05/05/2015

Sobre panelas e panelaços

Como comunista, e o comunismo é a democracia na sua essência, sem limites, eu acredito que toda manifestação política é legítima de ser realizada, pois ela traz em si não a causa, mas a consequência. Mesmo as mais monstruosas, como as que defendem segregação e inferiorização de grupos, como as nazi-fascistas com caráter eugenista, quando aparecem, não é para serem criminalizadas varrendo-as para debaixo do tapete sem melhor compreendê-las, mas sim de entender o fenômeno em toda sua amplitude -- que não à toa sempre tem como bojo uma crise capitalista.

É por isso que acho legítimo que pessoas se expressem contra o que quiserem. E a manifestação da classe média (e não burguesia, por favor) contra o PT é isso. Só que eu não me solidarizo com ela.

E por um aspecto bem simples: as pessoas que batem essas panelas em muitos casos, certamente quase que a totalidade deles, não querem nada que não seja a derrocada do Partido dos Trabalhadores e da esquerda. E nem bem sabem o porquê. Alegam vários problemas de fato concretos da sociedade, como saúde, escola e qualidade de vida, e culpam a corrupção, mas votam em candidatos e defendem discursos que apenas piorariam ainda mais esse quadro -- como o neoliberalismo. Quando não, no cúmulo da hipocrisia, criminalizam de modo fascista lutas proletárias que buscam atingir estes objetivos.

O ato de bater panela tornou-se famoso contra Allende, no Chile. A classe média baixa reclamava do crescimento dos preços e, em decorrência disso, a cozinha estar mais vazia de alimentos. Tempo depois o mesmo método foi usado contra Pinochet, que ia um pouco além, é verdade, mas que tinha como base a desigualdade social e a miséria por qual parte da sociedade passava e sofria. Na Argentina, no começo dos anos 2000, a mesma coisa: o empobrecimento dos setores médios e a alta de preços de alimentos com inflação, que também fazia parte do cardápio triste daqueles tempos.

O Brasil hoje vive um momento economicamente ruim, com alta inflacionária e medidas sugeridas pelo Governo Federal que atingirão em cheio a classe trabalhadora. Mas não é, pelo menos por enquanto, a classe média a maior vítima dessa situação: pesquisa da USP nos protestos anti-PT em Abril mostrou que quase 50% dos manifestantes recebem salário entre 7 e 15 mil reais. Como alguém assim pode sentir tão ferozmente taxa de inflação que flutua entre 1 e 2% do limite com o qual o governo petista vinha a trabalhar? Eventualmente essas pessoas não passaram a comer menos. E nem ter uma vida significativamente pior.

Se esses protestos surgissem nos bairros de classe trabalhadora, as ditas periferias, mesmo com argumentos de senso-comum equivocados, eu seria mais simpático a eles. Pois de algum modo haveria sentido: apesar do elevado crescimento da economia nacional nos anos de governo do PT, não se verificou melhoria significativa senão na política de consumo. Serviços públicos e tudo que tange a vida do trabalhador em espaços urbanos continuaram caóticos com melhorias específicas intercaladas com violência, trânsito, poluição e, principalmente, jornadas de trabalho extenuantes com salários não condizentes com o que foi produzido.

Só que não é esse o cenário da classe média que bate panelas. Ela não mostra insatisfação com o modo que o governo tucano -- que instaurou vários modelos que o PT continuou, inclusive de corrupção - gere o Estado mais rico do país, com a epidemia de dengue, a falta de água e o descalabro na educação pública estadual (cito São Paulo por ser o berço do antipetismo, onde ele se apresenta mais fortemente).

É um protesto de uma gente com falsa consciência, pois não é de elite, mas se vê como tal. E pede medidas que aumentarão ainda mais o fosso entre eles, setores médios, e a burguesia que de fato manda e que não tem muito o que reclamar do Partido dos Trabalhadores.

No entanto, como expus em outros textos, é preciso fugir dos discursos obtusos do petralhas vs coxinhas. Essa classe média que protesta tem seus motivos e eles são economicamente cristalinos (veja o texto anterior). O problema, repito, é o modo como fazem, os discursos utilizados, de uma ignorância política de ruborizar a qualquer um com dois neurônios e o caráter um tanto que fascistóide de alguns.

Entendo sua legitimidade, mas não me solidarizo com eles. E fico extremamente triste, embora não surpreendido, quando vejo essas "pessoas que batem panela por um Brasil melhor" elogiando PM que bate em professor; PM que vai nos bairros de classe trabalhadora assassinar jovens e adultos pobres trabalhadores; que fazem discurso racista; homofóbico; segregacionista, anti-povo etc. O que essas pessoas querem não é um Brasil melhor. É um Brasil em que elas possam se sentir muito acima das demais. Inclusive com direito de vida e morte sobre elas. Só que esse Brasil, mesmo que suas idéias venham a cabo, nunca virará realidade pra essas pessoas, pois elas são miseravelmente apenas uma turba de classe média. E são tão elite econômica quando eu.

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