Condução coercitiva é uma intervenção violenta no Estado que
restringe, temporariamente, a liberdade individual por excelência (somos
corpo, e é dele que o pensamento provém), que é a liberdade física. Do
ponto de vista legal e processual (ia começar com "constitucional", mas
quem está ligando para a Constituição?), é uma medida extrema que só se
justifica quando uma pessoa se recusa a prestar depoimento para o qual
fora regularmente intimada. Isto vale ou devia valer para qualquer um de
nós - qualquer um: ninguém está livre de ter um policial, da polícia ou
do MP, ou juiz obcecado no seu encalço, ninguém.
À toda
evidência, não se encontra justificativa razoável para sua utilização
hoje. Como também não havia durante os levantes de 2013-14, quando esse
recurso foi utilizado em quantidades industriais, sempre abusivamente,
contra manifestantes, especialmente no Rio. Sem que muitos que hoje
exalam indignação ou falam em golpe demonstrassem a menor solidariedade -
inclusive o atingido de hoje.
Mas não importa. O que importa é
ter a clareza de que, quando se aceita, instiga ou aplaude que a
truculência do Estado invada a casa de alguém a horas mortas, para
arrancá-lo de lá sem necessidade, abre-se uma avenida onde qualquer um
poderá viver sua via crucis. É o que muitos de nós estamos a dizer desde
2013, mas em geral as pessoas só se comovem com arbitrariedades
cometidas contra os que consideram seus. Talvez entendam agora.
Pessoalmente, não tenho o que comemorar, ao contrário. Votei em Lula no
segundo turno de 1989, em 1998, 2002 e 2006. Não o faria novamente, mas
entendo os que ainda o admiram e nele confiam. Lamento que ele e o
partido que construiu e animou estejam a viver esse fim melancólico,
ruindo com o peso dos seus próprios erros, associado à ferocidade dos
ataques reiterados há décadas, por forças e gentes iguais ou piores que
ele e o PT em qualquer quesito. Como bem disse Rodrigo Nunes, "o PT está sendo punido exemplarmente por ter se tornado igual a todos os outros".
Mas não gosto de policiais invadindo casas, não gosto de promotores
pedindo que invadam, nem de juízes mandando invadir. Não gosto de
prisões sem condenação. Tenho nojo de linchamentos e de linchadores.
Desconfio de justiceiros e não suporto quem não sabe ou não quer
distinguir enfrentamento político de achincalhamento pessoal. Meu
projeto de país é antes um escolão que um cadeião. Tenho um profundo
respeito pela liberdade e pela reputação dos outros, como pelas minhas
próprias. Prezo a presunção de inocência, uma conquista civilizatória
tão essencial como o direito à defesa e ao devido processo legal.
Defendo-as para todos e qualquer um.
Não participo de guerras de
gangues, nem levo a sério quem fica todo tempo gritando "é o lobo", ou
"joga pedra na Geni". Adoraria que um mínimo de serenidade e equilíbrio
contrabalançasse o alucinado e intragável momento presente. E que
aprendêssemos algo essencial com tudo isso: a liberdade é o bem maior.
Para todos e cada um. Axé!
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