06/01/2016

Renato Augusto, dinheiro chinês e futebol

Depois de algum tempo afastado (não dos campos, mas do blog), retomo as atividades nesse querido espaço a versar sobre um dos temas que mais gosto: o futebol. E o assunto do momento é a decisão do jogador mais badalado da última temporada, da equipe campeã brasileira, de ir jogar no futebol pouco competitivo da China por conta de um salário astronômico.

Aqui não farei o julgamento a respeito da decisão do rapaz, o que o levou a isso e tudo o mais. Seria equivocado da minha parte. Renato Augusto, aliás, é um caso bastante peculiar que precisa ser contextualizado: surgiu no Flamengo com pinta de que poderia ser um grande jogador, mas também não se firmou como o esperado, por vezes a ficar abaixo da expectativa e ainda a sofrer com lesões -- o que sempre o acompanhou. Foi para o Bayer Leverkusen, da Alemanha, e numa Bundesliga que estava atrás de ligas como a inglesa, a espanhola e a italiana, em 2008, até teve algum destaque, mas nunca o suficiente para levar o time da Renânia do Norte-Vestfália à alguma posição de mais destaque. Pior do que isso: a partir da temporada de 2010 começou a sofrer ainda mais com problemas físicos e foi paulatinamente a perder espaço na equipe. Foi assim que, no final de 2012, decidiu se transferir para o Corinthians.

No clube paulistano, suas duas primeiras temporadas foram bem difíceis, particularmente a primeira quando ficou um longo tempo lesionado. Ano passado, como dito, brilhou e foi um dos principais (para muitos o principal) nome da conquista da equipe alvi-negra no campeonato nacional, a chegar inclusive a ser convocado para a seleção da CBF. E é nesse contexto que o rapaz de apenas 27 anos decidiu sair do time paulistano e ir para (como gostam de dizer os comentaristas esportivos) o mundo chinês com salários de 2 milhões de reais por mês.

Muita coisa pode ter pesado na decisão do jogador e não cabe a nós julgá-lo. Eu particularmente nunca achei o jogador carioca essa bolachinha toda que a imprensa paulistana -- e uma das mais bairristas do país -- tentou vender. O grande craque corintiano foi o coletivo e se houve algum destaque indubitavelmente foi (a arbitragem) o seu treinador, o Adenor Bachi, o Tite, que remontou a equipe durante o campeonato ao perder peças importantes e conseguiu fazer dela um campeão incontestável.

Então é absolutamente compreensível que o jogador a ver parte do time titular campeão se desfazer e sabendo das suas próprias limitações opte por ir jogar numa liga mais fraca, com menos pressão e a encher as burras de dinheiro. Nenhum problema com isso. A questão é o tipo de argumento generalista que se dá para esse tipo de transferência, de um jogador relativamente jovem para um desses mercados do futebol alternativos, classificando-o como uma atitude para "garantir a independência financeira".

Renato Augusto tá no futebol profissional desde 2005. No Leverkusen chegou a ganhar algo próximo a um milhão de reais por mês. No Corinthians, dizem, quase 500 mil (apesar dos atrasos). Que independência financeira um cara desses ainda precisa? Como bem levantou o jornalista Julio Gomes mais cedo, é absolutamente incoerente para um jogador tão jovem e que já ganhou tanto dinheiro afirmar que ainda precisa de independência financeira. Mesmo que fosse um megalomaníaco gastador -- o que não parece ser o caso.

Se ele e outros jogadores querem garantir a independência financeira das suas famílias por uns 200 anos (uma preocupação um tanto maluca), é sempre bom pensar se tal independência precisa ser conseguida a livrar os herdeiros do trabalho. Parece no mínimo uma receita não muito saudável. Como disse o jornalista supracitado, muito mais recomendável é bancar uma boa educação. O sustento o cara que se vire e conquiste. E para isso o que o Renato Augusto e outros jogadores que atuam no Brasil com salários muito menores têm de sobra.

O que me chega ao fator conclusivo, que é preponderância da ganância (não no caso do Renato Augusto em si, pelos motivos citados, mas de jovens jogadores brasileiros). Sem ter que me estender muito mais, é só olhar como a prevalência de jovens jogadores brasileiros com certo nome nesses mercados exóticos da bola é muito maior. Muitos jovens e bons jogadores argentinos, uruguaios e chilenos, vindos da mesma pobreza etc., preferem atuar em equipes modestas do futebol europeu a ter que sumir em ligas irrelevantes mesmo com salários maiores. Tal fato não é o que acontece quando se olha para a maioria dos jogadores tupiniquins. É mais fácil assumir que o negócio é dinheiro e nada mais. Encher -- com o perdão da palavra -- o rabo com ele.

E aí vem o ponto fulcral: querer que o torcedor encare isso com normalidade é tentar transformar em padrão o que é uma ação individual e egoísta (que repito ter a pessoa o direito de fazer, claro). Não falamos de um trabalhador comum ou de um atleta qualquer que ganha 2 mil reais e que vai passar a ganhar 20, algo que de fato muda realmente de patamar sua condição material e garante uma estabilidade futura. Falamos de um cara já muito, muito rico.

E é preciso lembrar que futebol é paixão, pelas cores do clube e por aqueles que as defendem. Quando passamos a naturalizar paixão por grana, grana por ela própria, é porque algo vai mal não apenas com o futebol, mas com os conceitos morais que regem aquela sociedade. Daí pra entender porque tem gente muito rica e mesmo assim desviando recursos públicos ou mesmo privados (caso da CBF) é um pulo. E quem legitima uma coisa como único caminho possível, o da ganância, precisa pensar se ao mesmo tempo não o faz com o outro lado, isto é, o da consequência de uma sociedade muito gananciosa e dinheirista.

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