16/06/2015

O legado do liberalismo é o Facebook

 Há mais de dois séculos o liberalismo e suas ramificações são a corrente hegemônica no mundo das idéias, todas elas a existirem pra legitimar política e ideologicamente aquilo que lhe serve como esteio: o capitalismo e sua classe dominante, a burguesia.

Do novo mundo, do mundo das luzes, restou a ode ao consumo, a reificação do ser humano em peça de adendo à maquinaria - tanto da produção quanto aquela usada por nós todos para nos comunicarmos, como os celulares - e o direito a expressar a liberdade de compra e a de idéias até o momento que não sejam o suficientemente perigosas para colocar em xeque o status quo (leia aqui sobre o FBI e o movimento pacífico Occupy Wall Street)

A sua promessa de um mundo de homens iguais só pode ser compreendida hoje como uma anedota resumida a papeladas jurídicas -- que são as Constituições nacionais, tão condizentes com a realidade para a maioria como a vida daqueles que a promulgaram -- e uma vulgaridade quando pensada à luz da compreensão da discrepância econômica crescente entre ricos e pobres.

O mundo não está mais culto, a república das letras nunca passou de um enunciado sobre um punhado de estudiosos que não representavam 1% da população, nunca a se tornar uma realidade concreta, uma coisa pública. Pelo contrário: a discussão política, embora mais democrática, remonta a uma consciência de classe, como diria o historiador Maurício Orestes Parisi, anterior a 1848. O neoludismo da tática Black Bloc a causar fascínio em uma esquerda conivente com as instituições burgo-liberais, uma vez que usada como fantoche por elas, chega a constranger.

Não bastasse esse cenário degradante, toda a herança dita como Ocidental, tal qual a razão, o humanismo, a democracia etc., usurpadas criminosamente por conceitos que nada tem de racionais, humanistas ou democráticos, mas apenas apêndices do capitalismo, levados a outras partes do mundo só fizeram suas populações conhecer o caos e a miséria, a trazer como consequência movimentos anti-iluministas, anti-racionais como por exemplo o fundamentalismo religioso -- que começa a grassar por aqui também.

Diante da tragédia e da miséria, não restou aos defensores da ordem capitalista negar a realidade -- e é exatamente o que fazem os pós-modernos. As aviltantes favelas, sem rede de esgoto, água encanada, eletricidade, ruas pavimentadas etc. se transformaram em lugares dignos e bons para se viver, ditas comunidades; o idiota que nada sabe fazer do que repetir comandos virou exemplo de novo homem, multitarefa; a tecnologia que nos escraviza em vez de libertar tornara-se exemplo de progresso; o recrudescimento do discurso de ódio na arenga política vira avanço democrático e pluralidade de vozes. E potencias imperialistas arrasando países e povos é a expansão da democracia-liberal, uma dádiva ao mundo.

Quanta hipocrisia!

E não é a hipocrisia e a negação da realidade uma característica sine qua non do Facebook, essa rede social onde mentira e engodo reverberam? Lugar onde criamos um ideal de nós mesmos nas fotos e perfis, mas calcado não naquilo que nos é ideal, mas naquilo que nos vendem a dizer sê-lo. A verdadeira negação da humanidade e da pluralidade em última análise.

Pois o grande legado do liberalismo é indubitavelmente o Facebook. O mundo das aparências. Aparências que não respondem em nada à realidade. Só a realidade da falsa consciência.

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