17/03/2016

Vamos falar sobre o conteúdo dos grampos?

Por Wilson Gomes

Desde ontem à tarde, impressos, sites de notícias e telejornais me prometem o xeque-mate decisivo em Lula e, por extensão, no governo Dilma. "Os grampos que pegaram Lula" (a fórmula é do Estadão) demonstrariam, de vez, que Lula é o Gângster Mor da República e que a Presidência prevaricou ao transformar-se no seu valhacouto. O resultado, o vimos produzido, incentivado e coberto no Jornal Nacional: multidões nas ruas a exigir o que logicamente se depreende das premissas sustentadas nas manchetes e chamadas - prenda-se Lula, Dilma renuncie.

Já que a chave para tanta indignação popular e ainda maior sentimento de ultraje em âncoras e comentaristas há que estar nos "áudios" convenientemente liberados pelo juiz Moro, vamos a eles.

Ouvi todos os disponíveis e, para a minha surpresa, em vez da descoberta de manobras escusas, conluios escabrosos, associação para delinquir, conspirações de tirar o fôlego, revelações acachapantes, tudo o que ouvi foi o ex-presidente sentindo-se ultrajado pelo assédio de um juiz e pela cooperação dos meios de comunicação na construção de um espetáculo de linchamento público, e impressionado com o silêncio das instituições (STF e Parlamento) que permitem que Moro e a Polícia Federal exorbitem o quanto queira. Não estou endossando as premissas de Lula e das pessoas a quem telefonou, apenas registrando os fatos que colhi da paciente re-escuta dos arquivos,ontem apresentados à opinião pública nacional como se fossem a Revelação do Terceiro Segredo de Fátima.

Editados, arrumados e empacotados nos telejornais da noite, a transmissão parecia a leitura do Oráculo. O jornalismo dramatúrgico de Bonner colocou os dois apresentadores a declamarem, no melhor estilo Escola Wolf Maya, a transcrição de conversas privadas ao telefone. Foi constrangedor, foi patético, foi um dos momentos mais embaraçosos do jornalismo a que presenciei. Mas entregar a Revelação, que era o prometido no contrato das chamadas e escaladas, isso não entregaram. A montanha pariu um rato, mas ninguém prestou atenção: os que "já sabiam" que Lula prevaricou em conluio com Dilma saíram confirmados em sua fé, mesmo sem ter ouvido nada; os que "sempre souberam" que havia perseguição contra Lula e Dilma viram apenas a violação de Direitos, sem se importar com o conteúdo dos grampos.

Chegamos ao ponto de o o Jornal Nacional interromper a novela das 9 (abominação!) para fazer merchandising dos protestos. Sim, tio Bonner parece ter cansado de cobrir os eventos político, agora troca facilmente da cobertura à produção, da produção à promoção e ao merchandising, do merchandising à cobertura. E tudo de novo. O jornalismo deve aparecer em algum momento desta cadeia, só não dá para distinguir quando exatamente.

Hoje o dia amanheceu com o Brasil dividido, como sói acontecer, entre os que se importaram com o conteúdo dos grampos e os que só se preocuparam com o abuso de um juiz que resolve retaliar a seu bel dispor a presa que parece estar escapando do seu bico. Conteúdo? Que conteúdo?

Vamos ao áudio fatal, o xeque-mate que já foi apresentado na escalada e se espalhou pelos grupos de WhatsApp como gripe depois do Carnaval. Este áudio, de ontem, é o registro de que Lula e Dilma entendiam que estavam disputando uma corrida contra o tempo contra a prisão-espetáculo de Moro. A retaliação de Moro, ultrajado porque agora Lula será julgado por juízes do STF (eca!) e o espetáculo que ele tanto preparou não mais se realizará, só prova o quando estavam certos, não? Moro parece mesmo disposto a qualquer coisa.

Outro áudio interessante de uma dupla conversa Lula-Dilma e Lula-Wagner, da sexta-feira passada, não passa do registro do choque dos interlocutores com "as pirotecnias" de Moro. A sensação registrada é de indignação com o que consideram o assédio de Moro e com o fato de o STF, o parlamento e a militância não estarem reagindo aos abusos.

Lula: “Eu acho estranho a liberação da delação do Delcídio, a Isto É antecipar. (...) É um espetáculo de pirotecnia sem precedentes, querida. Eles estão convencidos, que com a imprensa chefiando qualquer processo investigatório eles conseguem refundar a República. Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Supremo Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, que somente nos últimos tempos o PT e PCdoB começaram a acordar e começaram a brigar, nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quantos parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar”. E continua: “Estou assustado é com a República de Curitiba. Porque a partir de um juiz de primeira instância, tudo pode acontecer neste país”. Por fim, destaco isso: “Como é que pode um delegado da Polícia Federal dar uma declaração contra mudança de ministro?”. Depois, Lula a Wagner. “Moro fez um espetáculo para comprometer a Suprema Corte”. Wagner “Eu acho que querem clima para o dia 13”.

Se até eu, descrente, de boas, e alérgico a teorias conspiratórias e à hipótese generalizada de a-mídia-me-persegue/a-Justiça-me-maltrata tendo a concordar com cada tese anunciada, quanto mais quem está na berlinda. Onde o conluio que me prometeram? Onde a delinquência exposta antes os meus olhos? O que os áudios entregam é a convicção - que depois da insana retaliação "em nome da democracia" (sic), é também a minha - de que Moro quer Lula não importa como. O seu problema não é apenas a justa indignação com o fato de Lula zombar da Justiça, uma vez que na sua busca desesperada para entrar na história como regicida quem está zombando da Justiça e do Direito é o próprio juiz. Lula não é bento, não ponho minha mão no fogo por ele. Mas um mundo em que um juiz pode fazer o que Moro está fazendo, sem peias nem limites, me parece assustador.

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