07/05/2015

Winter is coming

Texto² do Dr. Wilson Gomes¹ - Docente da UFBA.

Esta manhã, com pesar, abandonei ruidosamente o meu grupo de colegas de tênis no WhatsApp. Olha que é gente com quem jogo há mais de dez anos. Atravessei duas ou três eleições no grupo, como Homero voltando de Tróia, sendo diariamente ensinado, orientado, castigado e corrigido na minha formação e entendimento da política. Recebi milhares de links da Veja, dezenas de milhares de cartas-correntes com denúncias absolutamente relevantes contra o PT, Lula e Dilma, milhões de “memes” e vídeos destinados a forjar e nutrir o meu ódio ao governo, ao bolivarianismo, aos petralhas, aos esquerdopatas e “aos políticos que estão aí”. Se hoje não estou ainda convencido de que o Brasil só melhora quando Dilma for enforcada nas tripas de Lula depois de forçada a comer o coração de Zé Dirceu num milk-shake de baunilha, a culpa não é certamente de alguns dos meus amigos que cotidiana e inutilmente tentaram me oferecer a justa perspectiva das coisas.

Como diz a profecia, winter is coming. Acho até que já começou nos grupos de Whats App e nos rodapés dos jornais online. E avança sobre as mídias sociais em geral. Chegamos a um ponto, meus amigos, em que, a depender da sua rede social, você é minoria até quando é um sujeito moderado. E minoria constrangida. Como assim você votou contra Dilma, mas não apoia o impeachment?! Está louco? Como assim Lulinha não é dono da Friboi?!! Não sabe ler? Como assim não pode chamar Dilma de vaca, se ela fode com todo mundo?! Como assim a corrupção não é principal problema brasileiro?!! Vai me dizer que é petista incubado, é?! Assume logo que é petralha, porra!! Diz logo que tá tudo bem na merda desse país! Você deve ter rabo preso com esse governo pra tá falando essas merdas todas, só pode, deve levar um por fora para defender esse sacana do Lula, cachaceiro e ladrão filho da puta!!! E la nave va.

Sinceramente? Eu não importo se a era do PT na presidência da República estiver chegando ao fim. Uma hora ou hora vai acabar mesmo. Além disso, não sou petista e o meu desgosto com o partido alcançou o seu ponto mais alto até agora. A questão, para mim, é que a onda de antipetismo está trazendo consigo um avanço conservador e direitista de grandes proporções. E que ambas alcançaram velocidade máxima desde o final da eleição passada. O sujeito não é mais contra o PT, digamos, por causa da corrupção. O sujeito é contra o PT, mas também contra qualquer perspectiva de esquerda (“comunista” voltou a ser xingamento, coisa que não era desde 1989), detesta direitos humanos, acha que políticas sociais são a causa dos nossos problemas sociais, tem certeza de que os gays querem privilégios e não direitos, sabe que a ausência de proteína na alimentação dos nordestinos é o que sustenta o PT no poder. Tudo é assimilado no mesmo pacote. E se vão reduzindo os escrúpulos em manipular dados, reproduzir disparates, dizer e fazer barbaridades, principalmente em ambientes virtuais fechados (como os grupos de WhatsApp) ou onde se possa postar anonimamente (como nos comentários online de certos jornais e blogs, e em determinados sites de redes sociais).

É uma pena. Gostava daquele grupo, mas não tem mais jeito. Mesmo pessoas legais vão sendo possuídos pela sanha antipetista, anos de recalque de conservadorismo encontrou, enfim, uma brecha para vir tomar um solzinho na esfera pública. As incontáveis bobagens cometidas pelo PT, enfim, concedeu-lhes o argumento e a convicção moral de que precisavam. O resto fica por conta do dogmatismo & proselitismo, à moda das Testemunhas de Jeová, em que qualquer um, não importa a sua inteligência ou formação, deve ensinar a e corrigir todos os outros que (ainda) não pensam como ele. Afinal, quem diverge ou hesita só pode estar errado, e cabe às almas moralmente superiores mostrar-lhes o caminho e resgatá-los, ao mesmo tempo, das trevas da ignorância e da indigência moral. E assim nasce o inferno dos grupos do WhatsApp.

Amém, pessoal?

¹ - Wilson Gomes (1963) é professor Titutar de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia, pesquisador e orientador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas daquela universidade. É graduado, mestre e doutor em Filosofia (Universitas a Scte. Thomae, Roma) e graduado em Teologia (Universitas Gregoriana, Roma). Doutorou-se em 1988 com uma tese sobre a idéia de construção da realidade no Idealismo Alemão, na Fenomenologia e na Hermenêutica. Em 1998, realizou estágio pós-doutoral em Cinema na Universidade de São Paulo. Desde 1989 ensina, pesquisa e orienta na área de Comunicação, nas especialidades de comunicação e política e democracia digital. É autor de Transformações da política na era da comunicação de massa (S. Paulo: Paulus, 2004 e 2008), de Jornalismo, fatos e interesses (Florianópolis: Insular, 2009) e co-autor, com Rousiley Maia, de Comunicação & democracia: problemas e perspectivas (S. Paulo: Paulus, 2008) Fonte: Lattes.

² - Texto publicado em sua página no Facebook.

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