11/12/2014

Futebol é o lugar no qual é permitido voltar a ser criança.

 A infância é um momento bonito da vida porque permite-nos fugir da realidade sem tanto compromisso com o concreto, já que não há nessa fase da vida as responsabilidades implícitas à fase adulta em suas consequências e sanções - muitas vezes bem dolorosas, diga-se. E a maioria de nós passa a amar o futebol neste período, carregando dessa paixão incontida aspectos simbólicos que nos permearão por todo o sempre.

 Recordo-me por exemplo que quando pequeninho, lá pelos 6, 7 anos, achava que o Palmeiras assim se chamava por conta de Palmares. Palmares pra mim era uma ilha com muitas Palmeiras. E de gente chata. Acreditava que o Brasil era o nome de um jogador que atuava com uma camisa amarela e calções azuis. Toda vez que o narrador falava "aí vem o Brasil", eu corria pra frente da tevê pra ver quem era esse "Brasil" de quem tanto falavam e pra quem eu torcia sabia-se lá o porquê.

 Eu também morria de medo do futebol da Inglaterra, da Argentina da Alemanha. Não pelos times que tinham à época (duas grandes seleções), mas pelos nomes, imponentes que são. Passei a torcer pelo Corinthians porque era, afinal, um nome imponente apesar do meu tio, que torcia para esse time. Importante notar meu primeiro sinal de emancipação, aqui: o motivo era o nome, não a óbvia influência familiar. Que criança arrogante!

 Quando o Corinthians perdeu o campeonato Paulista em 98 para o São Paulo, eu chorei pela primeira vez na vida por causa de futebol. Quando o Brasil perdeu para a Noruega, na Copa do Mundo, voltei a chorar, achando eu que aquilo seria o final do mundo, mesmo sendo apenas um jogo da primeira fase na qual o time se encontrava classificado. Quando perdeu a final para a França, não chorei, apesar da imensa tristeza. Com 7 anos eu já havia aprendido por meio do futebol que não se pode ter tudo. E achei que nunca mais choraria.

 Oito anos mais tarde, em 2006, com 15 anos, num fatídico 3 a 1 para o River Plate em pleno Pacaembu que eliminou o Timão da libertadores, voltei a cair em prantos. Chorei tanto que não consegui ir à escola no dia seguinte. Meu mundo tinha desabado.

 Durante a Copa do Mundo daquele ano, na Alemanha, eu tinha certeza de que o Brasil seria uma vez mais campeão. Não foi. E o time que eu menos queria que ganhasse, a Alemanha, o país daquele "dick vigarista" do Schumacher, não ganhou a Copa, mas levou mais que isso: o meu coração. Dali em diante surgiu uma empatia enorme com aquela seleção, jogadores e povo. A primeira palavra em alemão que aprendi foi "tor". Gol. A segunda foi "Schrei", um grito desesperado. O grito que se abateu sobre Dortmund depois dos malfadados tentos da Itália na prorrogação da semi-final.

 Seis meses depois, puto com administração putrefata e os desmandos no Parque São Jorge, jurei pra mim que odiaria o Corinthians pra sempre, renegando inclusive este passado. Mas não só ele: todos os outros da capital, que com aquela empáfia típica paulistana se achavam melhores que os demais do país. Mesmo assim, porém, não consegui celebrar a queda corintiana em 2007 como o fiz com o Palmeiras em 2003 e em 2012.

 Ano passado, odiei imensamente o uniforme novo da Nationalmannschaft, a seleção alemã, abdicando dos seus tradicionais shorts pretos que com aquela camisa branca sempre me pareceu a combinação mais linda possível para uma equipe de futebol.

 Será por que, hein?

 Hoje meu coração é bávaro, apesar do Bayern se parecer mais com o São Paulo do que com o Corinthians, sendo o tricolor do Morumbi (!) o clube que mais odiei. Mas como dizem, o contrário de amor não é ódio - é sim a indiferença! Encontrei no futebol alemão, apesar da distância e suposta frieza, o sentimento íntimo mais pueril, o desejo da vitória daquele por quem nos simpatizamos, mas não só: está ele consubstanciado com as necessidades que a vida adulta nos impõe, como responsabilidade e organização. Estou feliz com isso, com a escolha feita.

 Mas não fico muito feliz quando pessoas desdenham de quem gosta do ludopédio afirmando que é algo superficial, infantil e bobo onde 22 milionários correm atrás de uma bola. É uma visão mesquinha da coisa. Futebol é mais do que isso: é aquele monte de simbologias e primeiras impressões que carregamos conosco e atribuímos a alguém, sendo por isso de todas as invenções humanas não apenas a mais apaixonante, mas também uma das mais importantes individual e coletivamente, afinal gostar de futebol é muito mais que ser admirador de uma modalidade esportiva, é em suma poder durante 90 minutos voltar a ser aquilo que nunca mais seremos novamente: uma criança. Uma serelepe criança.

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