Por Wilson Gomes
Desde ontem à tarde, impressos, sites de notícias e telejornais me
prometem o xeque-mate decisivo em Lula e, por extensão, no governo
Dilma. "Os grampos que pegaram Lula" (a fórmula é do Estadão)
demonstrariam, de vez, que Lula é o Gângster Mor da República e que a
Presidência prevaricou ao transformar-se no seu valhacouto. O resultado,
o vimos produzido, incentivado e coberto no Jornal Nacional: multidões
nas ruas a exigir o que logicamente se depreende das premissas
sustentadas nas manchetes e chamadas - prenda-se Lula, Dilma renuncie.
Já que a chave para tanta indignação popular e ainda maior sentimento
de ultraje em âncoras e comentaristas há que estar nos "áudios"
convenientemente liberados pelo juiz Moro, vamos a eles.
Ouvi todos os
disponíveis e, para a minha surpresa, em vez da descoberta de manobras
escusas, conluios escabrosos, associação para delinquir, conspirações de
tirar o fôlego, revelações acachapantes, tudo o que ouvi foi o
ex-presidente sentindo-se ultrajado pelo assédio de um juiz e pela
cooperação dos meios de comunicação na construção de um espetáculo de
linchamento público, e impressionado com o silêncio das instituições
(STF e Parlamento) que permitem que Moro e a Polícia Federal exorbitem o
quanto queira. Não estou endossando as premissas de Lula e das pessoas a
quem telefonou, apenas registrando os fatos que colhi da paciente
re-escuta dos arquivos,ontem apresentados à opinião pública nacional
como se fossem a Revelação do Terceiro Segredo de Fátima.
Editados, arrumados e empacotados nos telejornais da noite, a
transmissão parecia a leitura do Oráculo. O jornalismo dramatúrgico de
Bonner colocou os dois apresentadores a declamarem, no melhor estilo
Escola Wolf Maya, a transcrição de conversas privadas ao telefone. Foi
constrangedor, foi patético, foi um dos momentos mais embaraçosos do
jornalismo a que presenciei. Mas entregar a Revelação, que era o
prometido no contrato das chamadas e escaladas, isso não entregaram. A
montanha pariu um rato, mas ninguém prestou atenção: os que "já sabiam"
que Lula prevaricou em conluio com Dilma saíram confirmados em sua fé,
mesmo sem ter ouvido nada; os que "sempre souberam" que havia
perseguição contra Lula e Dilma viram apenas a violação de Direitos, sem
se importar com o conteúdo dos grampos.
Chegamos ao ponto de o o Jornal
Nacional interromper a novela das 9 (abominação!) para fazer
merchandising dos protestos. Sim, tio Bonner parece ter cansado de
cobrir os eventos político, agora troca facilmente da cobertura à
produção, da produção à promoção e ao merchandising, do merchandising à
cobertura. E tudo de novo. O jornalismo deve aparecer em algum momento
desta cadeia, só não dá para distinguir quando exatamente.
Hoje o
dia amanheceu com o Brasil dividido, como sói acontecer, entre os que
se importaram com o conteúdo dos grampos e os que só se preocuparam com o
abuso de um juiz que resolve retaliar a seu bel dispor a presa que
parece estar escapando do seu bico. Conteúdo? Que conteúdo?
Vamos ao áudio fatal, o xeque-mate que já foi apresentado na escalada e
se espalhou pelos grupos de WhatsApp como gripe depois do Carnaval.
Este áudio, de ontem, é o registro de que Lula e Dilma entendiam que
estavam disputando uma corrida contra o tempo contra a prisão-espetáculo
de Moro. A retaliação de Moro, ultrajado porque agora Lula será julgado
por juízes do STF (eca!) e o espetáculo que ele tanto preparou não mais
se realizará, só prova o quando estavam certos, não? Moro parece mesmo
disposto a qualquer coisa.
Outro áudio interessante de uma
dupla conversa Lula-Dilma e Lula-Wagner, da sexta-feira passada, não
passa do registro do choque dos interlocutores com "as pirotecnias" de
Moro. A sensação registrada é de indignação com o que consideram o
assédio de Moro e com o fato de o STF, o parlamento e a militância não
estarem reagindo aos abusos.
Lula: “Eu acho estranho a liberação
da delação do Delcídio, a Isto É antecipar. (...) É um espetáculo de
pirotecnia sem precedentes, querida. Eles estão convencidos, que com a
imprensa chefiando qualquer processo investigatório eles conseguem
refundar a República. Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada,
nós temos um Supremo Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um
Parlamento totalmente acovardado, que somente nos últimos tempos o PT e
PCdoB começaram a acordar e começaram a brigar, nós temos um presidente
da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quantos
parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai
acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar”. E continua:
“Estou assustado é com a República de Curitiba. Porque a partir de um
juiz de primeira instância, tudo pode acontecer neste país”. Por fim,
destaco isso: “Como é que pode um delegado da Polícia Federal dar uma
declaração contra mudança de ministro?”. Depois, Lula a Wagner.
“Moro fez um espetáculo para comprometer a Suprema Corte”. Wagner “Eu
acho que querem clima para o dia 13”.
Se até eu, descrente, de
boas, e alérgico a teorias conspiratórias e à hipótese generalizada de
a-mídia-me-persegue/a-Justiça-me-maltrata tendo a concordar com cada
tese anunciada, quanto mais quem está na berlinda. Onde o conluio
que me prometeram? Onde a delinquência exposta antes os meus olhos? O
que os áudios entregam é a convicção - que depois da insana retaliação
"em nome da democracia" (sic), é também a minha - de que Moro quer Lula
não importa como. O seu problema não é apenas a justa indignação com o
fato de Lula zombar da Justiça, uma vez que na sua busca desesperada
para entrar na história como regicida quem está zombando da Justiça e do
Direito é o próprio juiz. Lula não é bento, não ponho minha mão no fogo
por ele. Mas um mundo em que um juiz pode fazer o que Moro está
fazendo, sem peias nem limites, me parece assustador.
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