12/05/2015

Polêmicas insalubres

A mais nova polêmica na redes sociais -- ou uma das, porque tem sempre bobagem nova a aparecer -- é um comentário da Luciana Genro a respeito de uma capa de uma revista que em virtude do Dia das Mães afirma que Angelina Jolie é uma "Mãe Coragem".

Como tempo no capitalismo é dinheiro -- e ainda vivemos na desgraça desse sistema, e precisamos trabalhar pra ganhar o nosso --, sem delongas o comentário da Genro e o chorume de uma personalidade do ramo das ciências:



E um detalhe importante: o intelectual acima não foi o único. Como ele, vários se solidarizaram com a atriz, que se transformou em símbolo de coragem por fazer aquilo que nunca nenhuma outra mulher fez: ter um filho. E com uma renda anual que supera o PIB de muito país mundo afora.

Sim, condição econômica não é o único fator exigido para se cuidar de uma criança. Mas é determinante. O mais determinante.

Viver e crescer no mundo em que vivemos com o mínimo amparo custa dinheiro. E não é pouco. Se isso vale para quem cuida de um cãozinho, um gatinho ou um coelho, imagine para quem vai educar uma criança...

Uma mãe que vive em bairros da classe trabalhadora, as ditas periferias, com 1, 2 salários mínimos, a ter de trabalhar, colocar seu filho em escolas públicas sucateadas, em ambientes de degradação humana, sob a mira da violência e de tudo o que há de pior fruto da desigualdade, é incomparavelmente uma pessoa de mais coragem -- e talvez com um pouco de irresponsabilidade -- que uma mulher que acumula uma fortuna capaz de ter três, quatro, cinco, cem babás pra cada filho.

Sabemos bem, porém, que essas revistas são voltadas para a imbecilização, o endeusamento de famosos, o fetichização da ostentação de riqueza e tudo aquilo que dialoga diretamente com um mundo em putrefação.

Mas não deixa de espantar  que enquanto há milhares de mães por aí a fazer das tripas coração pra cuidar dos filhos, mesmo sob o preconceito da sociedade por serem mães solteiras, ou chutadas da casa dos pais, ou vítimas de violência por parte dos parceiros, uma mulher bilionária, exemplo de modelo de família de pote de margarina (aqui mais glamorizado) se torne símbolo de coragem.

Isto me lembra uma discussão que uma vez travei na graduação com um colega da área das exatas: Senna é um herói? E ele dizia que sim, pois ele representaria aos brasileiros andando a 300 por hora arriscando a vida.

Sim, pra andar em um carro de F1 naquela época era preciso coragem. Ele dizia representar os brasileiros e muitos se sentiam representados. Mas isso é um ato de heroísmo? Não me parece, definitivamente.

Angelina Jolie pode até ter desbravado medos, superado problemas e -- por que não? -- ser uma pessoa de coragem -- inclusive pra abdicar de tempo pra cuidar de crianças. Ser símbolo de coragem, no entanto, já é demais.

Mas vá ver o errado sou eu. Talvez a atriz seja a mais corajosa das mulheres; e as mulheres pobres, com todas as dificuldades supracitadas e tantas outras mais, tenham um pouquinho menos de coragem e bravura.

Talvez ter filhos vivendo nas periferias por aí não seja um ato de muita valentia e coragem, diariamente. E talvez devêssemos encarar com mais naturalidade quando esses filhos são mortos pela polícia por motivo fútil, como aconteceu com um rapaz de 16 anos, o Wallison, que estudava no colégio que eu fazia estágio (aqui a matéria: http://www.jornalnanet.com.br/noticias/6082/abordagem-da-gcm-termina-com-um-jovem-morto-em-itapecerica ) e que o policial, que cometeu o crime, está solto e ainda a trabalhar na corporação.

Será que um dia isso acontecerá com um filho da Angelina Jolie? Eu acho (e tomara) que não.

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