27/03/2017

Sobre o mundo hodierno e as vozes falantes

Eu acredito que os escritores conservadores acertam quando dizem que hoje as pessoas estão um pouco sensíveis ou mimadas demais. Veja o caso da educação: se você exigir que um aluno sente numa cadeira, escute e faça sua obrigação, que é estudar, já que ele não faz mais nada além disso, você se torna quase que instantaneamente um autoritário, propugnador do terrível ensino tradicional e um docente que não respeita as fases de desenvolvimento do pobre adolescente, coitado, que não pode se submeter à... disciplina! A moda é "aprender brincando, se divertindo", como se o mundo fosse sempre sobre diversão. Fico eu a pensar em São Jerônimo a transcrever mais de duas mil páginas em aramaico e hebraico, dia após dia, noite após noite, sem dormir, por puro prazer. É gozo em estado puro!

Mas até aí tudo bem. O problema é quando vemos teóricos e pessoas com sofisticação intelectual e maturidade suficiente pra entender o mundo bradando com indignação que, vejam só, Putin é autoritário! Todos aqui sabem que eu não tenho simpatia pelo Putin e nem por autoritarismo. Mas, meus gostos à parte, vamos à realidade e o que ela nos diz, mezzo Machiavelli: governos se legitimam também pela força. E na luta pelo poder, não há muito espaço para amor e flores. O fato é que a cada nova manifestação apoiada pelo Ocidente na Rússia, Putin desce o sarrafo, acusa-os de ser projeto imperialista (esteja correto ou não) e 90% do país o apóia vigorosamente.

É o método mais humanista? É o método mais bonitinho? Claro que não, mas aqui não cabem juízos de valores, mas de resultados -- que é o que vale no mundo do poder, queridos: e funciona. Como funcionou o FBI mapear e coagir líderes do Occupy Wall Street.
Dilma em 2015 foi várias vezes à televisão defender o direito à manifestação, o direito de liberdade de imprensa e tudo o mais -- valores que eu acho muito atraentes, de verdade, e até os defendo como ideal. Mas a prática, o mundo real, mostrou que, apesar disso, ela foi derrubada.

É a vida. Não tão bonita como queremos que seja. E pra mudá-la, é preciso encarar como ela é. E não como gostaríamos que fosse.

SOBRE O AMOR E OS SEUS OBSTÁCULOS. Ou finalmente um post sobre sentimentos

Por Wilson Gomes, doutor em ciência política e especialista em política na mídia e redes sociais.

A esquerda ama "o povo". E sempre e tanto que mesmo em face do maior desencanto simplesmente não pode admitir que o seu amado tenha feito o que comprovadamente fez. Assim, consola-se imaginando que se o fez foi porque forçado (pela mídia, pela elite, pelo flautista de Hamelin), vez que o povo é bom mas o Mal que o ronda, metafísico e abundante, frequentemente o seduz.

Há provas mais do que suficientes de que o povo não ama a esquerda, preferindo outros corpos e outros chamegos, mas a moça não consegue abrir mão das delícias que é sentir-se amada por amante tão desejado, e busca refúgio no autoengano. Afinal, é melhor ser feliz que ser filósofo, como dizem que disse Sócrates.

Chega a haver momentos em que a confiança nos próprios predicados atinge cumes improváveis e a esquerda tem certeza de que ao menor dos seus acenos, ou à menor das suas lúbricas promessas, o povo, fascinado, dobrar-se-á ao seu querer. É quando uns coletivos do Facebook convoca uma greve geral de metade da humanidade e a esquerda de classe suspira a sua certeza de que "os trabalhadores" todos irão se sublevar contra as PECs e os PLs do Fim do Mundo.

Ninguém há de comparecer ao encontro marcado, pois se a esquerda ama o povo ou povo não a ama de volta, ou, ao menos, não a ama "tanto assim". Mas quem se importa? Alguém deve ser culpado por tanto amor não retribuído. Demais disso, é sabido que um amante de verdade negocia mal com a realidade pois o amor é torvelinho, é fogo que arde sem se ver, é... oops acho que entrei numa poesia e saí em outra. Estão vendo o que o amor faz com a gente?

Eu falava de quê mesmo? Ah, sim, a esquerda acha que o povo só não a ama agora, neste momento, mas que um dia, quando descobrir que só ela o ama de verdade, virá todo molinho, olhos doces, se aconchegar no seu colinho. Ah, se não fosse a mídia, esta ordinária, e a política, aquela cachorra, a esquerda teria o povo todinho para si. Já imaginou? Chega dispara o coração.

26/03/2017

Vem pra Rua e MBL acabaram - Por Mara Telles

Ato de hoje teve menor participação
Mara Telles é cientista política e desde 2015 mapeia via grupo de pesquisa manifestações de direita.

O Vem pra Rua e o MBL acabaram. Não precisa ser cientista político para descobrir o óbvio: o Príncipe virou sapo e vai continuar sendo abóbora, ainda se a News viesse a apoiar. A história do homem "Moderado" que quer salvar o país da corrupção - ícone que era a linha dos editoriais na imprensa amiga -, caiu por terra. As coberturas da televisão só funcionam quando existe um mínimo de veracidade na narrativa.

No caso de Dilma, conseguiram colar nela a pecha de corrupta porque efetivamente ela estava cercada de corruptos nos partidos de diversos naipes ideológicos que tinham postos em seu governo, embora fosse ela mesma uma pessoa íntegra. Mas, continuar com o enquadramento de que Temer e seus amigos são íntegros e de que seu governo tem as melhores intenções, não funciona mais. Nem mesmo a estrela do juiz Sérgio Moro brilha como outrora. Ele mesmo cria as arapucas ilegais, ele mesmo se vê preso nelas.

A derrota do eterno Interino na opinião pública é acachapante e se expandiu depois da gradual destruição dos direitos, sobretudo os direitos sociais. Desde a doméstica ao servidor público, passando pelos micro-empresários, é visível a insatisfação, sejam por razões econômicas ou políticas. Os níveis de desemprego aumentam, a situação é de precarização do trabalho, os grupos no governo são acusados cotidianamente de práticas ilegais, o Judiciário politizado perde credibilidade e não há nenhuma boa notícia econômica ou ética próxima de se tornar realidade. O Vem Pra Rua pode até dar uma ajudazinha no marketing dos seus amigos, o MBL pode até ter colunista e articulista pra chamar de seu, mas não passaram de uma parte insignificante de nossa história.

Ninguém vai se lembrar daqui a uns anos, quem era Katiguiri ou outro qualquer. Mas, ninguém vai se esquecer de quem foi Dilma e que aquele que a sucedeu e sucateou o país.

16/01/2017

Sobre questão dos presídios - Por Aline Passos

As revistas Veja, Istoé e Época desta semana dedicaram suas capas aos recentes acontecimentos nas prisões localizadas no norte do país. Existe uma série de questões que podem ser debatidas a partir das matérias, mas por enquanto vou me limitar às que me parecem mais complicadas, seja pelo caráter consensual à esquerda e à direita, seja pela circularidade histórica dos argumentos que faz a positividade da prisão emergir sempre da constatação de seu fracasso.

Em primeiro lugar, aparece a chamada omissão do Estado. Atribui-se a dimensão atual do controle das facções a uma espécie de ausência estatal, precisamente, onde não faz qualquer sentido falar em falta de Estado. Não existe lugar onde o Estado seja mais Estado do que numa prisão. Tanto podemos retomar os fundamentos do contratualismo, quanto a tese weberiana do monopólio do exercício legítimo da violência para debater o problema, mas muito mais eficaz me parece ser o lembrete de que ninguém vai parar numa prisão se não por obra e graça do poder estatal.

Mesmo quando se trata de administração privada de unidade carcerária (voltarei a este ponto em outro post), o controle sobre como, quando, e de que forma se pune é, para lembrar Godwin, a questão fundamental da ciência política, assim como a prisão, por sua vez, tornou-se a forma elementar de punição na modernidade, segundo Foucault. Em ambos os casos, se tem algo que está implicado no debate é a presença inequívoca do Estado. Punir e prender talvez sejam as formas mais essenciais de um Estado Moderno se realizar enquanto tal. Atribuo, aliás, à ignorância de jornalistas, juristas e, pasmem, historiadores, a referência constante ao caráter medieval ou selvagem (sabe-se lá porque alternados como sinônimos) da situação nos presídios brasileiros. A prisão, tal como a conhecemos, é um produto da modernidade, da civilização e do humanismo. Creditar o que lá acontece a qualquer outra forma histórico-política é somente uma forma de afastar de nós mesmos as atrocidades que produzimos, segundo a crença que nos convém.

Os problemas que vão da tal superlotação à corrupção, passando por outras questões de gerenciamento, já não podem ser admitidos como ausência. Trata-se de uma política afirmativa que se define como governamentalização do Estado, ou seja, um arranjo polìtico específico das maneiras pelas quais se produz governo sobre a vida e a morte da população encarcerada, e cujo aspecto menos importante é definir-se pela ação ou omissão em termos gramaticais ou jurídicos, posto que ambas consistem em um fazer, um funcionamento, um modo de se mover estrategicamente.

Em outras palavras, o Estado não é omisso ou fraco quando deixa o governo das prisões ser exercido por grupos que trabalham no campo dos ilegalismos. É exatamente para que estes desonerem as instituições de um fazer que não pode ser anunciado ou defendido enquanto tal pelos devotos do Estado Democrático de Direito - sempre dispostos a afirmar a legitimidade da prisão e propor projetos mirabolantes para reformá-la - que esta delegação acontece.
Em São Paulo, há muito se sabe que o governo das prisões se dá pelo compartilhamento de gestão entre a SAP-SP e o PCC, o que implica dizer que a alternância de poderes entre eles permite que só tenhamos notícias dos horrores perpetrados no sistema prisional quando algum acordo se rompe e anuncia uma nova reacomodação de forças. E é precismente por isso que você e eu dormimos tranquilos todas as noites, sem sermos assombrados por cabeças decapitadas. Alguns de nós, inclusive, pedem novas formas de criminalização, enquanto se mostram comovidos ou indignados com a “barbárie”, que não é nada mais que o fio desencapado das nossas Luzes.

Quando a impresa informa que a empresa administradora do Compaj, em Manaus, notificou o governo do estado sobre a possível ocorrência de rebelião, é preciso entender a comunicação entre os gestores como de fato ela opera: não uma mera troca de ofìcios e pedido de reforço policial, cuja ausência de resposta foi a causa do massacre (vamos lembrar que no Carandiru foi exatamente o contrário...), mas um “cumpra-se” para o extermínio que formalidade nenhuma consegue esconder. Para quê se desgastar quando é possível fazer o serviço que se pretende sem sujar as fardas ou as mãos? Percebam que, depois, não faltou quem dissesse que entre os mortos não havia santo...

Dito isto, vamos ao que mais interessa: os massacres nas prisões, de tempos em tempos, emergem como uma das formas de controle da superlotação e remanejamento de novos contingentes de encarcerados para inauguração de unidades prisionais que já surgem sob as mesmas condições de possibilidade que anunciam a próxima tragédia. Tragédia, aliás, que irá chocar as sensibilidades humanistas menos habituadas a se olharem no espelho. E é por isso que eu começo a escrever o que, provavelmente, será uma série de longos posts, sugerindo um tantinho de honestidade neste debate: não são a tortura e a chacina que nos chocam, é a exposição de suas imagens que atrapalha nosso café da manhã.

15/01/2017

Como e porque Levy e Meirelles quebraram o país

Por José Luis Fevereiro

Quando Dilma Rousseff venceu as eleições em 2014 o Brasil estava ás portas de uma recessão. A política de desonerações tributárias acompanhada da redução do investimento publico na obstinada crença que o setor privado aumentaria seu investimento havia fracassado em um cenário onde a crise internacional tinha provocado forte queda nos preços dos produtos primários de exportação. Ainda não nasceu o empresário que tendo capacidade de produzir 10 mil caixas de parafusos por dia e que vendendo apenas 7, se disponha a ampliar a sua capacidade de produção apenas porque o governo baixou seus impostos. Aumentar os investimentos públicos e rever as desonerações eram o caminho óbvio para suavizar a recessão e retomar o crescimento econômico. Dilma optou por colocar Joaquim Levy á frente do Ministério da Fazenda e fazer um drástico corte de gastos públicos aprofundando a recessão.


O senso comum tão na moda no debate econômico no Brasil diz que se uma família ganha 3000 e gasta 3500 ela tem que cortar despesas. Isso vale para uma família, uma empresa, um município e um estado. Mas não vale para a União porque esta , ao contrario das famílias, dos estados ou dos municípios, emite a moeda na qual é denominada a sua divida e regula a taxa de juros pela qual esta é remunerada. Quando falamos da economia como um todo, o gasto de um agente econômico é a receita do outro. Quando todos cortam gastos ao mesmo tempo, todos têm queda na sua receita. Em geral situações de déficit se agravam com essas medidas. Ao aprofundar a recessão em 2015, Levy provocou queda nas receitas de todos os agentes econômicos: famílias, empresas, municípios e estados, bem como da própria União.

Diz-se que quando a maré baixa é que se sabe quem estava tomando banho nu. Os primeiros estados a quebrar, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, tinham a sua situação fiscal já comprometida por razões distintas: o Rio Grande desde a década de 90 pelos efeitos da lei Kandir que desonerou de ICMS as exportações agrícolas de forte peso no estado; o Rio de Janeiro porque alavancado nas receitas de petróleo tinha , desde os governos Garotinho e Rosinha passando por Cabral, praticado uma politica irresponsável e sem critérios claros de desonerações tributárias. Mas na sequencia destes estados, outros estão entrando em crise e grande parte dos municípios também. É difícil resistir a quedas de arrecadação fiscal da ordem de 2 dígitos.

Com Meireles a mesma política prossegue, levando a recessão em 2 anos para perto dos 8%. Uma queda do PIB de 8% provoca em geral uma queda da arrecadação tributária maior que os 8% porque empresas em crise se tiverem que optar por pagar fornecedores , salários e impostos vão priorizar os 2 primeiros porque são essenciais á continuidade da sua operação. A inadimplência tributaria cresce aprofundando a crise fiscal. A receita de Meirelles para esta crise é a mesma; corte de gastos. As consequências também são as mesmas, queda mais acentuada ainda nas arrecadações tributárias e aprofundamento da crise.

As estas alturas você está se perguntando se eles são idiotas. Alguns, os que acreditam naquilo que falam, certamente. Mas outros sabem exatamente o que estão fazendo. Recomendo a leitura dos artigos de Delfim Neto no Valor Econômico e na Carta Capital desta semana. Explicitamente Delfim defende as contra reformas de Temer dizendo que elas já eram necessárias desde o governo Sarney nos anos 80. A crise lhes deu a oportunidade. O desmonte da Constituíção de 88, da seguridade social e da CLT bem como avançar com a privatização do estado são os objetivos. Não é por acaso que privatizar a Cedae, a Cemig e o Banrisul são “contrapartidas” exigidas por Meirelles para o auxilio federal ao Rio , Rio Grande e Minas. A PEC 55 que limita os gastos federais por 20 anos, a reforma previdenciária, as mudanças na CLT, nada disso tramitaria pacificamente sem uma crise econômica de enormes proporções que de um lado desse discurso para disputar o senso comum e de outro quebrasse a resistência das partes envolvidas.

A chantagem contra os estados é explicita. Funcionários públicos sem salários desde novembro, levados ao desespero, acabarão por opor menor resistência ás contrapartidas exigidas pelo governo federal. O desmonte da seguridade social empurrando a classe média para os planos privados e precarizando as aposentadorias e pensões das faixas de menor renda também enfrentarão menor resistência no ambiente de sinistrose que a crise provoca. Essa é a logica em vigor, a crise é o meio a ser perseguido para atingir o objetivo estratégico que é a reforma conservadora do estado.
Na ausência de terremotos, tsunamis, peste negra ou bombardeios da OTAN, a crise é o desastre “natural” necessário para o desmonte do pouco que temos de Estado de bem-estar social.

19/07/2016

There is no alternative but the people

The Turkey Communist Party is calling on our people to organize in the Party's ranks against the enemies of the people and humanity. The liberation is in our own hands.

We do not have all the details of what happened during the coup attempt that took place in Turkey in the hours between July 15 and July 16. However, we know very well that plans that are supported by foreign forces, that do not take its power from the working class can not defeat AKP darkness and solve Turkey's problems.

The events of today reminded us the following reality once again: Either the people of Turkey will organize and get rid of AKP or AKP's reactionary policies will intensify, repression will increase, massacres, the plunder and theft will continue.

The only power that can overthrow AKP is the people's power, there is no alternative to it.
AKP is responsible for all that took place tonight. All the factors that led to the current situation and the conditions are the product of AKP's rule and the domestic and foreign bosses that support AKP.
However, the fact that the main responsible party is AKP does not mean that the coup attempt was one that was orchestrated by Erdogan himself in order to achieve his objectives such as paving the path to an executive presidency or clearing the obstacles facing the new constitution.

The tension and the rivalries between different groups within the state and the armed forces that have been known to exist for a while have turned into armed conflict. While the tension between these forces is real, it is a lie that any of the sides in this conflict represent the interests of the people. Following this, searching for the solution against AKP's rule in a military coup is as wrong as lending any support to AKP under the guise of taking a position against military coups for whatever reason. The last thing that should be done in the name of supporting freedom and human rights in Turkey is to lend support to AKP which has proven over and over that it is an enemy of humanity.

While they have not orchestrated this coup, Erdoğan and AKP will make an effort to use the resulting conditions and the support they received as means to increase their legitimacy. Our people should be on the alert against steps that AKP will be certain to take in the days to come. Raising the struggle against AKP and its darkness is the only way to stop this failed coup attempt resulting in AKP's solidifying its rule and turning into a tool for transforming AKP's unstable Turkey into stability. The fact that all mosques in Turkey have broadcasted continuous Erdoğan propaganda the whole night is a concrete indication of the urgency of our task at hand.

The Communist Party is calling on our people to organize in the Party's ranks against the enemies of the people and humanity.

The liberation is in our own hands.

Communist Party, Turkey

Não há alternativa exceto o povo!

Declaração do Partido Comunista (da Turquia), sobre a tentativa de golpe militar:

O Partido Comunista conclama o povo a se organizar nas fileiras do partido contra os inimigos do povo e da Humanidade. A libertação está em nossas próprias mãos.

Nós não temos todos os detalhes do que ocorreu durante a tentativa de golpe na Turquia na noite entre os dias 15 e 16 de julho. Contudo, nós sabemos muito bem que estes planos são apoiados por forças externas, que não retiram seu poder da classe trabalhadora e não podem derrotar a escuridão do AKP(1) e resolver os problemas da Turquia.

Os eventos atuais nos relembram mais uma vez a seguinte realidade: ou o povo turco se organiza e se livra do AKP, ou as políticas reacionárias do AKP se intensificarão, bem como a repressão crescerá, e os massacres, a pilhagem e o roubo continuarão.

O único poder que pode derrubar o AKP é o poder popular, não há alternativa. O AKP é o responsável por tudo o que ocorreu esta noite. Todos os fatores e condições que levaram à situação atual são produtos do governo do AKP e os chefes nacionais e estrangeiros que apóiam o AKP.

Contudo, o fato de que o principal responsável seja o AKP não significa que a tentativa de golpe foi orquestrada pelo próprio Erdogan com o fim de atingir seus objetivos, tais como pavimentar o caminho para um executivo presidencial ou retirar os obstáculos enfrentados pela nova constituição.

A tensão e as rivalidades entre os diferentes grupos dentro do Estado e as forças armadas, conhecidas há algum tempo, se converteram em conflito armado. Embora a tensão entre estas forças seja real, é uma mentira que qualquer um dos lados deste conflito represente os interesses populares. Por isso, procurar por uma solução contra o governo do AKP num golpe militar é tão equivocado quanto prestar qualquer apoio ao AKP sob o disfarce de se opor a golpes militares por qualquer motivo. A última coisa que deveria ser feita em nome da defesa da liberdade e dos direitos humanos na Turquia é prestar apoio ao AKP, que já provou várias vezes ser um inimigo da Humanidade.

Embora não tenham orquestrado o golpe de Estado, Erdogan e o AKP se esforçarão para usar as condições decorrentes e o apoio que receberam como instrumentos para aumentar a sua legitimidade. Nosso povo deve estar alerta contra os passos que certamente tomará nos próximos dias o AKP. Aumentando a luta contra o AKP e sua escuridão é o único caminho para impedir a solidificação do poder do AKP como resultado da tentativa de golpe fracassada, e a sua conversão num instrumento para a transformação da instável Turquia do AKP em estabilidade. O fato de que todas as mesquitas na Turquia transmitiram continuamente propaganda de Erdogan, durante toda a noite, é uma indicação concreta da urgência das tarefas em nossas mãos.

O Partido Comunista conclama o povo a se organizar nas fileiras do partido contra os inimigos do povo e da Humanidade.

A libertação está em nossas próprias mãos.

Partido Comunista, Turquia.

Como assim escola sem ideologia?

POR MARCELO RUBENS PAIVA

Por uma escola popular e plural
A escola sem um professor de história de esquerda é como uma escola sem pátio, sem recreio, sem livros, sem lanchonete, sem ideias. É como um professor de educação física sem uma quadra de esportes, ou uma quadra sem redes, ou crianças sem bola. O professor de história tem que ser de esquerda. E barbudo. Tem que contestar os regimes, o sistema, sugerir o novo, o diferente. Tem que expor injustiças sociais, procurar a indignação dos seus alunos, extrair a bondade humana, o altruísmo. Como abordar o absolutismo, a escravidão, o colonialismo, a Revolução Industrial, os levantes operários do começo do século passado, Hitler e Mussolini, as Grandes Guerras, a Guerra Fria, o liberalismo econômico, sem a leitura da luta de classes, uma visão da esquerda?

A minha do colegial era a Zilda, inesquecível, que dava textos de Max Webber, do mundo segmentado do trabalho. Ela era sarcástica com a disparidade econômica e a concentração de renda do Brasil. Das quais nossas famílias, da elite paulistana, eram produtoras.
Em seguida veio o professor Beno (Benauro). Foi preso e torturado pelo DOI-Codi, na leva de repressão ao PCB de 1975, que matou Herzog e Manoel Fiel Filho. Benauro era do Partidão, como nosso professor Faro (José Salvador), também preso no colégio. Eu tinha 16 anos quando os vimos pelas janelas da escola, escoltados por agentes.

Outro professor, Luiz Roncari, de português, também fora preso. Não sei se era do PCB. Tinha um tique nos olhos. O chamávamos de Luiz Pisca-Pisca. Diziam que era sequela da tortura. Acho que era apenas um tique nervoso. Dava aulas sentado em cima da mesa. Um ato revolucionário.
Era muito bom ter professores ativistas e revolucionários me educando. Era libertador.
Não tem como fugir. O professor legal é o de esquerda, como o de biologia precisa ser divertido, darwinista e doidão, para manter sua turma ligada e ajudar a traçar um organograma genético da nossa família. A base do seu pensamento tem de ser a teoria da evolução. Ou vai dizer que Adão e Eva nos fizeram?

O de química precisa encontrar referências nos elementos que temos em casa, provar que nossa cozinha é a extensão do seu laboratório, sugerir fazer dos temperos, experiências.
O professor de física precisa explicar Newton e Einstein, o chuveiro elétrico e a teoria da relatividade e gravitacional, calcular nossas viagens de carro, trem e foguete, mostrar a insignificância humana diante do colossal universo, mostrar imagens do Hubble, buracos negros, supernovas, a relação energia e massa, o tempo curvo. Nosso professor de física tem que ser fã de Jornadas nas Estrelas. Precisa indicar como autores obrigatório Arthur Clarke, Philip Dick, George Orwell. E dar os primeiros axiomas da mecânica quântica.

O professor de filosofia precisa ensinar Platão, Sócrates e Aristóteles, ao estilo socrático, caminhando até o pátio, instalando-se debaixo de uma árvore, sem deixar de passar pela poesia de Heráclito, a teoria de tudo de Parmênides, a dialética de Zenão. Pula para Hegel e Kant, atravessa o niilismo de Nietzsche e chega na vida sem sentido dos existencialistas. Deixa Marx e Engels para o professor de história barbudo, de sandália, desleixado e apaixonante.

O professor de português precisa ser um poeta delirante, louco, que declama em grego e latim, Rimbaud e Joyce, Shakespeare e Cummings, que procura transmitir a emoção das palavras, o jogo do inconsciente com a leitura, a busca pela razão de ser, os conflitos humanos, que fala de alegria e dor, de morte e prazer, de beleza e sombra, de invenção-fingimento.

O de geografia precisa falar de rios, penínsulas, lagos, mares, oceanos, polos, degelo, picos, trópicos, aquecimento, Equador, florestas, chuvas, tornados, furacões, terremotos, vulcões, ilhas, continentes, mas também de terras indígenas, garimpo ilegal, posseiros, imigração, geopolítica, fronteiras desenhadas pelos colonialistas, diferenças entre xiitas e sunitas, mostrar rotas de transação de mercadorias e comerciais, guerra pelo ouro, pelo diamante, pelo petróleo, seca, fome, campos férteis, civilização.

A missão deles é criar reflexões, comparações, provar contradições. Provocar. Espalhar as cartas de diferentes naipes ideológicos. Buscar pontos de vista.
O paradoxo do movimento Escola sem Partido está na justificativa e seu programa: “Diante dessa realidade – conhecida por experiência direta de todos os que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos –, entendemos que é necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
Mas como nasceriam as convicções dos pais que se criariam num mundo de escolas sem ideologia? E que doutrina defenderiam gerações futuras?

A escola não cria o filho, dá instrumentos. O papel dela é mostrar os pensamentos discordantes que existem entre nós. O argumento de escola sem ideologia é uma anomalia de Estado Nação.
Uma escola precisa acompanhar os avanços teóricos mundiais, o futuro, melhorar, o que deve ser reformulado. Um professor conservador proporia manter as coisas como estão. Não sairíamos nunca, então, das cavernas.