28/04/2015

Futebol, por que ainda o amo?

(Não são só números) Há algum tempo eu vivo um dilema que tem me deixado angustiado: por que eu ainda gosto de futebol? Parece uma pergunta boba, trivial, e para o leitor que não é apaixonado pelo ludopédio, de fácil resolução. É só deixar de acompanhar e pronto, sugeriria rapidamente o mais pragmático. Sem angústia? Não pra quem cresceu a amar esse esporte e que está encravada em sua formação.

Pergunto-me por que me importar com um esporte cujo resultado é quase sempre decidido fora do campo. E eu não me refiro a supostos roubos de arbitragens. E sim a disparidade econômica que assola os gramados mundialmente. E aqui vai um pouco da minha história de vida e da minha relação com o futebol para fazer o leitor compreender melhor minha angústia:

Eu nasci numa família apaixonada pelo jogo. Vivi até 6 anos na casa dos meus avós, na qual alguns tios, adolescentes, se dividiam na paixão pelo São Paulo e pelo Corinthians. Era 1997, final do campeonato paulista, quando decidi tomar partido. Já naquela época eu conseguia perceber o Corinthians como um time mais popular. A vitória com gol do André Luiz com colaboração do calcanhar do Rogério Ceni me fez passar a ter simpatia por aquele clube, que vencera ali o então clube mais vencedor dos últimos anos do futebol nacional, o que eu não sabia, mas que a postura arrogante dos meus tios são-paulinos deixava bem claro. rs

Mas foi só 98 que eu comecei a acompanhar futebol de forma mais autônoma. Foi naquele ano duas das minhas maiores tristezas com o fabuloso esporte: a derrota do Corinthians para o São Paulo na final do campeonato paulista, com direito a exibição de gala de Raí; e a derrota para a França na final do mundial. Foi ali que eu percebi que o futebol muito mais tirava do que dava.

No entanto, nos anos seguintes, o time que havia escolhido para torcer ganhou bastante e deixou a mim e meus parentes corintianos muito orgulhosos. Só que duas derrotas marcaram bastante: ambas para o Palmeiras nas Libertadores de 1999 e 2000. Vencer e perder parecia mesmo uma rotina do futebol, o que o fazia mais e mais apaixonante para um garoto que não tinha nem sequer uma década de vida, ainda. Aquilo era realmente imprevisível.

O tempo foi passando e junto ao Corinthians eu somei alguns namoricos internacionais, todos bem moderados: A Internazionale e o Madrid, por conta do meu ídolo de infância no futebol, o Ronaldo (o outro havia sido o... Rubinho! rs); o Bayern por conta de sempre chegar nas decisões européias e por ser do país cuja seleção tinha o uniforme parecido com o do Corinthians (aliás, que merda foi essa da Mannschaft adotar esse uniforme todo branco, né?); e o Chelsea. Muitas torcidas, mas o clube que eu amava, mesmo, era o coringão.

Foi assim até 2006 quando o Tevez saiu. Ali eu percebi que eu era apenas um bobo, um idiota. Primeiro porque idolatrava um cara que nem teve a dignidade de dizer tchau. Depois porque gostava de um clube que a bagunça interna era tão grande -- e só ali fui perceber quando conheci os meandros do Parque São Jorge --, que havia quem torcesse contra apenas por motivações políticas. Gente de dentro do próprio clube.

Entrei em crise com o futebol.

Mas a bela Copa de 2006 me deixou algumas sementes que começariam a brotar:



 Eu me identifiquei muito com a não tão boa, mas muito aguerrida seleção da Alemanha na Copa de 2006. Embora tenha torcido contra ela no jogo das quartas contra a Argentina (como me arrependo disso...), era fascinante ver aquela equipe jogar. Um jogador em especial, muito jovem, passou a chamar minha atenção: Bastian Schweinsteiger. Que tinha tantas espinhas quanto eu, aliás. Foram dois pulos dali para minha simpatia pelo FC Bayern virar amor. Um amor que substituía outro, como acontece em relacionamentos amorosos.

É verdade que minha relação com o futebol ficou mais sóbria e menos passional. Eu nunca chorei por uma derrota bávara. E nem nunca saí pela rua gritando quando vencia. Talvez por medo de parecer ridículo? Talvez. Mas não importa.

E o Bayern sempre venceu muito. Não se discute que é o maior clube da Alemanha e um dos maiores do mundo. Mas apesar de continuar a vencer, nunca foi tão simples: ganhava uma Bundesliga aqui, outra em dois anos; caía nas quartas da Champions... Lembrava-me as campanhas do Corinthians no final dos anos 90: vencedor, mas não avassalador.

Foi assim até 2013. Hoje o clube ganha sempre. Independentemente do que aconteça. Agora mesmo no fim de semana fomos tricampeões alemães com 4 rodadas de antecedência (em um campeonato de 34 rodadas, isso é muito...), somando o 25º título enquanto o segundo colocado, o também bávaro Nürnberg, tem 9. Só o Schweinsteiger, que acaba de completar 30 anos, 13 de profissional do Bayern, já tem 8 Bundesligas. O mesmo número que um dos nossos grandes rivais atuais, o Borussia Dortmund.

Alguns alegam que é apenas uma fase de uma equipe histórica. Pode ser. Mas o que temos visto na Espanha, com duas equipes de poderio financeiro parecido com o do Bayern, é que não é bem assim: o Barcelona histórico que ganhou tudo com Guardiola e parecia ter seus recordes guardados por décadas (assim como foi o Bayern da década de 70 com Beckenbauer, Gerd Müller, Breitner e outros craques) já vê a equipe do multimilionário ataque MSN bater alguns de seus números. O Real Madrid com vários jogadores abaixo do potencial, mesmo assim, fazem semifinal novamente de Champions League e vão disputar o espanhol uma vez mais com o Barcelona e muito à frente do Atletico de Madrid, que mesmo com muito dinheiro do governo pouco popular do Azerbaijão, não consegue fazer frente aos dois rivais. Para piorar, o Karl-Heinz Rummenigge, CEO do Bayern, disse que ficou feliz com a derrota do Atleti porque eles praticariam anti-futebol. Mas tem como competir com Madrid e Barcelona jogando futebol e tendo menos de um terço do orçamento? Eu gostaria que o Rummenigge respondesse. Sinceramente.

Clubes são tratados como empresas e o futebol virou negócio. E dos gordos. E faz tempo. Quem paga mais, quem tem mais, quase sempre vai ganhar. Mesmo o futebol sendo incrivelmente generoso com times pobres e fracos, equipes como Madrid, Barcelona e Bayern, super-seleções supranacionais, atingem um nível técnico que é raro vê-los falhar quando enfrentam mesmo times muito bons.

E por acaso hoje aconteceu: o Bayern foi eliminado em plena Allianz Arena, em Munique, pelo Borussia Dortmund, que é oitavo no campeonato alemão com 37 pontos a menos que o Gigante bávaro. O BVB -- como é conhecido na Alemanha -- tem 39 pontos, mas hoje, nos pênaltis, conseguiu nos eliminar e ir à final. Mas não sem um toque de imprevisibilidade: parecia morto até os 70 minutos de jogo, o Bayern tirou o pé já pensando nas semis da Champions e os jogadores que entraram, sobretudo o Robben voltando de lesão e que se lesionou novamente, não corresponderam e o time conseguiu empatar e quase virar antes do fim dos 90 minutos. Ainda contou com um erro de arbitragem. Ou seja: em condições normais, o Bayern teria vencido. Assim como em condições normais vencerá a próxima Bundesliga e a Copa da Alemanha, a Deutscher Pokal.

Onde está o prazer em acompanhar algo que a diferença é tão grande? Pra complementar, os clubes, sobretudo os mais ricos, os grandes, cada vez mais exploram seu torcedor a fim de alcançar rendas ainda mais absurdamente gigantescas (sugiro a leitura do texto do Mauro Cezar Pereira na ESPN: clubes gastam mal e exploram torcedor), afastando o povo dos estádios. Tudo para que os envolvidos ganhem ainda mais fortunas, que os jogadores ganhem salários ainda mais fora da realidade de 98% da população mundial.

É um desaforo, um tapa na cara de trabalhadores como nós.

Não obstante, existe toda uma linguagem de idolatria para com jogadores de futebol que merece mesmo uma outra postagem e muito mais que isso: intensa crítica e reflexão. Viraram ídolos, mártires, exemplos. Isso em uma sociedade que cada vez mais carece de educação, saúde. Em termos práticos: professores e médicos. E que cada vez mais são vistos com desdém.

Eu estou em crise com o futebol. De novo. E confesso que escrever esse texto me deixa incrivelmente menos angustiado, ainda que a angústia ainda ali permaneça e ocorrerá toda vez que o Bayern entrar em campo, eu torcer por ele e perceber que aquele gol vale não sei quantos milhões que irá, aos poucos, separando-o dos demais e matando o pouco que resta de esporte nesse jogo cada vez mais capitalista.

Eu queria poder bradar orgulhosamente que meu time tem quase três vezes mais títulos da liga nacional que o segundo colocado, que temos 5 Champions League e o Borussia Dortmund apenas uma, que o Bayern é tricampeão alemão seguidamente e dando um baile nos demais. Mas você olha nas contas, e lá está: o clube gasta quase quatro vez mais que o Dortmund. Como competir? E se se olha para ligas como a da Espanha e da Itália, a diferença é ainda maior.

Não é difícil ganhar assim. Mas também não é fácil torcer.

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