30/06/2015

O que a burguesia tem a nos dizer?

As chagas da última grande crise do capitalismo iniciada em 2008 continuam abertas. E para as quais os sinais de melhoras não são muito otimistas. Alguns economistas versam que talvez seja impossível voltar aos índices de crescimento e prosperidade (pelo menos para alguns) obtidos durante o período pré-crise. Alguns outros, como a agência de rating Dagong, ainda aventam que há um enorme risco de uma futura crise e ainda maior que a última que presenciamos, a que foi a terceira grande crise do capitalismo. Para Guan Jianzhong, presidente da supracitada agência, o parco crescimento econômico que se tem alcançado pela via do consumo tem se dado pela expansão do crédito, um modelo que não é sustentável, o que aumentou o endividamento global em mais de 57 bilhões de 2007 pra cá, 1/3 do que se tinha na época. A dívida total em relação ao PIB Global cresceu para alarmantes 289%.

Ou seja: mesmo que o cenário caótico previsto por Jianzhong não venha a acontecer, a economia capitalista, que quando muito bem só beneficia substancialmente alguns poucos, está longe de seus dias mais auspiciosos.

E a questão que se abre diante deste cenário é o que a burguesia -- que em certo momento da história foi uma classe revolucionária -- tem a nos apresentar de novo para a superação desse momento de turbulência. Se verificarmos as duas últimas grandes crises, de 1929 e 2008, a resposta não será nada satisfatória. Mas antes de falarmos delas, é preciso retrocedermos um pouco, ao século XIX, aos anos de 1873 a 1896, quando ocorreu a primeira "Grande Depressão", crise pela qual ficou conhecida aquela que foi gerada por uma nova forma de capitalismo: financeirizado e monopolista.

Em breves palavras, a concorrência que existia até então foi superada pelos monopólios que se estabeleceram a partir desse embate, onde as empresas mais poderosas foram, grosso modo, a engolir as demais, se organizando por meio de trustes, holdings e cartéis, a controlar assim o mercado de preços, praticamente incinerando a concorrência e exercendo controle total sobre determinados setores. Junto a isso, com o avanço tecnológico, houve aumento de desemprego com a substituição da mão de obra pelo uso de maquinaria.

É esse amálgama de fatos que leva à corrida imperialista na Ásia e em África e que vai desembocar na Primeira Grande Guerra em 1914, quando todo o enorme desenvolvimento tecnológico obtido até então será alocado a serviço da indústria da guerra. E o resultado, claro, não poderia ser outro: mais de 9 milhões de mortos e 20 milhões de feridos em pouco mais de 4 anos.

Esse cenário desastroso junto com os bolsões de miséria verificados em grandes cidades industrializadas e pelas quais o capitalismo se desenvolvia foram produtos diretos da sociedade que a burguesia havia forjado. E é a partir dessa constatação que as instituições liberais, engrenagens do Estado burguês, passam a ser questionadas. Inclusive pela própria burguesia, que na década de 20 começa a encampar aquilo que ela vai abraçar 10 anos depois: o nazi-fascismo.

A solução encontrada pela burguesia européia para a crise de 29 é pois abraçar um movimento que surgiu desde setores médios e ganhou enorme força, o nazismo e o fascismo. E não apenas na Itália, Portugal, Alemanha e Espanha (os casos mais conhecidos): vários líderes políticos de outras potências capitalistas expressavam enorme entusiasmo com as experiências fascistas. Pierre Milza, historiador especializado no período do fascismo na Itália, assevera que tanto Winston Churchill quanto Frank Roosevelt eram entusiastas dos regimes totalitários e de algumas de suas figuras, como Mussolini. Churchill foi além e disse que "O fascismo prestou um serviço ao mundo inteiro... Se eu fosse italiano, eu tenho certeza de que estaria inteiramente com vocês".

Os exemplos não cessam e demonstram toda a rede de ações que aproximam líderes políticos burgueses e a própria burguesia, outrora defensores de um projeto liberal, ao nazi-fascismo. IBM, Volkswagen, Hugo Boss, Siemens, Bayer (chamava-se até então IG Farben) e outras que prestaram serviços e se locupletaram com o apoio aos regimes totalitários que grassaram na Europa em face à crise humana (1º Guerra, por exemplo) e econômica (O crash da bolsa em 29).
IG Farbene outras grandes empresas

Fica evidente aqui a importância e a centralidade da luta de classes para o entendimento do funcionamento das sociedades capitalistas: a burguesia em defesa de sua condição de classe proprietária se alia e se apóia em regimes totalitários, aquilo que em muito é uma negação dos ideais iluministas, de onde emanam as teorias de economia política que sustentavam o Estado burguês até o aparecimento do nazi-fascismo. E exemplos semelhantes abundam: desde o XIX, quando burguesia se junta a monarquias para suprimir proletários; até os dias atuais, quando o Estado norte-americano e outros europeus e suas burguesias apoiam formalmente uma autocracia teocrática como é a da Arábia Saudita. Lucro e coerência não são dois termos que costumam frequentar em consonância a mesma oração, pois.

Mas retorno a questão que embasa a discussão proposta por este texto: e à crise atual, que a burguesia nos diz? No campo teórico, pelo menos até agora, nada de novo: medidas de austeridade, um modelo de sufocamento econômico mais próprio ao sadismo que à tentativa de recuperação de fato (sugiro este texto publicado no The Guardian, em inglês) é a bola da vez, tanto na Europa quanto em países de capitalismo periférico, como o Brasil.

E no aspecto prático, do dia a dia, observamos em vários países a fascistização das classes médias (as classes médias são um aspecto importante de estudo para os comunistas e para as quais pouco se tem atentado lastimavelmente.), que calcadas no mais absoluto senso-comum, desde idéias que naturalizam o capitalismo como pretenso rumo natural da História até aqueles que fazem da propriedade um passaporte de diferenciação entre humanos melhores e piores (uma base teórica da propriedade para os liberais no XVIII e XIX), apresentam uma série de idéias conservadoras, reacionárias e anti-proletárias. Essa radicalização em prol da manutenção do status quo não é o fenômeno novo como já vimos. E para a burguesia abraçá-la, já que não tem nada de novo a nos dizer, talvez seja mera questão de tempo.

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