14/04/2015

Números desnudam teses pós-modernas. Ou: É a economia, estúpido!

 Em um importantíssimo trabalho de pesquisa em campo desenvolvido pelo Departamento de Ciência Política da UFMG, sobre traços dos manifestantes que foram à rua se manifestar no dia 12 último em Belo Horizonte, podemos perceber uma vez mais a derrocada das teses pós-modernas na tentativa de explicar as tendências conservadoras e liberais nos discursos contra o governo Dilma nos protestos últimos. A falácia da esquerda democrática e de todos aqueles que se deixaram perder em discursos especifistas, não-marxistas, inclusive importantes e influentes nomes da academia, como o filósofo e atual titular da Pasta da Educação Renato Janine Ribeiro, aqui são alocados em xeque.

Primeiros números já desmontam motes oficiais tanto do coxinhismo quanto do petralhismo:





 Observa-se aqui já de cara que apenas 56% (a margem de erro é de quase 5 pontos para mais ou para menos) têm ensino superior ou pós-graduação. É um número elevado quando se pensa na totalidade da população brasileira, claro, mas bem aquém quando se assevera que trata-se de um movimento de elite. Fica bem evidente que há uma classe média tradicional, alta; mas também gente oriunda da classe C, a nova classe média, cuja adesão aos cursos superiores ainda é baixa.

Em contrapartida a pesquisa desnuda também a afirmação de que o principal foco dos atos é a corrupção, isto é, uma crítica meramente na forma da condução quanto à lisura dos bens públicos: apenas um terço dos que lá participaram acreditam que é o principal foco. Um número muito próximo aos que se dizem simpáticos ideologicamente com o PSDB, legenda da oposição que por oferecer o mesmo receituário neoliberal adotado por Dilma e pelo PT se concentrou nesse tipo de crítica.

E mais: ainda que seja uma camada que rejeite fortemente o PT, os números deixam bem claro que é uma rejeição específica de como a vida lhes é sentida: apenas 39% crê que a vida tenha piorado nos últimos 10 anos e 78% acha que o Brasil piorou. Essa diferença acentuada entre a percepção individual e coletiva é facilmente explicável quando se observa o quadro de vida nas grandes cidades no Brasil: embora com consumo maior e expansão econômica, a qualidade de vida, com o trânsito e a privatização de espaços públicos, piorou tal qual os índices de violência -- cuja classe média, não à toa, é a mais sensível ao discurso do medo, já que com mais propriedade, porém não totalmente separada da realidade que lhe atormenta, se enfia atrás de muros -- e nem sempre só simbólicos.

 Outro ponto importante aqui é notar que boa parte se municiou por meio da internet. E isso explica um pouco a autonomia e a conseguinte não completa adesão das pessoas em relação aos motes defendidos por grupos de mídia como as Organizações Globo, que tentaram direcionar o ato na defesa do impeachment da presidente e na crítica moralista da corrupção.

Números seguintes mostram que o maior problema é a economia

 
Nos valores demonstrados no segundo slide, a questão de que a crítica ao governo se percebe pela condução da economia fica bastante evidente: mais de 90,6% acha que o PT faz um grande mal ao Brasil e 89,5% acredita que o governo cobra muitos impostos. É um número altíssimo que bem descreve a situação dos setores médios hoje no Brasil percebida a partir dos mesmos: carga tributária relativamente alta, mas sem acesso aos serviços públicos, o que torna a manutenção do padrão de vida um tanto mais dificultoso -- sobretudo quando a economia não cresce como nos anos últimos. Outro número que chama a atenção é a porcentagem dos que defendem a diminuição da maioridade penal, na casa dos 80%, e que reflete a sensação do medo sobre a qual citei anteriormente.

Nos demais pontos verifica-se um certo equilíbrio entre discursos liberais, conservadores e progressistas: a maioria rejeita que mulheres, negros e gays tenham direitos demais¹ e que a pena de morte deva ser aplicada. 25% não concordam que as cotas raciais são um erro e que devem ser encerradas. Um grau de aprovação bastante alto para uma manifestação com tom direitista e conservador, concordemos. Mais de 30% são favoráveis à retirada de símbolos religiosos de prédios públicos e a maioria não concorda que família é apenas o núcleo formado por um homem e uma mulher: um número que também destoa de uma manifestação quando estereotipada só pelas chamadas com apelo conservador.

 Enfim: é possível notar um amálgama muito grande de discursos, por vezes contraditórios e até totalmente antagônicos. mas que se interseccionam na percepção da vida enquanto aspecto econômico e o que a ele é oriundo mais claramente. Os discursos por direitos, costumes e tudo o mais, ainda que sejam eventualmente atacados por alguns grupos, ficam evidentemente relegados a segundo plano, demonstrando, uma vez mais, que a insatisfação da classe média que foi às ruas tem nome e sobrenome -- e é o modelo econômico de gestão adotado.

 E ainda que os dados digam respeito apenas a BH, as variações com os públicos de outras metrópoles que participaram dos atos não parece ser tão distinto assim: vide o fato de políticos serem vaiados em São Paulo e existir alguma rejeição às pautas autoritárias bem como a inclusão de grupos favoráveis a pautas LGBTs, feministas etc. Todo o resto, como a comparação com Cuba e Venezuela, parece mais ser um caldo do chorume direitista nas redes e nos meios de comunicação burgueses, em um acúmulo de ignorância, preconceito e ideologia do contra, já que o governo do PT é associado à esquerda embora faça governo de centro-direita.


1 - Diferentemente do que publiquei ontem, baseado em relato de pesquisadora envolvida, não procede a informação de que mais de 80% acham que minorias têm direito em excesso. Pelo contrário: a maioria discorda dessa afirmação, o que deixa clarividente não ser um grupo tão tacanho quanto aos costumes, uma tese que eu levantei durante muito tempo, mas que diante dessa informação precipitada e equivocada que me passaram eu acabei por aderir ontem.






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