07/05/2015

Sexo casual. Ou sexo como coisa.

 Em 2007 eu assistia sempre ao programa do Jô Soares. Naquela época eu estava no segundo ano do Ensino Médio, tinha acabado de tomar a infeliz decisão de estudar a noite e só conseguia pegar no sono logo após o Corujão, que era transmitido pouco depois do Intercine (no qual você ligava pra escolher o filme predileto, geralmente enlatados estadunidenses, mas que entretinham) e se encerrava lá pelas 5 da manhã. Bons tempos. Ou nem tanto.

 E foi no programa do Jô, no referido ano, que vi uma entrevista que me marcou muito: um humorista de stand up (stupid) comedy disse no programa que não tinha a intenção de casar e que vivia muito bem com relações sexuais casuais. Inquirido pelo apresentador como se davam essas relações, começou ele a contar sobre cada uma delas: como no dia que levava uma moça pra transar em seu apartamento, não se aguentou, realizou o ato no carro mesmo e depois a deixou no meio da rua, ainda meio que despida; ou quando expulsou de casa uma moça de seu apartamento após a transa mesmo a moça a lhe pedir para ali dormir, pois sua casa seria muito distante e não haveria transporte público disponível (o humorista é paulistano).

 Não me espantei, mesmo à época com 16 anos, com esse tipo de discurso. Aquilo na verdade era o que eu ouvia em todo e qualquer lugar a respeito de como se deveria tratar mulheres. Sobretudo aquelas que "não seriam pra casar". O espanto veio-me retroativamente. E como várias pessoas daquela platéia -- incluso o apresentador -- riam daqueles causos, uma coisa absurda.

Óbvio que comportamentos assim são naturalizados e não espanta que estejam por aí disseminados. Mas por quê? Machismo, sexismo, patriarcalismo? Sim, também. E com eles -- que não estão dissociados, mas fazem parte de uma mesma coisa, que é como lidamos concretamente com o mundo e a partir dele criamos símbolos, signos, os quais são transferidos para a forma como vemos os demais e esse próprio mundo -- a coisificação das relações, algo bem próprio do estágio capitalista em que vivemos.

Tudo é coisa e tudo é consumo. E o que se consome é logo depois descartado. E assim as pessoas são tratadas. E também as mulheres. Mesmo aquelas com quem compartilhamos coisas as mais íntimas. E também os homens.

Sim, homens também são tratados como objetos. E cada vez mais (que não me surja alguém falando em male tears ou esses memes chulos que empobrecem qualquer discussão. não estou falando que a opressão sobre homens é igual ou pior a que sofre as mulheres).

Aos poucos já se desconstrói a lógica ilógica de que apenas homens gostam de sexo ou que apenas nós homens procuramos sexo casual. Hoje mesmo li um texto no Diário do Centro do Mundo que versava sobre isso. O problema é que o tal sexo casual, ou qualquer outra relação no mesmo âmbito, está cada vez mais imbuída do senso das proporções das coisas: você é um objeto, o outro também, e ambos se usam mutuamente. E depois se jogam fora.

É deprimente. É a falência das relações. É a vida como um filme pornô desses que tratam mulheres de forma completamente degradante -- só que aqui estendido a todos os gêneros, democraticamente.

E o mais curioso é que inclusive as relações institucionalizadas, como as supracitadas, também refletem o mesmo tipo de problema. E tudo vai a se resumir em uma pobreza humana monumental, sem essência e substância.

Sim, é possível se relacionar sexualmente com alguém sem o tratar como coisa, estabelecendo um vínculo, uma troca, uma relação de respeito e cumplicidade. Isso é plenamente possível. Mas não em um mundo onde a medida de todas as coisas é um produto numa prateleira pra ser comprado, usado e jogado fora.

 Esse mundo é essencialmente inumano. E está a um passo da barbárie -- se é que ele já não o é.

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