11/12/2014

Nossa xenofobia de cada dia

(Já foi o tempo...) Quando a seleção brasileira de futebol tomou 7 gols da Nationalmannschaft (e que poderiam ter sido oito não fosse a ruindade do Mesut Özil, em péssima fase há um tempão), muito se falou da necessidade de intercâmbio, de olhar melhor a Europa, nossos vizinhos e tudo o mais. Discurso corretíssimo que contrastava com a sempre empáfia do brasileiro no futebol, que só nos anos 2000 passou a ver méritos no futebol dos outros. Antes, sempre era o Brasil que perdia - salvo boas e raras exceções no jornalismo.

 Uma curiosidade: sempre que ia fazer uma pesquisa em qualquer arquivo, jornal, essas coisas, eu dava uma conferida nas sessões de esporte. Mais basicamente as que versavam sobre Copa do Mundo, pois, como historiador, a questão da ótica do brasileiro a respeito do futebol e a dos órgãos oficiais a respeito da Seleção como mecanismo de identidade nacional me fustigavam muitíssimo. Sugiro um recorte a respeito deste tema abordado neste artigo acadêmico: clique aqui

 Voltando... Raras foram às vezes, com exceção talvez a 50, que a imprensa nacional soube enxergar méritos nos adversários. A Holanda de 74 era descrita pelos jornais como uma "seleção sem tradição" e a seleção nacional é que não jogou o que sabia, a convocação foi ruim e essas ladainhas de sempre. A Itália de 82 um time bruto, que batia muito, sem talento. Quem havia perdido o cotejo era o técnico, sem "pedigree", que não conseguiu dar padrão defensivo à equipe. Alguns outros culpavam um simples mau dia.

 Já em 86 a culpa foi da desorganização, das brigas internas. Embora a seleção brasileira tenha feito uma partida melhor que a da equipe francesa, aquela equipe liderada por Platini era um timaço. Em 90 foi tudo Lazaroni. Recordo-me até hoje o texto da Folha do dia seguinte em que afirmava que a seleção argentina era medíocre, fazendo pouco caso com a naquele momento atual campeã mundial e com o maior jogador do planeta, Maradona. Um crime futebolístico.

 Aquele mundial também passou a ser estigmatizado, sendo considerado um dos piores. De fato em 90 teve poucos gols, mas daí a dizer que foi péssima, sem qualidade... Só os nomes de alguns dos craques das seleções de Alemanha, Holanda, Inglaterra e Argentina naquela Copa eram o suficiente pra desmentir essa heresia.

 Em 98 o Brasil havia entregue, vendido a final. Dizia-se que para receber a Copa de 2006. Antes da final, havia um otimismo absurdo. Desconsiderava-se completamente a campanha excelente da França, um time muito mais arrumado, e a caminhada difícil da equipe da CBF, com derrota, pênaltis e uma defesa extremamente vazada. Em 2002, apesar do título, numa das Copas do Mundo mais fracas de todos os tempos (aquela equipe alemã por exemplo foi a mais fraca que vi entre todas da Mannschaft) em que seleções como as da Turquia e Coréia do Sul ficaram entre as 4 melhores, o discurso passou a mudar um pouco. Muito por conta dos campeonatos europeus, com cada vez mais adeptos em território nacional, seja pela expansão das tevês por assinatura ou também pela transmissão da Champions League em canais abertos.

 Mas mesmo assim a empáfia era a mesma. Até pouco muito comum era a utilização das vitórias das equipes brasileiras no torneio de jogo único-ou duplo caça-níquel da FIFA e outrora da Toyota entre clubes para se dizer que os times daqui eram melhores que os da Europa! E mesmo com os maiores craques brasileiros a atuarem em solo europeu, num exercício de pachequismo e de falta de lógica a deixar rubro os pômulos de quem os via.

 Só mesmo as surras sofridas nos últimos anos limitaram esse discurso irreal, que ignora não apenas o fato de equipes européias não valorizarem a competição como também o contexto das conquistas (Inter e São Paulo ganharam dando poucos chutes a gol e a sofrer intensa pressão durante 90 minutos).

 No entanto, apesar disso, ainda é difícil um profissional estrangeiro conseguir espaço no futebol nacional, mesmo com todo o discurso pós 7 a 1 que pedia mais intercâmbio. Só nessa semana dois casos foram observados: o técnico do Bahia a tecer críticas pesadas aos jogadores argentinos de seu elenco, acusando-os de antiprofissionalismo; e a relação difícil no grupo do Palmeiras entre jogadores também argentinos, os brasileiros e o técnico Dorival.

 Outro ponto bastante visível é a rejeição da imprensa (basicamente da emissora oficial, a Globo) a um nome estrangeiro no comando da seleção. Com a saída do Mano e as várias especulações, inclusive a do Guardiola, a emissora ignorou completamente o fato e impôs enquetes direcionadas para treinadores nacionais.

 O concreto é que até hoje o futebol no Brasil é um espaço com pouca abertura para profissionais de outros países. Mas este fenômeno não é algo restrito ao ludopédio. A xenofobia é algo que está muito enraizada em nós. O senso de inferioridade em relação a europeus e estadunidenses é que por vezes engana um pouco os desavisados e faz crer que brasileiros são extremamente solícitos a quem vem de fora.

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