27/03/2017

Sobre o mundo hodierno e as vozes falantes

Eu acredito que os escritores conservadores acertam quando dizem que hoje as pessoas estão um pouco sensíveis ou mimadas demais. Veja o caso da educação: se você exigir que um aluno sente numa cadeira, escute e faça sua obrigação, que é estudar, já que ele não faz mais nada além disso, você se torna quase que instantaneamente um autoritário, propugnador do terrível ensino tradicional e um docente que não respeita as fases de desenvolvimento do pobre adolescente, coitado, que não pode se submeter à... disciplina! A moda é "aprender brincando, se divertindo", como se o mundo fosse sempre sobre diversão. Fico eu a pensar em São Jerônimo a transcrever mais de duas mil páginas em aramaico e hebraico, dia após dia, noite após noite, sem dormir, por puro prazer. É gozo em estado puro!

Mas até aí tudo bem. O problema é quando vemos teóricos e pessoas com sofisticação intelectual e maturidade suficiente pra entender o mundo bradando com indignação que, vejam só, Putin é autoritário! Todos aqui sabem que eu não tenho simpatia pelo Putin e nem por autoritarismo. Mas, meus gostos à parte, vamos à realidade e o que ela nos diz, mezzo Machiavelli: governos se legitimam também pela força. E na luta pelo poder, não há muito espaço para amor e flores. O fato é que a cada nova manifestação apoiada pelo Ocidente na Rússia, Putin desce o sarrafo, acusa-os de ser projeto imperialista (esteja correto ou não) e 90% do país o apóia vigorosamente.

É o método mais humanista? É o método mais bonitinho? Claro que não, mas aqui não cabem juízos de valores, mas de resultados -- que é o que vale no mundo do poder, queridos: e funciona. Como funcionou o FBI mapear e coagir líderes do Occupy Wall Street.
Dilma em 2015 foi várias vezes à televisão defender o direito à manifestação, o direito de liberdade de imprensa e tudo o mais -- valores que eu acho muito atraentes, de verdade, e até os defendo como ideal. Mas a prática, o mundo real, mostrou que, apesar disso, ela foi derrubada.

É a vida. Não tão bonita como queremos que seja. E pra mudá-la, é preciso encarar como ela é. E não como gostaríamos que fosse.

SOBRE O AMOR E OS SEUS OBSTÁCULOS. Ou finalmente um post sobre sentimentos

Por Wilson Gomes, doutor em ciência política e especialista em política na mídia e redes sociais.

A esquerda ama "o povo". E sempre e tanto que mesmo em face do maior desencanto simplesmente não pode admitir que o seu amado tenha feito o que comprovadamente fez. Assim, consola-se imaginando que se o fez foi porque forçado (pela mídia, pela elite, pelo flautista de Hamelin), vez que o povo é bom mas o Mal que o ronda, metafísico e abundante, frequentemente o seduz.

Há provas mais do que suficientes de que o povo não ama a esquerda, preferindo outros corpos e outros chamegos, mas a moça não consegue abrir mão das delícias que é sentir-se amada por amante tão desejado, e busca refúgio no autoengano. Afinal, é melhor ser feliz que ser filósofo, como dizem que disse Sócrates.

Chega a haver momentos em que a confiança nos próprios predicados atinge cumes improváveis e a esquerda tem certeza de que ao menor dos seus acenos, ou à menor das suas lúbricas promessas, o povo, fascinado, dobrar-se-á ao seu querer. É quando uns coletivos do Facebook convoca uma greve geral de metade da humanidade e a esquerda de classe suspira a sua certeza de que "os trabalhadores" todos irão se sublevar contra as PECs e os PLs do Fim do Mundo.

Ninguém há de comparecer ao encontro marcado, pois se a esquerda ama o povo ou povo não a ama de volta, ou, ao menos, não a ama "tanto assim". Mas quem se importa? Alguém deve ser culpado por tanto amor não retribuído. Demais disso, é sabido que um amante de verdade negocia mal com a realidade pois o amor é torvelinho, é fogo que arde sem se ver, é... oops acho que entrei numa poesia e saí em outra. Estão vendo o que o amor faz com a gente?

Eu falava de quê mesmo? Ah, sim, a esquerda acha que o povo só não a ama agora, neste momento, mas que um dia, quando descobrir que só ela o ama de verdade, virá todo molinho, olhos doces, se aconchegar no seu colinho. Ah, se não fosse a mídia, esta ordinária, e a política, aquela cachorra, a esquerda teria o povo todinho para si. Já imaginou? Chega dispara o coração.

26/03/2017

Vem pra Rua e MBL acabaram - Por Mara Telles

Ato de hoje teve menor participação
Mara Telles é cientista política e desde 2015 mapeia via grupo de pesquisa manifestações de direita.

O Vem pra Rua e o MBL acabaram. Não precisa ser cientista político para descobrir o óbvio: o Príncipe virou sapo e vai continuar sendo abóbora, ainda se a News viesse a apoiar. A história do homem "Moderado" que quer salvar o país da corrupção - ícone que era a linha dos editoriais na imprensa amiga -, caiu por terra. As coberturas da televisão só funcionam quando existe um mínimo de veracidade na narrativa.

No caso de Dilma, conseguiram colar nela a pecha de corrupta porque efetivamente ela estava cercada de corruptos nos partidos de diversos naipes ideológicos que tinham postos em seu governo, embora fosse ela mesma uma pessoa íntegra. Mas, continuar com o enquadramento de que Temer e seus amigos são íntegros e de que seu governo tem as melhores intenções, não funciona mais. Nem mesmo a estrela do juiz Sérgio Moro brilha como outrora. Ele mesmo cria as arapucas ilegais, ele mesmo se vê preso nelas.

A derrota do eterno Interino na opinião pública é acachapante e se expandiu depois da gradual destruição dos direitos, sobretudo os direitos sociais. Desde a doméstica ao servidor público, passando pelos micro-empresários, é visível a insatisfação, sejam por razões econômicas ou políticas. Os níveis de desemprego aumentam, a situação é de precarização do trabalho, os grupos no governo são acusados cotidianamente de práticas ilegais, o Judiciário politizado perde credibilidade e não há nenhuma boa notícia econômica ou ética próxima de se tornar realidade. O Vem Pra Rua pode até dar uma ajudazinha no marketing dos seus amigos, o MBL pode até ter colunista e articulista pra chamar de seu, mas não passaram de uma parte insignificante de nossa história.

Ninguém vai se lembrar daqui a uns anos, quem era Katiguiri ou outro qualquer. Mas, ninguém vai se esquecer de quem foi Dilma e que aquele que a sucedeu e sucateou o país.