já deu o golpe e ele foi contra os trabalhadores e dentro do que chamam de democracia!

Convidamos todas as forças e expressões anticapitalistas, principalmente as que se opõem ao governo petista numa perspectiva de esquerda, à necessária e urgente organização e mobilização dos trabalhadores e demais setores explorados numa unitária e massiva campanha contra as medidas neoliberalizantes contidas nos ajustes fiscais de Dilma e na “Agenda Brasil” e contra o projeto de lei 2016.

É preciso ainda incluir nesta pauta a luta pela suspensão imediata do pagamento da dívida pública. Em 2014, enquanto a União consumiu 45,11% do seu orçamento para pagar juros e amortizações da dívida, dedicou apenas 3,98% para a saúde e 3,73% para a educação. Para assegurar o pagamento aos rentistas, pontualmente, são cortados investimentos públicos e se adiam pagamentos de direitos trabalhistas, como foi o caso recente do abono salarial e, agora, da primeira parcela do décimo terceiro aos aposentados.

Basta de alimentar ilusões na classe trabalhadora. Não existe qualquer possibilidade de administrar o capitalismo de forma a torná-lo humano e ético, sobretudo em meio à crise sistêmica de sua forma imperialista.

Só a luta dos trabalhadores e demais setores proletários pode garantir seus direitos e acumular forças para acabar com a exploração e construir o Poder Popular, pavimentando o caminho à sociedade socialista.

PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comitê Central (18 de agosto 2015)

18/08/2015

Um desacordo entre manifestantes e os convocantes dos protestos?



Manifestantes percebem a corrupção afetando tanto Governo como oposição, a despeito do discurso seletivo dos grupos que tem chamado as manifestações. Também defendem serviços públicos universais e gratuitos como saúde e educação
  • 'Um protesto contra todo o sistema político?'

No último domingo, 16 de agosto, conduzimos mais uma pesquisa junto aos manifestantes que estavam nas ruas protestando contra o Governo federal e a situação política do país. Concluímos que, pelo menos em São Paulo, os manifestantes percebem a corrupção afetando tanto Governo, como oposição, a despeito do discurso seletivo dos grupos que tem chamado os protestos. Também destoando dos grupos liberais que lideram os protestos e pregam o Estado mínimo, os manifestantes defendem serviços públicos universais e gratuitos como saúde e educação. Esta pesquisa dá sequência a outra, que fizemos na manifestação do dia 12 de abril, que mostrou que a insatisfação e descrença dos manifestantes não estava concentrada na presidente Dilma e no PT, mas se estendia a todo o sistema político, incluindo todos os partidos, ONGs, movimentos sociais e a imprensa [1].

Apesar da descrença no sistema político ser generalizada, os grupos que lideram os protestos estão se empenhando em dar um tratamento seletivo à indignação, enfatizando a corrupção do Governo federal e poupando atores políticos como o presidente da Câmera Eduardo Cunha, que podem ser aliados úteis para um processo de impeachment.

Por isso, medimos a percepção da gravidade de escândalos de corrupção envolvendo governo e oposição e também a percepção de envolvimento de líderes políticos dos dois campos. Como era de se esperar, a quase totalidade dos manifestantes (99%) consideram grave os escândalos do mensalão e da Lava Jato. No entanto, constatamos que os escândalos de corrupção que envolvem o PSDB também são percebidos como graves. 80% dos manifestantes consideram grave o mensalão tucano e 87% consideram grave o escândalo de corrupção no metrô e na CPTM em São Paulo.

Quando investigamos a percepção do envolvimento individual de políticos dos dois campos com corrupção, a percepção é um pouco diferente, embora não tanto como se poderia esperar. 90% dos manifestantes consideram a presidente Dilma corrupta e 77% consideram o prefeito Fernando Haddad corrupto, mas uma parcela expressiva de 42% dos manifestantes considera também o governador Geraldo Alckmin corrupto e 38% consideram corrupto o senador Aécio Neves.

A descrença no sistema político como um todo, que tínhamos capturado na pesquisa da abril, poderia dar lugar a dois tipos de soluções: soluções que buscam ampliar e aprofundar a democracia ou saídas antipolíticas para a crise. A literatura sociológica, por exemplo, costuma apontar a valorização da democracia interna de movimentos e associações cívicas como base para uma reforma profunda do sistema democrático.

Assim, investigamos se os manifestantes estavam mais de acordo com soluções antipolíticas, como entregar o poder para militares, juízes ou atores de fora do jogo político tradicional, ou se, ao contrário, buscavam soluções que buscam aprofundar a democracia, com mais participação, seja institucional (por meio de plebiscitos) ou pela sociedade civil organizada (participação em ONGs e movimentos).
56% concordam totalmente ou em parte que para solucionar a crise é preciso entregar o poder para alguém que esteja fora do jogo político

Os resultados, neste caso, foram mistos. 56% concordam totalmente ou em parte que para solucionar a crise é preciso entregar o poder para alguém que esteja fora do jogo político. 28% concordam totalmente ou em parte que a solução é entregar o poder para os militares e 64% para um juiz honesto. Por outro lado, 77% concordam total ou parcialmente que é preciso ampliar a participação por meio de mecanismos como o plebiscito e 59% por meio do fortalecimento de ONGs e movimentos sociais.

Buscamos também investigar se a indignação que alimentava as manifestações de 2015 tinha ligação com aquela que estava na base das de junho de 2013, a despeito da profunda diferença de orientação política das lideranças e da composição social dos protestos (formado por pessoas mais velhas e mais ricas). Diversas pesquisas de opinião tinham mostrado que as reivindicações de junho de 2013 consistiam numa combinação de rejeição do sistema representativo e demandas por mais e melhores direitos sociais, em particular, saúde, educação e transporte.

Assim, buscamos investigar em que medida os manifestantes concordavam com a universalidade e gratuidade desses serviços públicos que atendem direitos sociais. A questão não era apenas importante porque sugeria conexões profundas e mais ou menos ocultas entre as duas ondas de protesto, mas porque mostrava um grande desacordo entre o que pensam os manifestantes e o que pensam algumas das lideranças dos protestos, que tem uma orientação ultraliberal.

Constatamos índices muito elevados de defesa da universalidade e da gratuidade dos serviços públicos. Entre os manifestantes, 97% concordam total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais e 96% que devem ser gratuitos. Já 98% concordam total ou parcialmente com a universalidade da educação pública e 97% com a sua gratuidade. Até mesmo uma demanda social recente e algo heterodoxa como a gratuidade do transporte coletivo (a “tarifa zero”) encontra 49% de apoio total ou parcial entre os manifestantes.

Por fim, buscamos investigar em que medida e de que maneira os manifestantes incorporavam a tendência de moralização da política conhecida como “guerras culturais” [2]. Essa tendência consiste tanto na proeminência cada vez maior de temas morais na agenda política (como drogas, direitos dos homossexuais, aborto e a pena capital), como no tratamento moral de questões sociais e políticas.

Assim, investigamos a concordância dos manifestantes com frases que expressam algumas dessas abordagens morais na política. Além de verificar a difusão e alcance dos discursos morais, queríamos saber se abordagens punitivas são mais frequentes em temas que envolvem relações entre as classes sociais (como desigualdade, criminalidade e imigração) e se, em temas relativos a direitos individuais (como homofobia, direitos das mulheres e drogas), predominam abordagens mais compreensivas.

Constatamos que em temas que envolvem relações entre as classes sociais, 70% concorda total ou parcialmente que “é justo que quem estudou e se esforçou mais na vida tenha alguns privilégios”; 86% concorda total ou parcialmente que “a melhor maneira de conseguir paz na sociedade é aumentando a punição aos criminosos” e 80% concorda total ou parcialmente que “negros não devem usar a cor da pele para conseguir privilégios como cotas raciais”.

Por outro lado, constatamos também que em termos de liberdades e direitos individuais (talvez porque podem envolver pessoas da mesma classe social), prevalecem posturas mais compreensivas e tolerantes. 79% dos manifestantes discordam que “haveria menos estupros se as mulheres tomassem mais cuidado e não usassem roupas curtas”; 61% discorda que “relacionamentos entre gays não são naturais e gays não deviam expressar afeto em público” e até mesmo 50% concorda total ou parcialmente que “as pessoas devem ter o direito de fumar maconha legalmente desde que não prejudiquem os demais”.

Notas:
[1] Esther Solano; Lucia Nader; Pablo Ortellado. “Um protesto contra todo o sistema político?” El País. 14 de abril de 2015. Disponível aqui.
 [2] Pablo Ortellado “Guerras culturais no Brasil” Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível aqui

Pablo Ortellado
é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP; Esther Solano é professora de Relações Internacionais da UNIFESP; Lucia Nader é cientista política pela Sciences Po-Paris e fellow da Fundação Open Society.

Link: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/opinion/1439933844_328207.html

Manifestação do dia 16 teve perfil conservador, mas com surpresas

Em geral as manifestações contra o governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores têm propiciado imagens lamentáveis, de extrema-direita, e isso em muito tem sido usado para desqualificar tais atos por parte de pessoas simpáticas ao governo e o seu partido. Em parte é verdade que há sim pessoas em tais manifestações que se aproximam -- e muito -- de coisas absurdas como Jair Bolsonaro e discursos proferidos por figuras deploráveis. Na seguinte pesquisa realizada pela USP e pela Unifesp, coordenada por Pablo Ortellado e Esther Solano, Jair Bolsonaro foi citado por quase 10% das pessoas como exemplo de político honesto. Mas na mesma pesquisa Eduardo Suplicy e Luiza Erundina, políticos importantes de esquerda e com trajetória no PT, foram citados por algumas pessoas, o que demonstra que há um público que muito possivelmente já votou na esquerda e que tem alguma consideração por seus nomes. Algo bem típico da classe média, que como disse Golbery Lessa no texto anterior, costuma flutuar entre esquerda, centro e direita. O que fica bem evidente quando a esmagadora maioria é favorável aos serviços públicos como saúde e educação e de forma gratuita (o que destoa muito do defendido por grupos que convocam os atos como o Movimento Brasil Livre, que preconiza redução drástica do tamanho do Estado).

O público é de classe média, eleitor do PSDB e demonstra certo conservadorismo nos valores, mas passa longe de ser homogêneo. E pautas da esquerda social-liberal chegam a ter grande apoio, como no caso dos manifestantes -- em maioria -- que dizem ser contra o financiamento empresarial de campanha.

Vale a pena conferir (clique nos gráficos para ver melhor):











 Pesquisa completa em: https://gpopai.usp.br/pesquisa/

Não rima com mãe gentil

*Por Golbery Lessa

Para refletirmos com mais objetividade sobre a conjuntura e as manifestações de hoje,16 de agosto, em algumas cidades brasileiras, seria importante relembrar alguns pontos básicos da sociologia politica e da história das ideias relativos às atitudes políticas da classe média.

1) Diferente da grande burguesia, um setor cada vez mais minoritário em termos demográficos, os setores médios da população não aderem, necessariamente, ao reacionarismo. Eles oscilam entre esquerda, centro e direita. Isso se comprova, facilmente, no caso brasileiro pelo fato de que, em vários momentos, muitas segmentos da classe média assumiram bandeiras progressistas, como no movimento pelas Diretas Já ou mesmo, surpreendentemente, na história da construção do PT;

2) a classe trabalhadora também oscila entre as três principais posições do espectro político (esquerda, centro e direita). Mas, por suas especificidades econômicas e culturais, é capaz, em algumas conjunturas, de manter-se à esquerda com mais coerência e durante um tempo maior; por ocuparem posições mais decisivas para a reprodução da sociedade e serem mais numerosos, quando os trabalhadores se colocam como vanguarda são capaz de provocar profundas mudanças econômicas e políticas, como as revoluções socialistas;

3) a classe média (definida como os pequenos e médios empresários e os segmentos assalariados melhor remunerados e qualificados) tem uma natureza sociológica híbrida, pois comporta em si características da burguesia o do proletariado. Esse hibridismo é a raiz de sua oscilação política, do seu seguidismo em relação aos projetos das duas classes fundamentais (a burguesia e os assalariados), da sua ilusória autoimagem (de que seria uma classe acima das classes, neutra, objetiva, moralmente superior, sem interesses particulares) e do seu politicismo (ou seja, da ideia de que o espaço da política não seria determinado pela economia, seria o espaço mais importante para a reprodução da sociedade e movido apenas pela moral). Em resumo: por ser híbrida, uma mistura entre proletariado e burguesia, a classe média não pode ter um projeto político próprio que seja coerente, plausível e factível. Essa característica sociológica se expressa em fragilidade política e ideias contraditórias sobre a realidade social e o Estado.

As motivações declaradas do ato deste dia 16, coordenado pelos setores médios, e o do próximo dia 20, organizado por sindicatos e movimentos sociais, demonstram uma separação entre parte da classe média e os setores mais organizados da classe trabalhadora. Ou seja, revelam que a grande burguesia conseguiu dividir as duas outras classes e subordiná-las ao seu projeto, que está representado tanto no PSDB quanto no campo majoritário do PT e no PMDB. Isso explica a falta de consistência das bandeiras dos dois atos e sua marcante aparência de farsa, de peça mal ensaiada, de ausência de crença efetiva nas próprias ideias.

No ato de hoje, dia 16, parte da classe média desejou demonstrar independência ideológica e projeto político próprio. Mas, de fato, demonstrou apenas estar subordinada e manipulada pelos seu principal adversário: o grande capital. Aquele que a tem estrangulado por meio do altos juros, dos inflacionados preços das escolas particulares e das sempre crescentes mensalidades dos planos de saúde, entre outros mimos do gênero. Essa alienação da classe média foi causada por dois motivos: 1) pelo fato de que os governos petistas não contribuíram para proteger esta classe contra os interesses das grandes empresas, levando os setores médios a buscarem representação em outros grupos políticos; 2) pelo fato de o PT ter assumido o programa da direita e convencido os sindicatos e movimentos sociais a trilharem o mesmo caminho; isso neutralizou esses sindicatos e movimentos como vanguardas alternativas à burguesia, deixando a classe média sem uma sinalização clara à esquerda. Ou seja, o PT aliou-se ao grande capital, não regulou de modo justo a relação deste com a classe média e convenceu os trabalhadores organizados de negarem-se como efetiva vanguarda de esquerda. Alimentou, portanto, as raízes do antipetismo e do mergulho de parte da classe média num delirante reacionarismo.

O ato do dia 20 será o outro lado da farsa. Vários sindicatos e movimentos sociais irão à rua dizer que o governo Dilma é o seu governo e que estão dispostos a enfrentar a direita golpista, a suposta única fiel representante da elite brasileira. Ao mesmo tempo irão protestar contra o programa de Dilma, particularmente as medidas relativas ao ajuste fiscal. Vão defender o governo das investidas de uma parte da direita (PSDB e Cunha) e criticarão, ao mesmo tempo, o programa neoliberal assumido pelo PT. Ou seja, a parte organizada da classe trabalhadora que se nega, desde a Carta aos Brasileiros, a ser a vanguarda à esquerda, ficando por esse motivo apartada da classe média, irá defender um governo totalmente subordinado ao grande capital com bandeiras contrárias os interesses da burguesia.

Na presente conjuntura, o grande capital manipula, isola e explora a classe média, os trabalhadores e o governo petista. E ainda conta, numa eventualidade, com o PMDB e o PSDB como alternativas de poder. Pesadas as principais variáveis sociológicas e o retumbante fracasso da estratégia política do PT, a classe média é mais vítima do que algoz no delírio reacionário e perigoso que ostentou hoje nas ruas.

Golbery Lessa é doutor em Ciências Sociais e membro do CC do PCB.

Maceió, 16/08/2015

13/08/2015

Torturra: tentativa de defender políticas do planalto causa vergonha alheia

*Por Bruno Torturra:

Governo apresentou, pediu urgência e ajudou a aprovar um projeto que criminaliza parte de movimentos sociais, desobediência civil e estratégias de protesto como terrorismo.
Alguns pontos.

- O Brasil, felizmente, nunca foi alvo real de organizações terroristas. Mas é vítima, sim, de uma mortalidade civil equivalente a uma guerra sangrenta. A crise de segurança pública, homicídios, crime organizado e execuções praticadas por policiais são questões gravíssimas. Demandam ações políticas profundas. Estamos reformando polícias? Revendo política de drogas? Desarmando a população? Refundando o sistema carcerário? Não. Estamos tipificando terrorismo. E criminalizando gente que luta, inclusive, contra a violência de Estado. Essa que, para milhões de brasileiros pobres e negros, representa verdadeiro terror.

- Temos uma presidente que até hoje é desqualificada por cretinos como terrorista. Tudo porque, em tempos nefastos, ela lutou corajosamente contra a ditadura que definia suas atividades como terrorismo. Daí seu apelido auto conferido: coração valente. Que hoje não tem coragem de olhar seu próprio passado.

- Vivemos não a capitulação, mas a submissão estranhamente não constrangida de um governo - que se construiu sobre um imaginário de esquerda - ao programa da direita mais medíocre e entreguista. Um governo que foi forjado por décadas de rua, confronto a leis injustas, pelo não conformismo. E que apelou para movimentos de natureza semelhante quando precisou de força para se reeleger.

- Eu já andava com vergonha alheia dos movimentos de esquerda que insistiam em racionalizar uma defesa ao planalto. Como se as escolhas do governo, com todos seus defeitos, fossem as únicas possíveis. Depois dessa, que acordem de uma vez. Ou sigam abraçados à Dilma nessa trágica deriva ideológica.

* Bruno Torturra é jornalista e o comentário foi feito em sua página no Facebook.

12/08/2015

Discurso de Lenin. Выступление Владимира Ленина. Rede von Vladimir Lenin



"Fora Dilma" é um grande erro

Muitos grupos de esquerda têm repetido a cantilena da direitona e pedido o "Fora Dilma". Ninguém é tolo o suficiente pra achar que a gestão petista é maravilhosa. Ou acreditar que a retirada de direitos dos trabalhadores, a colocar em seus ombros o peso de uma crise capitalista, seja questão de importância menor. Não é.

No entanto existe um ponto fundamental em qualquer análise. Chama-se... rufem os tambores... conjuntura! Não é possível agir com correção sem compreender bem o teatro no qual atuaremos. E é esse um aspecto para lá de fundamental em um momento tão historicamente determinante.

Estamos em um final de ciclo, que acredito eu não ser só petista, pois a cotação do PSDB também é muito baixa e o seu partido, embora poupado de críticas, não consegue direcionar as manifestações de cunho conservador que apareceram. E são PSDB e PT os dois grupos políticos que centralizaram as disputas em âmbito nacional durante a Nova República, em um presidencialismo de coalização de reformismo conservador em alianças com grupos remanescentes que se consolidaram durante a autocracia-burgo militar.

E nesse ponto eu estou de acordo com o filósofo Vladimir Safatle quando o mesmo aponta para o fim da Nova República, que vai se manter por mais alguns anos, mas sempre com caráter zumbi, com baixa legitimidade popular e manutenção dos vícios políticos.

E entender isso faz-nos perceber que o grito "Fora Dilma" é uma cilada para o qual apenas o movimento da direitona, por sua força agora e o recrudescimento conservador momentâneo, com amplo apoio da mídia, tem possibilidades concretas de impor suas "soluções" -- que serão ainda piores que as adotadas pelo PT.

Daí que eu espero que toda a esquerda, assim como deixou público o PCB, se valha dessa orientação e não encampe gritos "Fora Dilma" e pautas já lançadas pela direita que são apenas ferramentas para enfraquecer mais e mais a situação. Contra as medidas de austeridade sempre, do lado da direita, nunca.



11/08/2015

Ofensiva geral contra salários, direitos e garantias dos trabalhadores

Os trabalhadores brasileiros enfrentam neste momento uma ofensiva geral contra seus salários, direitos e garantias, expressos no ajuste fiscal e no projeto das terceirizações, recentemente aprovados pela Câmara dos Deputados, agora em discussão no Senado. O governo do Partido dos Trabalhadores, diante da crise econômica, resolveu rasgar de vez a máscara e liderar a guerra contra os trabalhadores, cumprindo assim a última etapa de degeneração política e ideológica típica das organizações sociais-democratas em todo o mundo.

O ajuste fiscal tem o objetivo de reduzir gastos em torno de R$ 70 bilhões. Para tanto, o governo colocou todo o ônus do ajuste na conta dos trabalhadores. Reduziu o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial, às pensões das viúvas, dificultou o pagamento dos pescadores no período da desova dos peixes, vetou o reajuste do imposto de renda, aumentou os impostos e os preços da energia elétrica, dos combustíveis, dos telefones, dos transportes, dos produtos importados, além do encarecimento do crédito direto ao consumidor. Essas medidas atingem o conjunto dos trabalhadores, especialmente os mais pobres, pois o aumento do desemprego e a redução do acesso ao seguro-desemprego colocarão no desespero milhões de trabalhadores.

O projeto de terceirização aprovado na Câmara dos Deputados, caso seja confirmado no Senado, significa uma derrota histórica dos trabalhadores e um retrocesso na garantia dos direitos sociais, pois, na prática, extingue grande parte da legislação contida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada há mais de 70 anos no primeiro governo Vargas. Caso seja confirmada, os empresários agora poderão terceirizar os trabalhadores não apenas nas atividades-meio, como já vinha acontecendo, mas também nas atividades-fim, o que representa uma precarização generalizada para o conjunto dos trabalhadores brasileiros.

Tanto o ajuste fiscal quanto as terceirizações são parte de um movimento que o grande capital vem realizando para sair da crise e a prova definitiva de que o governo petista perdeu completamente a compostura e se coloca na linha de frente em defesa do que há de mais parasitário no sistema capitalista. A justificativa de que é necessário realizar o ajuste para retomar o crescimento é uma balela: cada ponto percentual de aumento da SELIC representa um pagamento de juros em torno de R$ 25 bilhões. Ou seja, só o aumento dos juros realizado após o início do segundo governo Dilma representa uma sangria de recursos muito maior do que aquilo que pretendem economizar com o ajuste. É como enxugar gelo no Ártico.

Além disso, essas medidas não resolevrão os problemas da crise. Pelo contrário, vão aprofundar a estagnação econômica, aumentar o desemprego, reduzir os salários dos trabalhadores e a renda das famílias, a exemplo do que já vem ocorrendo em outros países da Europa em que essas medidas foram adotadas. Por isso, os trabalhadores devem reagir de maneira firme a mais essa ofensiva contra seus direitos e garantias, organizando a resistência nos locais de trabalho, até reunir forças para desencadear a greve geral contra os ataques promovidos pelo capital e pelo governo que o representa.

Renan Calheiros apresenta agenda e governo Dilma aceitará segundo Folha

Pablo Ortellado.

Qual a saída para a crise, segundo o presidente do Senado? Uma agenda positiva que congregue esforços entre Legislativo e Executivo "em prol do Brasil".

Vamos lá:

* retomar a regulamentação da terceirização
* "desburocratizar" o licenciamento ambiental e a legislação de proteção de terras indígenas
* suspender a exigência de visto dos EUA, pondo fim à política de reciprocidade
* ampliar a idade da aposentadoria
* cobrar pelo atendimento do SUS de acordo com a faixa de renda

Realmente, uma agenda em prol do país.

PS do autor do blog: segundo a matéria da Folha, que é matéria de capa, hoje, o governo vê as medidas como uma tábua de salvação e deve aceitá-las. Fim melancólico do PT.

10/08/2015

Folha prontifica editorial de impeachment e manda jornalistas ao DF

A Folha de São Paulo está apostando forte no impeachment de Dilma Roussef. Essa é uma informação de Lino Bocchini, editor-geral de mídia online e de redes sociais da Carta Capital.

Segundo o jornalista, que é muitíssimo bem informado sobre assuntos de redações, a Folha montou um editorial especial de impechment e enviou dois jornalistas de São Paulo para cobertura por no mínimo três meses no Distrito Federal.

Aqui as mensagens de confirmação:


:

Cresce assustadoramente ataques de grupos fascistas

A serpente já colocou a cabeça para fora. Os ovos foram chocados por muitos de forma irresponsável. E em muito a grande mídia ajudou para esse difícil contexto, trazendo uma retórica de denúncia absolutamente fora de propósito em relação ao PT, acusando-o de comunista e de ser um governo à margem da lei, contribuindo para a formação do anti-petismo, trazendo e dando espaços acriticamente a jornalistas, articulistas e outros famosos que não cansam de criminalizar toda a esquerda, sendo verdadeiros disseminadores de opiniões que flertam com a extrema-direita.

No entanto o próprio PT ao não propor medidas de politização da sociedade, não avançar na melhoria de serviços públicos, sobretudo a educação e a democratização da mídia também tem sua culpa; a democracia burguesa repleta de vícios, de escândalos, de propor uma representatividade que só representa mesmo os poderosos é outra causa e que gera indignação e ódio aos partidos e à política -- algo que a direita fascista sempre capitaliza.

Uma sociedade historicamente conservadora, que teve a esquerda castigada nos anos da autocracia-burgo militar e que sempre flertou com regimes autocráticos de direita; a Nova República dela nascida calcada no presidencialismo de coalizão que faz parasitárias as reformas; e por fim esse caldeirão todo disposto na internet, um local aparentemente sem leis, em que a boa informação e a crítica com lastro são colocadas lado a lado com puro chorume, imbecilidade e discurso mentecapto também respondem em muito por esse delicado momento. E aí se destacam pessoas como Rachel Sheherazade, Danilo Gentili, Roger, Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé, Rodrigo Constantino e uma série de outras coisas deploráveis de menor alcance, mas que assim como os citados têm sua grande referência em Olavo de Carvalho e seu modus operandi.

Com essa turba e a associação religiosa de fundamentalistas como Malafaias e defensores de autocracias como Bolsonaro à eles, seria questão de tempo os ataques desses grupos fascistas saíram das palavras para ações. E é o que está acontecendo. Acompanhe os últimos fatos:

1 - Ex-ministro Guido Mantega sofre agressão verbal em restaurante e em hospital.


2 - O ex-candidato a governador pelo PT, Alexandre Padilha, é ofendido em restaurante.

3 - Haitiano sofre assédio e agressão verbal em posto de gasolina em Canoas, Rio Grande do Sul.

4 - Instituto Lula é vítima de ataque com uma bomba.

5 - Página do membro do Comitê Central do PCB, Mauro Iasi, é atacada por fascistas com ameaças.

6 - Frei Betto é importunado em lançamento de livro, primeiro no Rio, por um olavete; depois em Minas, por grupo que levava cartazes anti-comunistas e se apresentavam com exemplares do "Livro Negro do Comunismo".

7 - Moça trans* que fez protesto contra transfobia motivada por fundamentalismo religioso em "parada LGBT" é atacada à faca.

8 - Haitianos são baleados em São Paulo.

E esses são alguns dos casos que apareceram no noticiário nos últimos dias. Mas chama a atenção que os ataques, antes verbais, começam a tomar as vias físicas. O fascismo já é entre nós uma força política com alguma coerência programática. E parte dela passa por perseguir e agredir seus opositores.

Tempos difíceis.

PCB não apóia e nem estará presente em manifestações golpistas

O PCB não apóia e nem participará de atos da direita golpista e que tem em seu seio forte conotação anticomunista e está repleto de grupos fascistas. Os comunistas jamais devem estar em fileiras nas quais a direita coordena e participa. Essa é a posição do PCB e deveria ser a posição de qualquer partido comunista. Não batemos panela com fascistóides. Batemos contra eles.

Mensagem do Mauro Iasi, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro:





09/08/2015

CONSTRUIR ALTERNATIVA POPULAR contra a chantagem do impeachment e a conciliação governista



(Nota Política do PCB)

O Brasil vive hoje a continuidade da acirrada disputa observada no segundo turno das eleições presidenciais, entre dois blocos defensores do interesse do capital. Nesta disputa, surge uma proposta de impedimento da Presidente Dilma. O PCB rechaça essa proposta que, apresentada por forças reacionárias, não muda a essência do sistema e não atende aos interesses históricos da classe trabalhadora.

Apesar de o governo do PT, PMDB e seus aliados ter cedido em muitas exigências do grande capital e ter imposto os ajustes para satisfazer ainda mais os banqueiros e rentistas, setores da direita derrotados nas eleições de 2014 e parte da própria base aliada tramam para encurralar o governo e arrancar ainda mais vantagens.

Nunca nos iludimos com o canto de sereia da institucionalidade burguesa e sempre alertamos para o fato de o capital só respeitar a chamada ordem democrática instituída enquanto lhe interessa, estando sempre disposto a lançar mão de qualquer expediente inconstitucional como golpes militares ou se aproveitar das brechas da legalidade burguesa para promover golpes institucionais. Não acreditamos que o núcleo duro do capital esteja insatisfeito com os governos protagonizados pelos petistas. Mas pode ser que resolva acabar a terceirização política que concedeu ao PT, no caso de instabilidade política e econômica, já que este partido não oferece mais a vantagem de administrar bem o capitalismo e, ao mesmo tempo, desmobilizar os trabalhadores.

Esse quadro de debilidade do recente segundo governo Dilma é fruto fundamentalmente do esgotamento do ciclo petista em função de sua opção, em 2003, pela governabilidade parlamentar a qualquer preço, em detrimento da sustentação popular, por parte dos trabalhadores e do movimento de massas com vistas a mudanças estruturais. Como a estabilidade dos governos petistas reside na administração do capitalismo, o agravamento da crise desse sistema constitui o principal fator da atual crise política.

Para esse caldo de cultura, contribuem a vitória apertada da Presidente no segundo turno, a derrota eleitoral nos principais centros operários, com diminuição da bancada do PT e consolidação de uma maioria parlamentar conservadora, a perda de representatividade e combatividade da CUT e de outras entidades chapa branca.

Essa instabilidade do governo alimenta sonhos golpistas no bloco de oposição liderado pelo PSDB. Para o PMDB, favorecido como o fiel da balança de todos os governos eleitos após o pacto de elites que pôs fim à ditadura, esta situação instável oferece a possibilidade de um projeto próprio de poder.

Por outro lado, a mídia destaca em primeiro plano os escândalos da Petrobrás, para tentar privatizar ainda mais a gestão desta hoje semiestatal e desgastar o governo para obter mais concessões para o capital, passando a impressão de que a velha e sistêmica corrupção inerente ao capitalismo foi inventada pelo PT que, em verdade, manteve sem escrúpulos os esquemas que herdou.

Vê-se que o governo do PT está sendo vítima de duas de suas maiores conciliações: com a mídia burguesa e com o atual modelo político. A regulamentação e democratização da mídia e uma reforma política que avançasse em espaços e instâncias de poder popular poderiam ter sido implementadas na correlação de forças de 2003, antes de o medo vencer a esperança. Além disso, o PT manteve o esquema da corrupção inerente ao Estado capitalista, e desarmou ideologicamente os movimentos sociais, com sua política de colaboração de classe.

O caminho escolhido pelo governo liderado pelos petistas foi o de formatar um pacto social com a grande burguesia e acomodar frações políticas de direita numa governabilidade sustentada pela troca de favores, cargos no governo, financiamento de campanhas e emendas ao orçamento. O resultado prático deste pacto foi o abandono das mínimas reformas populares e do atendimento das demandas da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que garantia as condições para a manutenção dos lucros dos grandes monopólios. Optou-se por uma sustentação política desmobilizadora, com base em programas compensatórios focados nas expressões mais agudas da pobreza absoluta.

Agora que parte da direita que vinha garantindo sua governabilidade ameaça abandonar o barco à deriva, ou buscar uma maior autonomia, e que a oposição se move de forma mais direta e ameaçadora, inclusive nas ruas, o governo se vê diante do desafio do equilibrista em cima do muro, precisando, ao mesmo tempo, manter os ajustes e a política de ataque aos trabalhadores e mobilizar os mesmos trabalhadores e setores sociais em sua defesa.

O governo Dilma se debilita não apenas pelos ataques da oposição de direita, mas também pelo oportunismo de setores do PT e do ex-Presidente Lula, que antecipam a campanha eleitoral de 2018, procurando se diferenciar da Presidente, pela esquerda, e mesmo desautorizá-la, no intuito de credenciá-lo como crítico das duras medidas impostas contra os trabalhadores. Apesar desse movimento para Lula parecer à esquerda de Dilma, ele tem defendido publicamente os ajustes e as medidas de austeridade, sob o argumento demagógico de que garantirão empregos.

Na verdade, o PT quer continuar a governar para a burguesia e pedir apoio aos trabalhadores para não ser derrubado por ela. Mas o próprio grande capital está no governo como fica claro pela nomeação de ministros, a exemplo de Joaquim Levy, na Fazenda, Armando Monteiro, no Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, e a representante do Agronegócio, Kátia Abreu, na Agricultura, e, mais do que isto, pela política imposta nos últimos doze anos.

Ainda que acreditemos que o impedimento da Presidente seja uma chantagem dos setores conservadores e do imperialismo para arrancar mais vantagens de um governo enfraquecido, não descartamos a possibilidade de a burguesia utilizar este instrumento, caso os desdobramentos ganhem uma dinâmica negativa. Neste cenário, o governismo tenta se utilizar da defesa da legalidade institucional para mobilizar os setores populares em seu apoio. No entanto, a política econômica neoliberal que aplica é contrária aos interesses dos trabalhadores.

Por isso, o PCB denuncia a chantagem do impeachment, mas não se ilude nem concilia com o oportunismo governista, não se prestando a ser base de manobra da campanha antecipada de Lula à presidência em 2018. Os 8 anos de governo do ex Presidente foram marcados pela sua rendição aos interesses do capital e ao pragmatismo de partidos burgueses que compuseram sua base parlamentar.
Além do mais, esta disputa entre PT e PSDB se dá no campo da administração do capitalismo.

Desta forma, conclamamos os trabalhadores a se organizar e lutar para garantir seus direitos ameaçados pelos ajustes anunciados pelo governo da Presidente Dilma, contra as mudanças nas regras do seguro desemprego, contra os cortes nas áreas sociais, principalmente saúde e educação, contra a política de superávits primários e os benefícios aos empresários e banqueiros, pela reforma agrária e uma política agrícola radicalmente populares, pela profunda transformação nas regras da participação política visando à construção do Poder Popular.

Conclamamos aos movimentos sociais o resgate de sua autonomia política e a construção de sua própria pauta, para a qual propomos:
  1. Reversão imediata dos ataques à classe trabalhadora estabelecendo um conjunto de direitos que a protejam da ofensiva do grande capital, garantindo empregos, redução da jornada de trabalho sem redução de salários, defesa dos salários contra a inflação e de ganhos reais, enfrentamento à terceirização e precarização do trabalho;

  2. Assumir o compromisso pela Reforma Agrária rompendo a submissão ao agronegócio;

  3. Implantação de uma reforma urbana que reverta o modelo atual de modernização das cidades em favor do grande capital, que tem produzido expropriações e remoções em massa, e que seja capaz de enfrentar os graves problemas urbanos de mobilidade, saneamento, acesso à cultura e esportes e outros;

  4. Demarcação imediata das terras indígenas e garantia das condições de vida das populações, em respeito às culturas específicas;

  5. Imediata suspensão das chamadas medidas de austeridade que penalizam a classe trabalhadora para salvar a política de transferência de recursos públicos para o capital financeiro;

  6. Defesa do Estado Laico, assumindo a defesa das demandas pela legalização do aborto, pela criminalização da homofobia e pelo respeito à pauta do movimento LGBT;

  7. Reverter as privatizações, sucateamento do Estado e das Políticas Públicas pelo reinado das parcerias público-privadas;

  8. Reverter o ataque à previdência social anulando a reforma da previdência;

  9. Reestatização efetiva da Petrobrás e demais empresas estatais, assim como a anulação das farsas que levaram à privatização das comunicações e de empresas como a Vale e outras, recuperando a capacidade de um efetivo controle das condições de organização da economia na perspectiva popular e dos trabalhadores;

  10. Anulação do Leilão do Campo de Libra e reversão da política de partilha com o capital estrangeiro da exploração do Petróleo no Pré-Sal;

  11. Apuração rigorosa da corrupção nas empresas estatais e punição dos corruptos e corruptores envolvidos, com o confisco dos seus bens;

  12. Uma profunda e radical alteração da forma política, com a adoção de mecanismos de democracia direta, no sentido do Poder Popular;

  13. A regulação e democratização da mídia; pela suspensão das concessões públicas dos meios de comunicação a monopólios privados e imediata execução das dívidas das grandes empresas de comunicação;

  14. Fim da política de criminalização dos movimentos sociais e do direito de manifestação impostas pela vigência da Lei de Segurança Nacional e outros dispositivos legais autoritários;

  15. Reversão da política nacional de segurança sustentada nos aparatos das Policias Militares e no encarceramento que promove um verdadeiro massacre da população jovem e, majoritariamente, negra nas periferias das cidades brasileiras; desmilitarização da segurança pública;

  16. Estabelecimento de uma tributação progressiva sobre grandes fortunas.

  17. Retirada imediata das tropas brasileiras do Haiti; promover a solidariedade internacional classista e anti-imperialista.
O PCB seria o primeiro a se somar à defesa de um governo que apontasse nesta direção. No entanto, o caminho do governismo é outro: quer se servir das massas populares para legitimar um governo que vem operando uma política contra os trabalhadores, comprometido de fato com os banqueiros, o agronegócio, os monopólios industriais e comerciais e com o imperialismo, o que tem ocorrido até agora.

Por todos estes motivos o PCB denuncia as ações das forças reacionárias pelo impedimento da presidente Dilma como golpista e hipócrita, mas não participará de nenhum movimento governista com o objetivo de se legitimar perante os movimentos sociais apenas para melhor negociar a continuidade de seu governo de pacto social com a burguesia.

Estamos num momento significativo da luta de classes em nosso país: enquanto os trabalhadores começam a perder a paciência e se reanimar para a luta, a grande burguesia dá sinais de que não precisa mais da terceirização política que concedeu ao PT, que já não tem o mesmo peso social para desmobilizar as lutas de massa.

Os trabalhadores devem se preparar para qualquer cenário. Mais do que nunca, faz-se urgente a criação de uma Frente pelo Poder Popular que incorpore, na unidade de ação em torno de um programa comum, todas as forças políticas e sociais do campo anticapitalista e anti-imperialista, que construa uma efetiva alternativa de poder contra a burguesia e aqueles que a ela se associam.

Lutar, criar, Poder Popular!

PS: Nota política de 15/03/2014


Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

07/08/2015

Impedimento do governo de Dilma é improvável

Por Wilson Gomes*
Cientista político acha improvável impeachment


SEIS TESES SOBRE POR QUE CONSIDERO IMPROVÁVEL QUE O MANDATO DE DILMA SEJA INTERROMPIDO
(só para os fortes)

Há tanta gente falando ao mesmo tempo que Dilma Rousseff está quase caindo, por impeachment ou renúncia, e dessa vez com tanta angústia e verdade, que comecei a desconfiar de que sou o último tolo da tribo, vez que tudo isso me parece muito pouco provável. Depois que o PT apresentou um programa para dar recibo de que a queda da presidente está na pauta (ao menos na pauta dos “malvados”), a desconfiança de que estou me tornando o último dos céticos cresceu consideravelmente. O programa de ontem fez ainda mais: deu um nome ao mal-estar generalizado na política nacional desses dias, “crise política”, de modo que se o monstro agora tem nome, tem também direito a cidadania. Existe.

Depois, veio um dia de consumo de posts e links de redes sociais, e até de mensagens de respeitáveis colegas, expressando temor, uns, desejo, outros, de que o mandato de Dilma termine.

Bem, meus amigos, é importante deixar claro que os dois argumentos sobre a iminente queda de Dilma Rousseff, antes que previsões políticas consistentes, são instrumentos a ser usados no jogo político. Os argumentos (1) “a renúncia da presidente é o único meio para que o país supere a crise política” e (2) “por menos que isso, Collor sofreu impeachment” estão no mercado de ideias e de sensações públicas como recurso para produzir, reforçar e aguçar o sentimento de que o governo do PT está esgotado, perdeu a condição moral para a sua continuidade, de que o país precisa que a presidente se retire. É claro quem ganha e quem perde quando estes argumentos prosperam, não? Se isso preocupa a todos e concentra um montante tão significativo de atenção pública, então o recurso foi usado com eficiência. Talvez você não saiba, mas se você se preocupa com isso, então o argumento lhe tem justamente onde ele desejou. Você, então, passa a decifrar, em toda parte, indícios de que isso é a mais pura verdade - da sonora de Temer à frase enigmática da Folha de S. Paulo, tudo demonstra que Dilma, como muitos antes dela, poderá não sobreviver ao temível mês de agosto.

Diante disso, compartilho aqui alguns elementos que me fazem, teimosamente, apostar contra a corrente.

1) A analogia com a situação de Collor não se sustenta, por várias razões políticas. Quando a Câmara decidiu aceitar a abertura do processo de impeachment contra ele, em 1992, Collor já era um cachorro morto, defendido apenas, e às cotoveladas, pelo seu pelotão de choque (Claudio Humberto e Renan Calheiros), desprezado por tudo e por todos. Dilma tem um partido com uma bancada consistente, nas duas Casas, que certamente não vai entregar sua cabeça, numa bandeja, nas mãos de Cunha, Aécio e Caiado. Collor era um sem partido. Já o PT, além de ser um partido orgânico, e não uma legenda montada para disputar eleições, não sobrevive se Dilma cair, não pode entregar a cabeça para salvar o corpo. Para o partido, sacrificar Dilma seria imolar-se no altar dos seus inimigos. Não faz sentido.

2) Já está mais que provado que a “base de Cunha” é maior, mais esperta e mais eficaz do que a base do governo, embora Eduardo Cunha se tenha feito deputado pela vontade de apenas 233 mil brasileiros, contra os 54,5 milhões de votos de Dilma Rousseff. Mas já é claro também que a agenda de Cunha tem apenas uma “pars destruens”, um projeto de ataque. Cunha e os cunhistas não distinguem Estado e governo, não lhes incomoda ferir gravemente o Estado desde que o governo também sangre. Quem diz isso não sou eu, é The Economist. Literalmente, acho que é claro para todo mundo que Cunha está atirando nos joelhos do país, na esperança de ver o governo cair. Ora, por esta razão a elite brasileira não pode ser cunhista: Cunha é péssimo para os negócios, Cunha desrespeita e viola instituições, Cunha é bruto. O cunhismo não é uma alternativa que se possa abraçar. Nem menciono Aécio pois, ao contrário do que ele parece acreditar, não há hipótese de que ele seja beneficiário de uma eventual interrupção do mandato de Dilma. A não ser que Temer fosse um parvo e Cunha, um cordeirinho.

3) O mandato de Dilma Rousseff (não ela, o mandato) será defendido energicamente até pelos que não são petistas ou não simpatizam com a atual administração. O fato de os antipetistas estarem gritando mais alto, não quer dizer que os que estão em silêncio gostem deles ou os apoiem em todas suas aspirações. A hipótese do impeachment só poderá ser apresentada, sem provocar convulsão social, se houver provas claras, irrefutáveis, de crime cometido pela mandatária. Claro, Dilma poderia renunciar, mas para ela cometer suicídio político (além de sacrificar o seu próprio partido) seria preciso haver uma unanimidade política, intelectual, moral e de opinião pública a respeito da sua incapacidade de governar que está muito longe de ser obtido. Mais importante que os petistas para defender o mandato de Dilma, neste momento, são os “constitucionalistas”, os que defenderão até o fim as instituições da democracia liberal.

4) Não havendo um consistente consenso social (repito: político, intelectual, moral) sobre o fato de que Dilma Rousseff deve ir embora, retirá-la do poder, mesmo que fosse por um impeachment paraguaio (inteiramente político), seria provocar um inevitável estado de convulsão social. Petistas e constitucionalistas estariam unidos, num grande front moral, para defender a sacralidade do mandato popular, o estado democrático de direito tão arduamente conquistado, as instituições da democracia liberal. Os antipetistas aprenderam no ano passado a ocupar ruas, o sindicalismo, o petismo e os movimentos sociais têm anos de experiência. Estamos prontos para um estado de “guerra civil” no país? Quem é tão estúpido ao ponto de não querer evitar isso? Além disso, o Brasil é um país muito bem vertebrado institucionalmente e não um molusco político qualquer que pode ser movido para cá ou para lá por líderes carismáticos e suas multidões de seguidores. A desinstitucionalização do Estado, para satisfazer apetites e insatisfações políticas, mereceria o repúdio até dos mais conservadores membros do establishment estatal.

5) Mesmo que os antipetistas ocupem as ruas, e que, digamos, alcancem uma escala demográfica como a de 2013, isso não lhes dá o direito de governar. Ao que eu saiba, ainda não trocamos a democracia por uma plethocracia (governo de multidões)? Aliás, historicamente a democracia ateniense foi inventada para que as multidões parassem de derrubar e empossar déspotas e tiranos. Sei que esse argumento magoa muito os populistas de esquerda (e, a partir de agora, os populistas de direita), mas a democracia não é um sistema em que a vontade a ser considerada é a expressa no berro e no muque. Isso é adolescência, democracia é outra coisa.

6) Faltam apenas três anos para a próxima eleição. Só um milagre eleitoral para evitar que outra força política tome, legitimamente, a Presidência da República das mãos do PT. Por que, em sã consciência, alguém que pode ganhar e levar fácil uma eleição em três anos, iria se arriscar agora a criar tanto transtorno às instituições políticas do país só para impedir que uma presidente termine o seu mandato? Quem quer chegar à campanha eleitoral de 2018 como regicida (kingslayer?), golpista, tiranete? E, mais ainda, que quem quer viver o resto da sua existência política sentindo na nuca o bafo dos inimigos sorrateiramente derrotados, perenemente à espreita de uma oportunidade de retribuição do mal?


*Wilson Gomes é doutor em ciência política e docente da UFBA. O texto foi retirado da sua página em seu Facebook pessoal.