18/06/2015

Em defesa de Dunga. Ou: esperam de Dunga um milagre




Futebol é uma coisa muito engraçada. E por vezes trágica. O que era bom até ontem se torna ruim depois de 90 minutos. O que era péssimo pode virar eterno depois do mesmo período.

Exemplos abundam. Firminos e Gabirus estão aí para provar.  Mas um é especialmente significativo e simbólico: Dunga.

De exemplo de geração força e fracassada em 90, para campeão do Mundo em 94. E não apenas isso: a ser o principal volante da Copa. E digo mais: sendo o melhor nome do escrete canarinho na histórica final contra a Itália, superando jogadores lendários como Romário, Baggio, Baresi e outros de excepcional nível como Bebeto e Donadoni.

Não foi pouco.

Em 98, já em fim de carreira e a atuar no futebol japonês, fez uma Copa muito digna no campo simbólico, a conseguir ser uma liderança em um time bastante jovem e renovado em relação à Copa anterior. Embora tenha sido um ponto fraco na marcação (foi engolido juntamente com o César Sampaio pelo meio campo francês personificado na genialidade de Zidane), seu desempenho diante das circunstâncias foi considerado satisfatório tanto pela torcida quanto pela imprensa. Encerrou a carreira a livrar o Inter de Porto Alegre da degola em 99.

Em 2006, depois da (des)preparação para a Copa ter dado o que falar, Dunga assumiu o comando com a missão de bancar o general e pôr ordem na casa. Foi corajoso e botou o dedo na ferida: não convocou mais Ronaldo, a indolência e antiprofissionalismo em forma de jogador, e fez jogo duro com outras estrelas que mostravam tomar o mesmo rumo: leia-se Ronaldinho e Adriano.

Com a pobreza tática que se esperava de um principiante, o time tinha enorme dificuldade para propor o jogo contra seleções mais fracas e retrancadas. No entanto, de forma inteligente, jogando no contra-ataque, fez de poderosas seleções -- mesmo em fases ruins -- freguesas contumazes: ganhou de Argentina e Itália de forma acachapante na Copa América e das Confederações. Soube explorar já ali as limitações de uma entressafra de jogadores brasileiros com um estilo que poucos treinadores tiveram coragem de adotar na Seleção, da aposta no contra-ataque.

Embora com um ou outro percalço, Dunga se saiu muito bem. Perdeu as Olimpíadas, mas desenterrou duas caveiras: Ronaldinho, que teve sua convocação exigida por Ricardo Teixeira; e Pato. Sobre este último, Dunga foi um dos primeiros a observar que se tratava de um engodo, um jogador de lampejos. Raros e quase sempre improfícuos lampejos.

Com bastante moral diante dos resultados conquistados, principalmente no segundo semestre de 2009, inclusive a transferir as chacotas sobre desempenho (que não tinham mais motivo de ser) para seu exótico visual patrocinado pela filha, chegou para a Copa com prestígio o suficiente para se agarrar a um grupo modesto, mas bastante comprometido e que lhe entregara ótimos resultados. Peitou a imprensa bairrista - e poderosa - de São Paulo, que clamava por Ganso e Neymar; e a Globo com seu lobby por jogadores consagrados. Fez daquele grupo uma nova versão do que foi 94, a ter Robinho a missão de ser Bebeto, Kaká Romário e Felipe Melo o seu alter-ego.

Robinho foi a seu modo Bebeto, mas Kaká não foi Romário (Kaká ali já dava clara demonstração de queda e sempre foi a meu ver um jogador muito superestimado, o que merece uma postagem futura) e Felipe Melo ficou bastante distante da liderança e da competência tática do Dunga. Lúcio e Júlio César, duas outras lideranças, naufragaram emocionalmente diante da Holanda. Náufrago ainda que teve participação importante do desequilibrado Jorginho, auxiliar que com seu proselitismo religioso -- contam fontes -- conturbou o ambiente e deixou a todos intranquilos com discursos que evocavam inimigos a cada esquina ao melhor estilo Felipão.

A expulsão de Melo ainda serviu como golpe final, muito simóblico, e que deixava claro os erros cometidos pelo comandante-em-chefe.

Embora a campanha não tenha sido de se jogar fora, a contar o jogo contra a Holanda, onde a seleção de Dunga foi muito superior em pelo menos 1/3 da partida, a saída foi rodeada de críticas, deboches e uma constatação óbvia: a seleção que não entregava futebol bonito, mas resultados, na competição mais importante não entregou o que dela se esperava. E era preciso mudar para a Copa em casa. Resgatar o belo futebol tupiniquim era a proposta.

A direção cebeefiana, sempre muito atenta aos rumores, não esperou duas vezes e demitiu Dunga. Para usar como testa de ferro tentou primeiro Muricy Ramalho, nome forte da imprensa; sem sucesso, optou por Mano Menezes, um perfil próximo ao desejado por Ricardo Teixeira, já que o treinador gaúcho então no Corinthians tinha uma postura ponderada, tinha boas articulações internas e era de interesse do magnata da CBF que as coisas com a Globo voltassem a ser como eram até 2006.

Feito isso, Dunga quase que entrou no esquecimento. Mesmo a ter passado pelo Internacional como técnico, não conseguiu uma campanha muito exitosa e logo foi demitido.

Depois da Copa do Mundo no Brasil, porém, que simbolizou para a seleção anfitriã o maior vexame de sua história, o esquecido tetracampeão mundial voltou a ser lembrado com uma certa justiça pela boa campanha realizada quatro anos antes.

Só que como desgraça pouca é bobagem, o reconhecimento retroativo que aquele trabalho merecidamente ganharia tornou-se possibilidade para a CBF jogar para a torcida e chamá-lo uma vez mais pra dirigir a Seleção. Dunga resolveu aceitar a loucura. E depois de quase um ano de trabalho, mais de 10 amistosos, todos com vitórias, eis que a seleção brasileira faz campanha pífia na Copa América e ontem perdeu merecidamente para a Colômbia por 1 a 0.

Em 2007 também fazia campanha ruim e ganhou, pode alertar o leitor. Só que a situação é bastante diferente, argumento. A cobrança também é enorme. E calcada na antipatia, que é de todas a forma de cobrança mais exigente e em geral pouco construtiva.

Um dos exemplos é a cobrança de que deve partir de Dunga uma mudança nos rumos do futebol brasileiro. Mas como? É apenas um técnico, ora. E a seleção brasileira é apenas o topo da pirâmide quando a reformulação deve se começar por baixo, na base. A comparação com a Alemanha é a prova do despreparo e do tom apelativo da imprensa: depois da reformulação que foi iniciada entre 2000-2002, na base, a Alemanha foi jogar sua Copa do Mundo com Jürgen Klinsmann como técnico, que assim como Dunga na primeira passagem, nunca havia treinado equipe alguma. E pior: nem na Alemanha morava. Se mandava para os EUA e ignorava quase que completamente o importante trabalho de observação, a terceirizar tudo para sua equipe técnica, na qual se encontrava Joachim Löw -- que o substituiu e hoje é técnico da Mannschaft -- e que os jornalistas diziam ser quem de fato treinava o time.

Só que nem mesmo o Löw era um nome testado o suficiente pra dirigir a Alemanha. E depois do vice em 2008 na Euro, do terceiro lugar na Copa de 2010 e de cair nas semis da Euro em 2012 (boas campanhas), ficou por um fio. Só não foi demitido por falta de alguém melhor (um nome alemão) para substituí-lo.

Dunga não pode ser culpabilizado pela falta de um futebol bonito, vistoso e que ainda assim se proponha a ser vencedor -- algo historicamente dificílimo e raro. O Brasil não tem base material para isso. Aliás, até mesmo as seleções que teriam mais base para tal, como a Argentina, que é favorita para a Copa América, não vem a jogar um futebol brilhante. A Alemanha tetracampeã mundial teve seus momentos de maior brilhantismo ofensivo na Copa de 2010. Com exceção do 7 a 1 (que ponho mais na conta dos enormes defeitos da seleção brasileira que propriamente na superioridade técnica dos alemães) e do enganoso 4 a 0 contra Portugal (Pepe expulso no começo do jogo, pênalti duvidoso...), o desempenho alemão na Copa não foi nada muito além de bom. Os resultados ruins antes e depois do mundial em amistosos deixam bem claro que essa seleção alemã tem sim problemas e que passa bem longe de ser imbatível.

Só que Dunga, ao aceitar o convite de retorno, colocou novamente sua cabeça na reta de todo um movimento de grande rejeição à CBF, Globo e que tais que mandam no combalido futebol brasileiro e que tem como reflexo mais claro no âmbito do torcedor a antipatia para com a Seleção, vista como símbolo de poder e interesse dessas corporações corruptas, o que de fato é, a elevar à potência as críticas e minimizar os feitos positivos. Nada que faça será bom o suficiente bem como tudo que deixe de fazer será o pior possível.

Mauro Cezar Pereira a dizer na ESPN que a única coisa que espera de Dunga é a carta de demissão para que com outro nome se faça uma revolução após algumas semanas ter defendido ferrenhamente a loucura do seu time do coração em contratar um jogador já decadente por uma fortuna é a prova inconteste de as críticas, hoje, falarem pelo coração e não pela razão. E o racional hoje é entender que com esses jogadores o Brasil e nenhuma outra seleção não tem muito mais a apresentar. É disso para, sem o Neymar, algo muito pior.

O resto é encheção de saco.



Nenhum comentário: