30/06/2015

O que a burguesia tem a nos dizer?

As chagas da última grande crise do capitalismo iniciada em 2008 continuam abertas. E para as quais os sinais de melhoras não são muito otimistas. Alguns economistas versam que talvez seja impossível voltar aos índices de crescimento e prosperidade (pelo menos para alguns) obtidos durante o período pré-crise. Alguns outros, como a agência de rating Dagong, ainda aventam que há um enorme risco de uma futura crise e ainda maior que a última que presenciamos, a que foi a terceira grande crise do capitalismo. Para Guan Jianzhong, presidente da supracitada agência, o parco crescimento econômico que se tem alcançado pela via do consumo tem se dado pela expansão do crédito, um modelo que não é sustentável, o que aumentou o endividamento global em mais de 57 bilhões de 2007 pra cá, 1/3 do que se tinha na época. A dívida total em relação ao PIB Global cresceu para alarmantes 289%.

Ou seja: mesmo que o cenário caótico previsto por Jianzhong não venha a acontecer, a economia capitalista, que quando muito bem só beneficia substancialmente alguns poucos, está longe de seus dias mais auspiciosos.

E a questão que se abre diante deste cenário é o que a burguesia -- que em certo momento da história foi uma classe revolucionária -- tem a nos apresentar de novo para a superação desse momento de turbulência. Se verificarmos as duas últimas grandes crises, de 1929 e 2008, a resposta não será nada satisfatória. Mas antes de falarmos delas, é preciso retrocedermos um pouco, ao século XIX, aos anos de 1873 a 1896, quando ocorreu a primeira "Grande Depressão", crise pela qual ficou conhecida aquela que foi gerada por uma nova forma de capitalismo: financeirizado e monopolista.

Em breves palavras, a concorrência que existia até então foi superada pelos monopólios que se estabeleceram a partir desse embate, onde as empresas mais poderosas foram, grosso modo, a engolir as demais, se organizando por meio de trustes, holdings e cartéis, a controlar assim o mercado de preços, praticamente incinerando a concorrência e exercendo controle total sobre determinados setores. Junto a isso, com o avanço tecnológico, houve aumento de desemprego com a substituição da mão de obra pelo uso de maquinaria.

É esse amálgama de fatos que leva à corrida imperialista na Ásia e em África e que vai desembocar na Primeira Grande Guerra em 1914, quando todo o enorme desenvolvimento tecnológico obtido até então será alocado a serviço da indústria da guerra. E o resultado, claro, não poderia ser outro: mais de 9 milhões de mortos e 20 milhões de feridos em pouco mais de 4 anos.

Esse cenário desastroso junto com os bolsões de miséria verificados em grandes cidades industrializadas e pelas quais o capitalismo se desenvolvia foram produtos diretos da sociedade que a burguesia havia forjado. E é a partir dessa constatação que as instituições liberais, engrenagens do Estado burguês, passam a ser questionadas. Inclusive pela própria burguesia, que na década de 20 começa a encampar aquilo que ela vai abraçar 10 anos depois: o nazi-fascismo.

A solução encontrada pela burguesia européia para a crise de 29 é pois abraçar um movimento que surgiu desde setores médios e ganhou enorme força, o nazismo e o fascismo. E não apenas na Itália, Portugal, Alemanha e Espanha (os casos mais conhecidos): vários líderes políticos de outras potências capitalistas expressavam enorme entusiasmo com as experiências fascistas. Pierre Milza, historiador especializado no período do fascismo na Itália, assevera que tanto Winston Churchill quanto Frank Roosevelt eram entusiastas dos regimes totalitários e de algumas de suas figuras, como Mussolini. Churchill foi além e disse que "O fascismo prestou um serviço ao mundo inteiro... Se eu fosse italiano, eu tenho certeza de que estaria inteiramente com vocês".

Os exemplos não cessam e demonstram toda a rede de ações que aproximam líderes políticos burgueses e a própria burguesia, outrora defensores de um projeto liberal, ao nazi-fascismo. IBM, Volkswagen, Hugo Boss, Siemens, Bayer (chamava-se até então IG Farben) e outras que prestaram serviços e se locupletaram com o apoio aos regimes totalitários que grassaram na Europa em face à crise humana (1º Guerra, por exemplo) e econômica (O crash da bolsa em 29).
IG Farbene outras grandes empresas

Fica evidente aqui a importância e a centralidade da luta de classes para o entendimento do funcionamento das sociedades capitalistas: a burguesia em defesa de sua condição de classe proprietária se alia e se apóia em regimes totalitários, aquilo que em muito é uma negação dos ideais iluministas, de onde emanam as teorias de economia política que sustentavam o Estado burguês até o aparecimento do nazi-fascismo. E exemplos semelhantes abundam: desde o XIX, quando burguesia se junta a monarquias para suprimir proletários; até os dias atuais, quando o Estado norte-americano e outros europeus e suas burguesias apoiam formalmente uma autocracia teocrática como é a da Arábia Saudita. Lucro e coerência não são dois termos que costumam frequentar em consonância a mesma oração, pois.

Mas retorno a questão que embasa a discussão proposta por este texto: e à crise atual, que a burguesia nos diz? No campo teórico, pelo menos até agora, nada de novo: medidas de austeridade, um modelo de sufocamento econômico mais próprio ao sadismo que à tentativa de recuperação de fato (sugiro este texto publicado no The Guardian, em inglês) é a bola da vez, tanto na Europa quanto em países de capitalismo periférico, como o Brasil.

E no aspecto prático, do dia a dia, observamos em vários países a fascistização das classes médias (as classes médias são um aspecto importante de estudo para os comunistas e para as quais pouco se tem atentado lastimavelmente.), que calcadas no mais absoluto senso-comum, desde idéias que naturalizam o capitalismo como pretenso rumo natural da História até aqueles que fazem da propriedade um passaporte de diferenciação entre humanos melhores e piores (uma base teórica da propriedade para os liberais no XVIII e XIX), apresentam uma série de idéias conservadoras, reacionárias e anti-proletárias. Essa radicalização em prol da manutenção do status quo não é o fenômeno novo como já vimos. E para a burguesia abraçá-la, já que não tem nada de novo a nos dizer, talvez seja mera questão de tempo.

18/06/2015

Em defesa de Dunga. Ou: esperam de Dunga um milagre




Futebol é uma coisa muito engraçada. E por vezes trágica. O que era bom até ontem se torna ruim depois de 90 minutos. O que era péssimo pode virar eterno depois do mesmo período.

Exemplos abundam. Firminos e Gabirus estão aí para provar.  Mas um é especialmente significativo e simbólico: Dunga.

De exemplo de geração força e fracassada em 90, para campeão do Mundo em 94. E não apenas isso: a ser o principal volante da Copa. E digo mais: sendo o melhor nome do escrete canarinho na histórica final contra a Itália, superando jogadores lendários como Romário, Baggio, Baresi e outros de excepcional nível como Bebeto e Donadoni.

Não foi pouco.

Em 98, já em fim de carreira e a atuar no futebol japonês, fez uma Copa muito digna no campo simbólico, a conseguir ser uma liderança em um time bastante jovem e renovado em relação à Copa anterior. Embora tenha sido um ponto fraco na marcação (foi engolido juntamente com o César Sampaio pelo meio campo francês personificado na genialidade de Zidane), seu desempenho diante das circunstâncias foi considerado satisfatório tanto pela torcida quanto pela imprensa. Encerrou a carreira a livrar o Inter de Porto Alegre da degola em 99.

Em 2006, depois da (des)preparação para a Copa ter dado o que falar, Dunga assumiu o comando com a missão de bancar o general e pôr ordem na casa. Foi corajoso e botou o dedo na ferida: não convocou mais Ronaldo, a indolência e antiprofissionalismo em forma de jogador, e fez jogo duro com outras estrelas que mostravam tomar o mesmo rumo: leia-se Ronaldinho e Adriano.

Com a pobreza tática que se esperava de um principiante, o time tinha enorme dificuldade para propor o jogo contra seleções mais fracas e retrancadas. No entanto, de forma inteligente, jogando no contra-ataque, fez de poderosas seleções -- mesmo em fases ruins -- freguesas contumazes: ganhou de Argentina e Itália de forma acachapante na Copa América e das Confederações. Soube explorar já ali as limitações de uma entressafra de jogadores brasileiros com um estilo que poucos treinadores tiveram coragem de adotar na Seleção, da aposta no contra-ataque.

Embora com um ou outro percalço, Dunga se saiu muito bem. Perdeu as Olimpíadas, mas desenterrou duas caveiras: Ronaldinho, que teve sua convocação exigida por Ricardo Teixeira; e Pato. Sobre este último, Dunga foi um dos primeiros a observar que se tratava de um engodo, um jogador de lampejos. Raros e quase sempre improfícuos lampejos.

Com bastante moral diante dos resultados conquistados, principalmente no segundo semestre de 2009, inclusive a transferir as chacotas sobre desempenho (que não tinham mais motivo de ser) para seu exótico visual patrocinado pela filha, chegou para a Copa com prestígio o suficiente para se agarrar a um grupo modesto, mas bastante comprometido e que lhe entregara ótimos resultados. Peitou a imprensa bairrista - e poderosa - de São Paulo, que clamava por Ganso e Neymar; e a Globo com seu lobby por jogadores consagrados. Fez daquele grupo uma nova versão do que foi 94, a ter Robinho a missão de ser Bebeto, Kaká Romário e Felipe Melo o seu alter-ego.

Robinho foi a seu modo Bebeto, mas Kaká não foi Romário (Kaká ali já dava clara demonstração de queda e sempre foi a meu ver um jogador muito superestimado, o que merece uma postagem futura) e Felipe Melo ficou bastante distante da liderança e da competência tática do Dunga. Lúcio e Júlio César, duas outras lideranças, naufragaram emocionalmente diante da Holanda. Náufrago ainda que teve participação importante do desequilibrado Jorginho, auxiliar que com seu proselitismo religioso -- contam fontes -- conturbou o ambiente e deixou a todos intranquilos com discursos que evocavam inimigos a cada esquina ao melhor estilo Felipão.

A expulsão de Melo ainda serviu como golpe final, muito simóblico, e que deixava claro os erros cometidos pelo comandante-em-chefe.

Embora a campanha não tenha sido de se jogar fora, a contar o jogo contra a Holanda, onde a seleção de Dunga foi muito superior em pelo menos 1/3 da partida, a saída foi rodeada de críticas, deboches e uma constatação óbvia: a seleção que não entregava futebol bonito, mas resultados, na competição mais importante não entregou o que dela se esperava. E era preciso mudar para a Copa em casa. Resgatar o belo futebol tupiniquim era a proposta.

A direção cebeefiana, sempre muito atenta aos rumores, não esperou duas vezes e demitiu Dunga. Para usar como testa de ferro tentou primeiro Muricy Ramalho, nome forte da imprensa; sem sucesso, optou por Mano Menezes, um perfil próximo ao desejado por Ricardo Teixeira, já que o treinador gaúcho então no Corinthians tinha uma postura ponderada, tinha boas articulações internas e era de interesse do magnata da CBF que as coisas com a Globo voltassem a ser como eram até 2006.

Feito isso, Dunga quase que entrou no esquecimento. Mesmo a ter passado pelo Internacional como técnico, não conseguiu uma campanha muito exitosa e logo foi demitido.

Depois da Copa do Mundo no Brasil, porém, que simbolizou para a seleção anfitriã o maior vexame de sua história, o esquecido tetracampeão mundial voltou a ser lembrado com uma certa justiça pela boa campanha realizada quatro anos antes.

Só que como desgraça pouca é bobagem, o reconhecimento retroativo que aquele trabalho merecidamente ganharia tornou-se possibilidade para a CBF jogar para a torcida e chamá-lo uma vez mais pra dirigir a Seleção. Dunga resolveu aceitar a loucura. E depois de quase um ano de trabalho, mais de 10 amistosos, todos com vitórias, eis que a seleção brasileira faz campanha pífia na Copa América e ontem perdeu merecidamente para a Colômbia por 1 a 0.

Em 2007 também fazia campanha ruim e ganhou, pode alertar o leitor. Só que a situação é bastante diferente, argumento. A cobrança também é enorme. E calcada na antipatia, que é de todas a forma de cobrança mais exigente e em geral pouco construtiva.

Um dos exemplos é a cobrança de que deve partir de Dunga uma mudança nos rumos do futebol brasileiro. Mas como? É apenas um técnico, ora. E a seleção brasileira é apenas o topo da pirâmide quando a reformulação deve se começar por baixo, na base. A comparação com a Alemanha é a prova do despreparo e do tom apelativo da imprensa: depois da reformulação que foi iniciada entre 2000-2002, na base, a Alemanha foi jogar sua Copa do Mundo com Jürgen Klinsmann como técnico, que assim como Dunga na primeira passagem, nunca havia treinado equipe alguma. E pior: nem na Alemanha morava. Se mandava para os EUA e ignorava quase que completamente o importante trabalho de observação, a terceirizar tudo para sua equipe técnica, na qual se encontrava Joachim Löw -- que o substituiu e hoje é técnico da Mannschaft -- e que os jornalistas diziam ser quem de fato treinava o time.

Só que nem mesmo o Löw era um nome testado o suficiente pra dirigir a Alemanha. E depois do vice em 2008 na Euro, do terceiro lugar na Copa de 2010 e de cair nas semis da Euro em 2012 (boas campanhas), ficou por um fio. Só não foi demitido por falta de alguém melhor (um nome alemão) para substituí-lo.

Dunga não pode ser culpabilizado pela falta de um futebol bonito, vistoso e que ainda assim se proponha a ser vencedor -- algo historicamente dificílimo e raro. O Brasil não tem base material para isso. Aliás, até mesmo as seleções que teriam mais base para tal, como a Argentina, que é favorita para a Copa América, não vem a jogar um futebol brilhante. A Alemanha tetracampeã mundial teve seus momentos de maior brilhantismo ofensivo na Copa de 2010. Com exceção do 7 a 1 (que ponho mais na conta dos enormes defeitos da seleção brasileira que propriamente na superioridade técnica dos alemães) e do enganoso 4 a 0 contra Portugal (Pepe expulso no começo do jogo, pênalti duvidoso...), o desempenho alemão na Copa não foi nada muito além de bom. Os resultados ruins antes e depois do mundial em amistosos deixam bem claro que essa seleção alemã tem sim problemas e que passa bem longe de ser imbatível.

Só que Dunga, ao aceitar o convite de retorno, colocou novamente sua cabeça na reta de todo um movimento de grande rejeição à CBF, Globo e que tais que mandam no combalido futebol brasileiro e que tem como reflexo mais claro no âmbito do torcedor a antipatia para com a Seleção, vista como símbolo de poder e interesse dessas corporações corruptas, o que de fato é, a elevar à potência as críticas e minimizar os feitos positivos. Nada que faça será bom o suficiente bem como tudo que deixe de fazer será o pior possível.

Mauro Cezar Pereira a dizer na ESPN que a única coisa que espera de Dunga é a carta de demissão para que com outro nome se faça uma revolução após algumas semanas ter defendido ferrenhamente a loucura do seu time do coração em contratar um jogador já decadente por uma fortuna é a prova inconteste de as críticas, hoje, falarem pelo coração e não pela razão. E o racional hoje é entender que com esses jogadores o Brasil e nenhuma outra seleção não tem muito mais a apresentar. É disso para, sem o Neymar, algo muito pior.

O resto é encheção de saco.



16/06/2015

O legado do liberalismo é o Facebook

 Há mais de dois séculos o liberalismo e suas ramificações são a corrente hegemônica no mundo das idéias, todas elas a existirem pra legitimar política e ideologicamente aquilo que lhe serve como esteio: o capitalismo e sua classe dominante, a burguesia.

Do novo mundo, do mundo das luzes, restou a ode ao consumo, a reificação do ser humano em peça de adendo à maquinaria - tanto da produção quanto aquela usada por nós todos para nos comunicarmos, como os celulares - e o direito a expressar a liberdade de compra e a de idéias até o momento que não sejam o suficientemente perigosas para colocar em xeque o status quo (leia aqui sobre o FBI e o movimento pacífico Occupy Wall Street)

A sua promessa de um mundo de homens iguais só pode ser compreendida hoje como uma anedota resumida a papeladas jurídicas -- que são as Constituições nacionais, tão condizentes com a realidade para a maioria como a vida daqueles que a promulgaram -- e uma vulgaridade quando pensada à luz da compreensão da discrepância econômica crescente entre ricos e pobres.

O mundo não está mais culto, a república das letras nunca passou de um enunciado sobre um punhado de estudiosos que não representavam 1% da população, nunca a se tornar uma realidade concreta, uma coisa pública. Pelo contrário: a discussão política, embora mais democrática, remonta a uma consciência de classe, como diria o historiador Maurício Orestes Parisi, anterior a 1848. O neoludismo da tática Black Bloc a causar fascínio em uma esquerda conivente com as instituições burgo-liberais, uma vez que usada como fantoche por elas, chega a constranger.

Não bastasse esse cenário degradante, toda a herança dita como Ocidental, tal qual a razão, o humanismo, a democracia etc., usurpadas criminosamente por conceitos que nada tem de racionais, humanistas ou democráticos, mas apenas apêndices do capitalismo, levados a outras partes do mundo só fizeram suas populações conhecer o caos e a miséria, a trazer como consequência movimentos anti-iluministas, anti-racionais como por exemplo o fundamentalismo religioso -- que começa a grassar por aqui também.

Diante da tragédia e da miséria, não restou aos defensores da ordem capitalista negar a realidade -- e é exatamente o que fazem os pós-modernos. As aviltantes favelas, sem rede de esgoto, água encanada, eletricidade, ruas pavimentadas etc. se transformaram em lugares dignos e bons para se viver, ditas comunidades; o idiota que nada sabe fazer do que repetir comandos virou exemplo de novo homem, multitarefa; a tecnologia que nos escraviza em vez de libertar tornara-se exemplo de progresso; o recrudescimento do discurso de ódio na arenga política vira avanço democrático e pluralidade de vozes. E potencias imperialistas arrasando países e povos é a expansão da democracia-liberal, uma dádiva ao mundo.

Quanta hipocrisia!

E não é a hipocrisia e a negação da realidade uma característica sine qua non do Facebook, essa rede social onde mentira e engodo reverberam? Lugar onde criamos um ideal de nós mesmos nas fotos e perfis, mas calcado não naquilo que nos é ideal, mas naquilo que nos vendem a dizer sê-lo. A verdadeira negação da humanidade e da pluralidade em última análise.

Pois o grande legado do liberalismo é indubitavelmente o Facebook. O mundo das aparências. Aparências que não respondem em nada à realidade. Só a realidade da falsa consciência.

Mauro Iasi: Pedagogia das quedas



PEDAGOGIA DAS QUEDAS

Há aqueles que caem e não se levantam,
passam a fazer parte da terra
deitam-se, minerais, entre pedras e raízes
e dormem o sono dos ausentes.

Mas há aqueles que quando caem
buscam no solo fértil novas energias,
buscam as raízes, reencontram as sementes,
abraçam o planeta e bebem os rios.

Nunca estão sós,
nem mesmo no vazio da noite e da espera,
pois lhe encontram multidões de mãos companheiras
de todos os sonhos aprisionados

de toda a fome não saciada
de toda a terra não repartida
de toda a fúria contida
de todo futuro adiado

Há aqueles que quando caem não se levantam,
mas há aqueles que se levantam ainda mais fortes,
mais fortes que as derrotas,
mais fortes que as vitórias vazias,

mais fortes do que toda a força
que a aurora em vão adia

*Mauro Iasi é educador popular, cientista político, pesquisador, político e professor universitário brasileiro, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro.

Nota do autor: Aos professores de São Paulo e sua grande greve... Um abraço e coragem.

10/06/2015

PC Siqueira fala sobre fundamentalistas evangélicos




Carne morta-viva.

Crônica de Ellen Valadares*

Bêbado. Moribundo. Saiu de dentre os paralelepípedos. Pés rastejantes indispostos, virou a esquina cambaleando. O primeiro tapa do dia foi do vento. Ardido, seco, frio. Sol subindo sem esquentar.   Expirando fumaça sem tragar. É o frio. Arrepiando de dentro da farinha do osso até o couro da sua carne. Carne morta-viva.

Carne que bem podia ser só viva. Ou só morta. Lamuriava desatinado. Conformante. O mundo já está funcionando. Indiferente, barulhento. Gente pra-lá-pra-cá. Seguiu seu rastejo trépido. Ramando surdamente como cerca viva no muro. Cerca morta. Mudo, devagueando por entre lápides de rua. Entoando estalos com seus dedos magricelos, corudos, muxibentos, sem dar conta. Costume. Quando o que amortece evapora e só sobra homem são no lombo, é que vem o tombo. Tombar nessas horas é aliviante. A calçada estava quentinha, dez horas! Ah! Ficou esquentando a carne morta-viva no macio do concreto. Humm... Poeira preta de asfalto. Areia de calçada quebrada penetrando os poros. Aroma puro de esgoto estourado subindo bem ali em frente. Péssimo lugar pra tombar hoje. Olhos de homens suinamente corpulentos atravessam o quarto estendido na calçada. Não apetece. Nem desapetece. É como deve ser. Natural do mundo. Ora! Lipídeos lumiosos balançantes, panças apertando o volante, e ossos esfarinhando na calçada. Assim, como lua e sol. Composição. Que diga? Quem estabeleceu esse critério? Fosse por mero acaso, descabido, porém não se trata de seleção natural. Foi aceito. Acatado. Inviolável. Porque os ossos são o lastro do corpo. O lastro do moço é o lastro desse mundo. Não é necessário, sei bem.

Meio dia. Sóbrio. Aquecido. Levantou. Certas temperaturas fazem o sangue correr bem. Conexões estabelecidas. Engrena o sistema. Mas há um buraco fundo que aperreia pra além do corpo. O que se faz pra além do estômago. Tripas vazias. Homem vazio. Vivo-morto-vivo. Viva! Dê jeito, que viva! Segue lá pra onde mantém esse lócume indeciso vaguente de mortidão ou vivência. Sim, pensou por vezes não completar o ciclo que o mantinha nessa condição, mas o oco do pipoco da tripa vazia virando do avesso, berra é por fora. Soca, esteia no inferno, urra estridente, ensurdece, cega, estremece e faz andar, e faz desistir da especulação. Segue o trapo da tripa, a farofa do osso, a carne morta-viva pra fila. Nascente de saliva jorrando. Afogando a língua. Inundando em goladas as amígdalas. Babeja. Macarrão com corante. Feijão bem temperado. Fios de espaguete se embolando entre os dentes, preenchendo gengivas, engrossando a saliva rala. Escorrendo até o estômago, dissolvendo subitamente com ligeireza os primeiros triturados. Se apruma. Carne viva! Viva! Agora vai viver, alucinado! Vai viver alucinando.

E assim o fez. Tentou a seco. Foi caminhando, assobiando um bolero, fingindo com esmero que seguia pra casa, sorrindo, olhando pro céu, o mesmo céu que é seu inferno em noites friorentas, chuvosas e penedas. Pés descalços e bem dispostos, caminhando com aprumo, admirando a paisagem. Parou no parque, cheio de gente pra-lá-pra-cá bastava ir aproximando sua cena que qualquer gente fazia rapidamente pra-lá-pra-lá. Continuou fingindo, assobiando, aprumando, mas fedia. Fedia... E então, como tantas outras vezes, sua carne alucinada viva jazia. Jazia... E volta a caminhar moribundo, morto-vivo. Lembrou do pai que não teve. Do barraco tombando pela encosta. De sua mãe morta na sala. De Madalena vizinha preocupada. Lembrou da carreira quando menino, fugindo de apanhar no desabrigo. Ganhando na pedância ou no natal. Lembrou da juventude abafada no forno fazendo carvão, dessa parte com orgulho. Fazia fornos. De adobe. Caprichosos demais. Bem arrematados nos detalhes, os furos milimetricamente calculados compondo uma estética harmoniosa. De nada valia para o carvoeiro dono, mas fazia com gosto. Transformar o barro era do que gostava. Foram duas décadas trocadas por bóia e cama, respirando bafo quente de carvão. Quando tira tudo, dias e dias depois é quente. Não se respira lá dentro. Cortava pau no cerrado, tomava pinga de noite, transava com Mariazinha e ansiava o dia de fazer um forno novo. Lembrando distraído se pegou a ter raiva. De que vale?

É hora de apertar pra realidade, fazer pedido na praça. Café, baralho, prata, cigarro ou cachaça. Dezesseis horas, sol frio, nem um dedo de prosa. Ninguém fala com os mortos. Ainda se fosse uma legítima alma penada, quem sabe? Mas carne morta ambulante, fedorenta? Não. Seus olhos denunciavam queixa: Secos, tristes, remelentos, esfarinhados, sôfregos, ressequidos, vazios, cheios de falta. Anoitecendo, espinha fria. Prata na mão, cachaça no copo. Alucina. Mais uma. Hora do baile no viaduto. O seleto clube já está aceso, em baixo buzina, faróis, tédio, trânsito sem transitar. Em cima nocturno, luzes de discoteca, coisa fina. Viaduto livre. Devagueando depressa de um lado para outro, agora sim: morto-morto. Recitando palavras sentidas, palavras sem sentido pra quem está vivo. – Pobre Louco! Noite corrente. Frio cortante. Cabeça latejante. Carne com pus, agora cheirava! Pés cascudos, bailando cascalhos, lixando o asfalto, fazendo ranhuras na madeira do banco da praça. E dança com outros mortos, se sente vivo como nunca! E agora, ah! E agora tem dó mim, que pensava estar viva. Mas o viver mesmo, se vive é assim, “morto-morto”, só com o corpo.

* Ellen Valadares é escritora.

O Brasil está mais conservador?

Uma das questões que marcaram e continuam em pauta no debate público no Brasil no período antes, durante e depois do pleito presidencial é o recrudescimento político de agendas conservadoras. Há quem entenda isso como o retrato de um país mais conservador, reacionário. E nisso há um terrível equívoco, pois ignora tanto a História bem como a crise que se abate sobre a economia e as instituições burguesas.




O Brasil tem uma formatação tanto cultural quanto política bastante conservadora. Calcado no catolicismo, no escravismo institucionalizado durante quatro séculos e em um Estado de gestão autocrática na maior parte do tempo, o brasileiro -- essa figura tão múltipla e diversa -- tem no seu caráter conservador um aspecto de semelhança. Algo que de algum modo representa inclusive uma identificação nacional - expressa por meio da religião, da reafirmação cristã.

No entanto, pelo menos durante o período da Nova República, que vai da redemocratização burgo-liberal de 1985 até os dias atuais, a conformação das instituições políticas bem como o conteúdo da nova Constituição, calcado nas de países de capitalismo central e menos conservadores, consubstanciado com fatores sociais como o flagelo social deixado pela autocracia burgo-militar, que fez a classe média ainda católica abraçar o discurso de justiça social das esquerdas democrático-burguesas, permitiu que medidas progressistas (não confundir com o partido do Maluf) fossem tomadas, a recolocar novamente o Brasil próximo àquilo que se tinha alcançado tanto na Europa como nos EUA.

Este fato bem como o histórico distanciamento do Estado da população, permitiu que o diálogo fosse intermediado por grupos organizados, como centrais sindicais, organizações de estudantes e outros surgidos a partir da luta contra a autocracia burgo-militar, ou seja, agregações que tinham matiz claramente de esquerda. A direita por sua vez encontrava-se um tanto que desmoralizada e sem pauta, uma vez que a experiência da autocracia burgo-militar foi a pior possível e o capitalismo outra vez se tornava hegemônico com a crise e posteriormente queda da União Soviética. Isto fez com que inclusive partidos claramente de direita, como o PFL, negassem a alcunha de direitistas.

Foi nesse contexto que a luta político-partidária e institucional se deu. Contudo é bastante equivocado acreditar que as conquistas, a maior parte em forma simbólica, isto é, de leis e não concretamente no quotidiano, tenha modificado o caráter conservador do brasileiro. Ainda que tenha havido alguma mudança na percepção em relação ao racismo, à homossexualidade, transexualidade e outras formas de ser-estar no mundo, essas questões sempre esbarraram em uma visão anti-radical da população, isto é, que nega a raiz do problema ou mesmo ações para atenuá-las. O caso das cotas raciais é um exemplo clássico: quase ninguém nega o racismo, mas ninguém se identifica como racista e boa parte renega quem tenta combatê-lo de modo propositivo, isto é, que ousa tentar mexer nas engrenagens sociais. Mesmo que minimamente, o caso das cotas.

Do Orkut ao Facebook

A sub-representação da esmagadora maioria no Estado e na forma de se relacionar com ele (aqui um ótimo texto do Léo Sakamoto sobre a composição do Congresso atual) vem a ser reduzida, mesmo que paulatinamente, com o processo de inclusão proporcionado pelos governos petistas na sociedade do consumo. Essa sociedade consumista é a síntese do modo de vida de classe média. E o projeto político do lulismo sempre foi pensado nessa perspectiva. E foi alcançado em parte com a política de expansão do consumo (facilitação do crédito etc.) sem muita preocupação com as melhorias de serviços públicos essenciais (Ver André Singer Os Sentidos do Lulismo), o que não ajudou a melhorar o debate embora ampliasse o número de vozes.

Esta política proporcionou um ascenso social e a composição de uma nova classe média, que se não vive materialmente em condições próximas à tradicional, tem um modo de pensar e de aspirações bastante semelhantes. E é nesse caldo que ressurge a direita organizada e capaz de levar milhões às ruas como não o fazia desde o período pré-golpe de 64.

E a articulação política desses movimentos deu-se quase que majoritariamente na internet, com ideólogos que acumulam várias divergências, mas uma similaridade: o anti-esquerdismo e, em sua fase pontual, o anti-petismo (aqui um bom retrato desse processo pelo Rogério Castro ainda que com uma linguagem meio governista).

E a internet entra como um aspecto fundamental nesse processo por sua horizontalidade e algo que eu chamaria de "cultura do anonimato'', o que permite que as mais terríveis absurdidades sejam proferidas sem que se responsabilize os autores. E sendo o conservadorismo e sobretudo o reacionarismo anti-humanista, ignorante (porque não compreende nem mesmo a dinâmica capitalista, de mudança das relações humanas) e conflitante com o Estado de direito, a internet passou a ser não apenas terrenos fértil, como a melhor forma de chegar nos grupos mais carentes de formação educacional e neles disseminar uma ideologia que conforma muito bem o senso-comum reinante no Brasil.

E são exatamente nos setores médios, entre analfabetos políticos e oportunistas, que essas idéias vão ganhar peso concreto e se tornarão ações políticas.

Classe média mais conservadora?
Quando se fala em Brasil mais conservador, acredito que há um erro no sujeito da análise do estudo. Como explicitei no intróito deste pequeno texto (ou textículo, como diria um amigo), a formação no Brasil é conservadora. Mas existiam algumas nuances que embaraçavam o processo: uma delas, o tipo de cristianismo que existia entre nós, católico, preocupado com a desigualdade social, a pobreza e essas mazelas comuns a todas as sociedades capitalistas. Aqui lembremos que embora a ICAR tenha se inserido na sociedade do capital, o seu corpo dogmático ainda remonta às instituições medievais, donde a mercantilização da vida é vista como um ataque aos desígnios divinos. Em A Bolsa e a Vida de Jascques Le Goff fica bastante claro a condenação veemente dos clérigos em relação a uma das bases capitalistas que é o empréstimo a juros, a usura, e a própria organização mercantil.

A predominância católica no Brasil e na classe média, onde o discurso politizado da Igreja era mais proeminente, permitiu que nos anos 70, 80 e até meados da década de 90 houvesse uma aceitação por parte desse setor de pautas de inclusão.

Esse fato foi a se modificar claramente com o PT no poder. Com o partido que até ali simbolizava a luta pela justiça social no poder, com o enfraquecimento do discurso da igreja, as debilidades do pacto conservador petista, isentando da burguesia os impostos que seriam cobrados dos mais pobres e da classe média, fez gerar de pronto uma insatisfação que foi conduzida sobretudo depois do escândalo do mensalão pela imprensa burguesa (que até ali, pelos bons índices da economia e pelo receituário do Palocci, havia levantado a bandeira branca);

Essa insatisfação também é de caráter simbólico: com a classe média a crescer em taxas menores que a burguesia e a classe trabalhadora, embora a melhorar de vida, ela passa a se ver mais próxima dos setores outrora muito marginalizados do que daqueles que um dia ela vislumbrava ser. A democratização dos espaços de consumo, espaço onde a classe média se reafirmava enquanto ser social e identitário - já que não produz e nem faz parte da burguesia --, passa a gerar estranhamento típico de sociedades quase estamentais que passam a viver algum processo de mobilidade social.

A esse processo de distanciamento dos setores médios da burguesia e de maior acesso ao consumo, algo próprio ao estágio do capitalismo atual, culpou-se o PT e sua política, entendida equivocadamente como algo socialista quando, em verdade, é totalmente alinhada com o capitalismo, a burguesia transnacional e suas políticas econômicas ortodoxas.

No entanto, para se transformar em mobilização política, seria preciso atingir uma massa mais volumosa, que é a nova classe média, que mais religiosa e em grande parcela alinhada com religiões evangélicas neopentecostais, muito conservadoras e assentadas na moral capitalista, não tinham no bolso o principal motivo pra reclamação. E é baseada na pauta de costumes moralistas como também no discurso do medo com a crescente violência -- outro sintoma endêmico de sociedades capitalistas consumistas e muito desiguais -- que esses grupos são arregimentados para o discurso político conservador.

Crise capitalista e de suas instituições

Para a combustão só necessitava de um último ingrediente: uma crise econômica. Esse fato que já começava a ser observável com as baixas taxas de crescimento em 2013, 2014 fez com que esses grupos tenham em massa votado contra o Partido dos Trabalhadores no pleito presidencial, aumentando substancialmente uma bancada crítica à direita - ainda que por vez da base governista -- da gestão de Dilma Rousseff.

As marchas de Abril e Maio em São Paulo e algumas outras capitais, nesse processo, acabam que por ser apenas um ato contínuo do que se verificou ano passado e que os novos capítulos estarão subordinados às vicissitudes da economia, mas que a oposição tucana tenderá arrastar até 2018 e, logrando a presidência, acredito eu que porá fim a essa união perversa desse blocão conservador que hoje se une pelo anti-petismo.

Mas os estragos até lá, sobretudo em relação às minorias e direitos trabalhistas, não serão dos menores.

(PS: em relação às ações sistematizadas da direita, há um thatcherismo que é disseminado por grupos como o Instituto Millenium e o PSDB e seus aliados canalizam em suas políticas, no entanto ainda não é algo com adesão massiva. A rejeição à PEC 4330 parece ser um bom indicativo disso tal qual a reação negativa ao modo truculento que a PM do PSDB tratou professores no Paraná).

08/06/2015

Comunistas, uni-vos - e ocupai espaços!

O fortalecimento do movimento comunista é de suma importância, todos que são comunistas o sabem. Nós vivemos um momento especial na conjuntura histórica, de grave crise do capitalismo e das instituições liberais-burguesas que legitimam o modo de produção que vigora a fazer suas vítimas em todos os países. Vítimas essas que são trabalhadores e trabalhadoras que não tem em grande parte sequer o direito a conhecer esse mundo tão fantástico que em maioria compõe esse blogue - que é o universo das idéias por meio da escrita.  Segundo a Unesco, existem 774 milhões de adultos analfabetos no mundo. O que equivale a quase 10% da população planetária. A ser que nos últimos anos, de consolidação do capitalismo globalizado, apenas 1% saiu dessa triste realidade.

O que vale asseverar a partir disso que a luta do movimento comunista deve ir muito além dos campos acadêmicos e mesmo de alguns informais de acesso limitado. Precisamos estar em todos os lugares e esgotar todas as formas de comunicação.

Mas não é factível pensar em abraçar o mundo sem ter ainda estrutura para tal. E a olhar a situação no Brasil, embora em crescimento contínuo, somos pequenos e, pior que isso, marginalizados. O movimento comunista no Brasil está fora do debate acadêmico (geralmente só aparece em artigos de economistas de escolas ortodoxas liberais para nos espinafrar), fora do debate na grande mídia (sim, o PT não é comunista) e tem pouca influência em várias frentes de lutas populares e nos debates que sobre ela são travados, quase todos calcados no pós-modernismo.

E esse fenômeno não é apenas por culpa nossa. Ainda que tenha havido uma enorme morosidade no processo da reconstrução dos grupos revolucionários comunistas no Brasil, esse aspecto é generalizado, é problema em todos os países e se deve em muito ao enorme golpe que foi a derrocada da União Soviética, pois todo um projeto de sociedade que orientava quase todos os comunistas e os partidos marxistas-leninistas foi ao chão e foi usado à exaustão pelas potências capitalistas como pretenso exemplo inconteste de que o comunismo estava morto e que o mundo teria de se conformar às idéias que regem o capitalismo.

De certa forma a burguesia não conseguiu se sair totalmente vitoriosa, pois apesar de o Perry Anderson ter recentemente bem demonstrado que a moral burguesa está em voga em praticamente todas as sociedades do mundo e a democracia-liberal ser propagandeada como modelo ideal pelos quatro cantos, há ainda muita resistência, afinal a sociedade de classes produz dialeticamente suas contradições. Grupos anti-capitalistas estão por toda parte. Só que a marca e a ferida deixadas no movimento comunista foram muito intensas e a cicatrização, penso eu, não se dará enquanto nossas idéias não estiverem de novo representadas na boca dos trabalhadores, defendidas por eles, e de forma bastante sólida -- o que exige coesão teórica nas idéias propositivas da construção do socialismo.

E o primeiro passo nesse sentido é colocarmos de novo nossa cara nos debates. Mostrar que os comunistas estão de novo aí e que apenas nós representamos de fato o novo (esqueça a Marina Silva e sua nova política com o Itaú), porque combatemos a velha ordem capitalista -- e os camaradas que estão no PCB, que é o partido que mais cresce entre os de esquerda não alinhados ideologicamente com o PT e de maior solidez teórica, tem plena capacidade de fazê-lo.

E tal coisa já pode começar a se dar na internet com, quem sabe, vídeos no YouTube em um canal específico que traga nossas idéias, propostas e suscite o debate para aprimorar nossa construção do socialismo e do Poder Popular. Um veículo com boa edição, captura, linguagem, enfim, que se apresente de forma para além do razoável.

É premente a necessidade de nos colocarmos nesses campos de debates. Hoje há uma predominância da linguagem liberal, seus signos e tudo o mais mesmo em quem se alinha de algum modo com a democracia burgo-liberal pelo viés da esquerda - vide Eli Vieira, Pirula e Slow, por exemplo, rapazes com alguma influência na rede.

Não dá mais pra ouvir sem direito a réplica gente a dizer que a Guerra Fria foi o embate da "ditadura" comunista contra os EUA democrático, quando o último até pouco tempo prendia pessoas negras por sentarem em lugares destinados para brancos como no caso da Rosa Parks e financiava inúmeras autocracias mundo afora enquanto seu regime político é ainda hoje basicamente dominado por uma única vertente de pensamento que bem reafirma o conceito marxista de ditadura, do latim dicere, que é determinar todas as decisões, e lá é exatamente o que a burguesia faz a despeito das supostos cargos eletivos representativos.

As idéias dominantes de uma época são sempre as das classes dominantes, é verdade, mas elas não podem ser as únicas com direito a apresentação. E hoje é infelizmente o que acontece no Brasil. É preciso sairmos da margem e irmos com tudo para os centros de debate. E não apenas precisamos. Nós podemos. Já temos número para tal. É só questão de arregaçarmos as mangas e fazer. Construir.

03/06/2015

Os rachas dentro do PSDB e o cenário para 2018

Tenho ouvido e lido muita coisa sobre a conjuntura política nacional e há um certo consenso de que a oposição tenta -- e com sucesso -- desgastar o PT (que em muito colabora pra isso, claro) para alcançar a presidência em 2018.

 É verdade. Mas é apenas parte da verdade. E isso porque essa oposição, a do PSDB, tem vários rachas e que esbarram nas perspectivas de poder de cada um desses grupos e seus caciques. Só em São Paulo há duas fortes tendências dentro do partido: a que apóia Alckmin, que é por incrível que pareça mais social-democrata; e a que se encontra com Zé Serra, que tem mais influência porque mais calejada politicamente.

Serra e Alckmin por sua vez se chocam com o tucanato mineiro, que é encabeçado por Aécio, que tem pouca habilidade na política quotidiana dentro das instituições burguesas (alguns dizem que por preguiça e falta de responsabilidade), mas que carrega consigo um traquejo e uma herança personalista típica dos antros político-partidários burgueses no Brasil e que o fez liderar o PSDB em Minas, um importante Estado no país, com um predomínio que nenhum grupo em São Paulo conseguiu. Há quem credite isso ao pulso firme da sua irmã, que é uma figura muito presente nos bastidores.

Esses três caciques, com a bênção enfraquecida de FHC, se digladiam pelo poder. Alguns de forma mais sorrateira, como Serra, outros de maneira mais atabalhoada, como a turma do Aécio.
Aliás, essas duas figuras têm liderado uma disputa dentro do ninho tucano que, para o bem de todos, chegou aos olhos de parte da população com as denúncias de corrupção: com a benevolência de Aécio, Amaury Jr - que era próximo ao grupo - lançou o livro "A Privataria Tucana'' com uma série de denúncias documentadas que pegou em cheio José Serra.

Os efeitos só não foram maiores para Serra porque a imprensa de São Paulo, numa ação política do seu grupo, o blindou -- o que não agradou Aécio. Em 2010 a displicência com que o mineiro tratou a campanha de José Serra, com um apoio meramente institucional, abalou ainda mais a situação dentro do partido.

Mas José Serra não deixaria por menos. Aliás, se há alguém dentro do PSDB que é bom não ter como inimigo, este é o figurão que hoje tem um poder no partido muito maior que o FHC em qualquer momento desde que saiu da presidência. E foi baseado nessa sua força, em toda uma correlação que vai muito além do seu partido, que Serra em 2014 colocou nas manchetes dos seus jornais-amigos várias denúncias contra Aécio Neves. Uma delas, muito explorada pelo PT durante a campanha, a do aeroporto construído em Cláudio na fazenda de um tio.

Eleito senador, Zé Serra agora tomou frente da oposição e tem sido figura central no Congresso a liderar a oposição tucana para uma junção da pesada com Eduardo Cunha, a tomar um protagonismo que em tese seria de Neves. Esta sua manobra já o coloca como desde já um nome forte para 2018.

Só que há o Alckmin. E seu desempenho em São Paulo, eleito em primeiro turno e conseguindo se distanciar dos escândalos de corrupção dos trens e dos metrôs e a crise hídrica, fez seu capital político subir imensamente. Ele é o nome de FHC para 2018, por exemplo.

Contudo o jogo não será tão simples: a turma de Serra não crê na capacidade de organização política de Alckmin e dificultará ao máximo sua subida a candidato presidencial para 2018. José Serra ainda alega que Alckmin, assim como Aécio, é nulo no Norte e no Nordeste, e que isso tornaria quase impossível uma eleição para a presidência. Ainda mais se o candidato do PT for Lula.

E é diante desse cenário que as cartas vão a ser embaralhadas. Aécio viu seu herdeiro Anastasia ser jogado na lista da Lava-Jato e seu capital político se corroer rapidamente. É do grupo mineiro que partiu as defesas mais firmes no sentido de buscar o impeachment de Dilma Rousseff.

Já Sérra e Alckmin estão a cozinhar tudo em banho-maria enquanto o Governo Federal vai a se desgastar com as denúncias na Petrobras e o baixo crescimento da economia. Contudo, em algum momento, um desses nomes terá de tentar tomar a frente para se posicionar como figura maior do PSDB para 2018. E se esse alguém não for Serra, a chance de se ver envolto em escândalos de corrupção será muito, muito grande.

Violência e ideologia

Charge Débora Vaz - Sagaz-wordpress
Por Mauro Luis Iasi.
Assistimos ao espetáculo da violência. A própria frase encerra seu significado mais dramático. Parte das pessoas encara a violência no papel de espectadores e a consomem pelo filtro dos meios de comunicação – seja a televisão, o rádio, as redes sociais. Sujeitos apassivados adornianamente pela indústria cultural, transformados em espectadores que expectoram catarticamente para o vídeo burro seus anseios e frustrações, para vê-los realizados pelo outro inexistente, tornando-os vazios.

A raiva, a violência, a fúria, mas também a paixão romântica, a aventura ou fantasia, projetam desde fora os elementos do ser social, projetado para fora de si mesmo para se reconhecer no outro. Tal mecanismo não é necessariamente de estranhamento, se pensarmos que assim nos constituímos como seres sociais, se reconhecendo no outro. O problema é a natureza e qualidade deste outro.


A mercantilização da arte e da comunicação reconstrói o objeto de projeção de forma a retirar dele toda a contraditoriedade viva. A massificação sob a forma mercadoria é necessariamente padronizadora, repetitiva, metódica e, em uma palavra, burocrática. Inseparável da reificação, como já dizia Marx quando afirmava que esta é a maldição inevitável dos produtores quando assumem a forma de mercadorias. Uma relação entre seres humanos que assume a fantasmagórica forma de uma relação entre coisas.


Aquele que se relaciona com o vídeo ou a pequena tela onde vivem as “redes sociais” é já, antes de tal ato, uma coisa. Reificado pela vivência de relações reificadas, coisificado na compra e venda de sua força de trabalho, na relação com os demais mediados por coisas e pela lei do valor, pelo mercado. No entanto, aquele que se coisifica é ainda um ser humano coisificado e isso é um problema.


A força de trabalho pode ter sido convertida em mercadoria, as necessidades humanas em meios de realização do valor de troca, mas tais dimensões não podem existir fora dos seres que a possuem. Para desespero do capital, os seres humanos e seus problemas comezinhos, são o veículo portador da principal mercadoria da forma capitalista, assim como aqueles que em seu consumo a realizam.


Um ser social e histórico que vive e respira, que precisa comer, vestir-se, habitar, que fica doente e que se apaixona, canta, olha seus filhos com esperanças descabidas, que sente a carne cortada por injustiças, por isso se revolta e por isso luta. Em suas veias não corre apenas a substância abstrata do valor, mas sangue que ferve e, às vezes, explode.


O capital não pode explorar o trabalho sem atingir o conjunto da humanidade e os seres que a compõe. Não pode evitar, portanto, que esta forma superior de exploração não produza seu contrario: a revolta. Por isso, toda forma de exploração é, inevitavelmente, uma forma de dominação.


A dominação não é um ato simples que resulta do mero uso da força, ainda que esta seja um meio indispensável. O velho Maquiavel já alertava há muito tempo que nenhuma ordem se mantém só pela espada e funda a política moderna afirmando que o domínio resulta da exata combinação da coerção e do consenso.


Se por uma lado a força coercitiva é explicita, as formas de violência não o são. É violenta a ação criminosa da Polícia Militar que assassina jovens nas periferias e favelas, mas é violento também o racismo que a enquadra, a opressão sobre migrantes e imigrantes, assim como é ainda mais violenta a manifestação de integração dos oprimidos e explorados como sujeitos de sua própria dominação quando se amoldam a ordem que os massacra.


No entanto, esta integração não é um ato de convencimento. Os explorados e oprimidos não aceitam a ordem porque foram convencidos de sua superioridade societária ou porque portam os melhores valores de nossa melhor sociedade. A ideologia não é um ato meramente cognitivo, não é um mero conjunto de ideias transmitidas e assimiladas por falta de crítica. Isso pensavam os críticos – críticos que Marx e Engels ironizavam impiedosamente em sua obra A ideologia alemã.


Se a ideologia é um mero conjunto de ideias que falsificam o mundo para favorecer a dominação, bastaria oferecer as ideias corretas. Daí resulta que não apenas os apóstolos do novíssimo testamento como Bauer e Stirner, mas boa parte da esquerda contemporânea se empenha em disputar com os meios de comunicação da burguesia com golpes risíveis de suas precárias iniciativas comunicacionais.


A ideologia é um fenômeno mais complexo. São as relações sociais dominantes expressas como ideias, as relações que fazem de uma classe a classe dominante, as ideias de sua dominação. Por esta aproximação não se trata de mudar uma fraseologia do mundo por outra, mas de mudar o mundo, um ato prático, uma revolução. E uma revolução é um ato violento de negação, uma ruptura.


Voltemos, então, à frase inicial: assistimos ao espetáculo da violência. Inseridos nas relações que constituem a ordem do capital que degrada o ser humano a mera coisa, o trabalho em meio de vida, e a vida em meio pelo qual o valor se valoriza, os seres humanos subsumidos à ordem reificada vivem contradições que geram raiva e indignação porque se confrontam com seu ser e o aviltam.


Diante disso poderiam viver esta contradição, rebelar-se. Mas isso é muito perigoso. Aqui entra em cena o mecanismo da catarse. Oferece-se a estes seres angustiados uma caixinha de alternativas mágicas através das quais ele pode perder-se numa ilha deserta, viajar aos confins do espaço (onde nenhum homem já foi), amar perdidamente, mas, também, sofrer, morrer em explosões, matar, trair, derrubar regimes, salvar seu pais em atos heroicos. Em poucas palavras, como no velho teatro grego de onde deriva o termo, realizar no outro e pelo outro aquilo que em seu ser latejava como necessidade, e o que é fundamental, abdicando de fazê-lo. Eis a catarse.


É por isso que, enquanto Gramsci via positivamente a catarse como passagem do momento econômico corporativo ao ético-politico, Brecht declara guerra à catarse em seu teatro. Ambos vêem facetas diversas do fenômeno. O sardo foca a necessidade de superar o egoísmo que isola os membros da classe trabalhadora pela necessária identidade de classe que liga cada um de nós na meta política da transformação revolucionária; enquanto o alemão chama atenção para o mecanismo pelo qual através da arte (e diríamos nós pela comunicação de massas) rouba a revolta de cada um impedindo a ação que resultaria nesta identidade de classe esperada.


Nesta segunda acepção, a catarse é um ato violento de expropriação da revolta, da angustia, da raiva que produz o apassivamento. Para que isso seja possível a pessoa precisa se tornar espectador e a violência espetáculo.


E não se iludam: isso acontece até mesmo em nossos espelhos tão queridos. Nas “redes sociais” em que filtramos os amigos para que nossas ideias pareçam ter eco em muitos outros que pensam o mesmo. Aí vai mais um post para que você se indigne, ou se emocione, ou ria, ou se revolte. E se gostou, curta e compartilhe nesta incrível relação entre seres humanos que se apresenta na forma fantasmagórica de uma relação entre smartphones.


Há um certo tempo ouvi uma propagando no rádio (uma espécie de rede social precária que os antigos frequentavam) na qual se anunciava um site que tinha o significativo título de “faça alguma coisa.com”. O locutor dizia: “se você está indignado, acredita que nem tudo está como devia, clique em nosso site – http://www.facaalgumacoisa.com –, e você já estará fazendo alguma coisa”.


Infelizmente, para a ordem, nem todos estão assistindo o espetáculo da violência. Alguns de nós estão vivendo a violência. São Mães que perderam seus filhos para a Polícia Militar assassina, são trabalhadores que adoecem sugados pela sanha do capital em extrair mais valia, são jovens jogados no chão sentindo a bota do carrasco sobre suas cabeças, são professores tomando porrada da policia, são famílias vendo suas casas derrubadas para dar lugar a horripilantes prédios de aço e vidro ou vias por onde correm carros sem alma.


Às vezes, quando moradores da favela estão sendo atacados, estudantes de uma universidade pública – a UERJ – levantam os olhos de seus celulares e atravessam a rua e compartilham a raiva, a sagrada raiva da revolta. O imbecil do reitor (ou feitor?) afirmou depois de chamar a policia e jogar jatos d’água na moçada que “com a barbárie não há dialogo”. Sou obrigado a concordar com ele, apenas o espantaria o fato que o personagem que lhe cabe nesta trama é o da barbárie.


Comentando a nona tese de Walter Benjamin, na qual o autor se refere ao quadro Ângelus Novus de Paul Klee, Žižek afirma que:

“E se a violência divina fosse a intervenção selvagem desse anjo? Ao ver o amontoado de escombros que cresce em direção ao céu, esses destroços da injustiça, o anjo contra-ataca de vez em quando para restabelecer o equilíbrio, vingando-se do impacto devastador do “progresso”. Não poderia a história da humanidade ser vista como uma normalização crescente da injustiça, trazendo consigo o sofrimento de milhões se seres humanos sem nome e sem rosto? Em que lugar na esfera do “divino”, talvez estas injustiças não tenham sido esquecidas. Acumulam-se, os erros são registrados, a tensão aumenta e torna-se insuportável, até o momento em que a violência divina explode numa cólera de retaliação devastadora.” (Violência, São Paulo: Boitempo, 142)

O discurso ideológico sobre a violência, sua espetacularização, que é outra forma de referir-se à sua mercantilização, cumpre, então, uma função além de sua distorção ou negação. A violência é simultaneamente louvada e negada, mas a função última é negar a possibilidade da violência revolucionária pela vivência catártica da violência vazia de substância. Oferecer uma violência ao consumo passivo, para que não seja possível o ato prático de negação violenta da ordem.


Agora, nesta cidade, homens e mulheres estão caminhando para o matadouro do trabalho subsumido ao capital, casas estão sendo derrubadas, um jovem negro está caído pedido por sua vida quando a bala procura sua cabeça, um corpo ensanguentado pela tortura foi jogado numa cela, um coração se partiu de tristeza, uma palavra sufocou de silêncio seu portador…


Nada de triste existe que não se esqueça
alguém insiste e fala ao coração
tudo de triste existe e não se esquece
alguém insiste e fere no coração
nada de novo existe nesse planeta…


As pessoas estão capturadas pela tela azulada na qual se vive a vida de que elas abriram mão. Pelas ruas, em qualquer canto, nucas tortas carregam os que já foram pessoas e pequenos dispositivos sugam os olhos por onde se esvai a alma até onde se escondem impulsos e fluxos que substituem a relação entre os seres humanos… Quem sabe se levantarmos os olhos?


em volta dessa mesa velhos e moços
lembrando o que já foi
em volta dessa mesa existem outras falando tão igual
em volta dessas mesas existe a rua
vivendo seu normal
em volta dessa rua uma cidade sonhando seus metais
em volta da cidade…*


Um anjo abre suas enormes asas negras sobre o caos, mas ninguém o vê. Anjos não tiram selfies.


*Esse eu não vou dizer de quem é! Quem não souber que musica é esta… procure no Google, ou pergunte para um amigo… se ainda tiver algum de verdade.


Mauro Iasi
é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.


http://blogdaboitempo.com.br/2015/06/03/violencia-e-ideologia/

02/06/2015

Blatter sai. O que fica?

Hoje o presidente da FIFA há 17 anos, Joseph Sepp Blatter, economista de formação, anunciou sua renúncia do cargo máximo da entidade que comanda o futebol internacional. É uma data histórica, que simboliza mudanças, embora as veja que na instituição elas passem mais pelas exigências de lisura por parte da comunidade futebolística e parte da imprensa do que pelos nomes de cartolas, sejam de onde forem, mesmo da UEFA, como Platini. O modus operandi no futebol e nas grandes corporações é infelizmente o mesmo.

Só que a FIFA terá de ser mais transparente daqui em diante. É muito pouco provável que as coisas continuem tal qual estão. E transparência é algo que o futebol, esse esporte de grande ligação com a classe trabalhadora e que tem sido aburguesado (com a gentrificação dos estádios e do direito de torcer), muito precisa.

A era da FIFA e das confederações de futebol como instituições acima do bem e do mal porque privadas acabou. E que bom. Mas sem ilusão: a corrupção é intrínseca a sociedades calcadas na propriedade privada. Enquanto houver capitalismo e seus resquícios, haverá gente dando golpes. Seja na FIFA, na CBF, na Petrobras, na companhia de trens de São Paulo ou de Nova York. Ou no sistema financeiro.