30/04/2015

Carta a um petista e aos demais esquerdistas democráticos

Olá, caro esquerdista, eu espero que você leia minha carta porque você tem papel importante em tudo que vou relatar: eu o conheci ainda na infância, defendendo o PT e a candidatura de Lula. Todos seus textos, passando por referências importantes como Marilena Chauí, Florestan Fernantes, Paulo Freire e outros símbolos intelectuais do PT eu degustei por sua influência e que em mim muito influenciaram.

 Nesse tempo todo, em que eu passei por grande maturação intelectual e também de cabedal teórico, sempre estive a lê-lo. Quase todas suas análises, ponderadas, me fazem com elas consentir. E quando discordo é sempre de uma maneira a me permitir duvidar da minha discordância e dos meus contra-argumentos.

 Sei que você não é nada adepto dos movimentos comunistas. E que de fato os resultados obtidos nas experiências soviéticas não foram muito animadores. Mas de 2012 pra cá tenho lido muitos marxistas e, claro, a fonte: Marx e Engels. E é quase impossível não concordar com a totalidade de seus escritos e inclusive com as proposições de modo de organização da sociedade.

 Em 2012 arrumei o meu primeiro emprego. Trabalho. Essa coisinha que é a base ontológica do marxismo e que tantos ignoram. Eu encontrei salas super-lotadas; remuneração péssima; falta de infra-estrutura; nenhum contato com o resultado daquilo que eu realizava; e uma burocracia intensa e desmotivante que aos poucos transformava aquilo, uma escola, em um túmulo. De tudo. Até da motivação de um recém graduado.

 Mas continuei a viver nessa situação, apesar de bastante desmotivante — e que não atinge só a categoria dos professores, diga-se. Em 2013 nós tivemos manifestações massivas, no país inteiro, de clara insatisfação com a política e o Estado burguês, como ele é conduzido alheio aos interesses da população. E esse foi o grande mote que suplantou as pautas mais específicas do MPL e que de alguma maneira condensavam tanto os grupos à esquerda quanto os que se diziam de direita e por lá estavam. Apesar da propaganda oficial, apesar do otimismo da burguesia nacional com os grandes eventos esportivos que o país teria e que o colocariam no mapa das potências, o povo ia mal. E explodia em ira. E não só aqui: o movimento quase que seguiu uma tendência de manifestações anti-capitalistas e seus símbolos em várias partes do mundo.

 Chegamos em 2014 e o vi a escrever várias boas postagens a defender as coisas boas do governo do PT e atacar a oposição tucana. Seu texto a elencar os malfeitos tucanos, a crença cega no neoliberalismo e o desmonte da máquina pública foi definitivo para que votasse em Dilma no segundo turno (no primeiro votei em Luciana Genro). Mas naquele período, algumas análises, bem marxistas, me chamavam a atenção: intelectuais do PCB apontavam que ambas as candidaturas defendiam projetos parecidos, com pequenas variações. Em um primeiro momento eu até desdenhei, embora os textos viessem de gente com muito gabarito como Mauro Iasi, pareciam enviesados com aquelas simplificações chulas dignas do PCO. Depois, porém, fui ver que olhar enviesado era o meu: uma vez mais um partido de esquerda democrática comprova o receituário da direita para se manter na situação.

Isso aconteceu por todo o mundo: todos os partidos de esquerda democrática — e que o PSDB também era um exemplo, lembremos! — chafurdaram no que de mais pragmático o pensamento liberal e direitista propõe como modelo de gestão. Inclusive a corrupção, que você bem demonstra ser endêmico nas gestões do Estado burguês.

Voltemos ao marxismo, ao básico: como as relações de produção determinam fundamentalmente a superestrutura na sociedade. Nosso país que ganhou um choque de capitalismo concorrencial e com pesado investimento do governo, tanto incentivando o empreendedorismo de pequenos e médios grupos quanto a verter verba para o consumo, tem hoje uma população extremamente conservadora. E não apenas nos costumes como à época da ditadura: o post do empresário da Geração de Valor (que escroto!) tem mais de 20 mil curtidas e o mesmo número de compartilhamentos. Do ponto de vista de influência, isso aí vai longe. Talvez influencie muito mais que o tal do PIG que a imprensa simpática ao PT vive a atacar.

 O PT ao forçar o desenvolvimento do capitalismo no Brasil criou um monstro que o derrubaria existisse ou não corrupção — que me parece, até pela formação do brasileiro, um aspecto sempre muito periférico (basta ver como o Maluf se elege sempre com ótima votação apesar de ter virado símbolo de corrupção) e só considerável quando em momentos que a água bate nas nádegas, isto é, de crises econômicas.

 Concordo contigo que a esquerda bolchevique é minúscula hoje e em geral repete as mesmas coisas, mesmos discursos, e tem enorme dificuldade de interpretar e propor diante de fatos novos. Mas se olharmos para bons historiadores marxistas, economistas marxianos e toda a riquíssima produção comunista-leninista-marxista, há muita coisa boa e críticas válidas e contundentes pra atualidade. Uma delas, a que me parece mais verossímil, é que uma vez dentro do Estado burguês e tendo como seu senhor o lucro, a esquerda social-democrática não tem vez e vai no máximo se lambuzar como os que naturalmente pertencem a esse meio.

 Eu não consigo conceber um mundo melhor dentro de uma sociedade capitalista. No Brasil ou na Alemanha, as pessoas, a maioria delas, está estupidificada. Moralmente degradantes (me refiro como veem a vida e não o que fazem com ela) e há infelicidade geral e irrestrita — tanto que as próprias classes médias têm, lá e cá, defendido soluções por vezes autoritárias. Uma sociedade que qualifica as pessoas pelo que elas têm, por padrões, é moralmente doentia e não merece outra coisa que não sua extinção. E a tentativa da esquerda democrática de tentar corrigir o incorrigível me parece uma das maiores perdas de tempo, pois sempre resulta nas mesmas coisas. E posteriormente vemos os mesmos choramingos: erraram, deixaram o trem passar, podiam ter feito isso e não fizeram e tudo o mais. Tolice.

Por isso concluo que se o movimento comunista hoje parece deficitário, é um trabalho menos hercúleo e de perspectivas melhores tentar aprumá-lo do que perder tempo criando grupo pra reformar o que já está podre na essência. Foi por isso que resolvi me juntar ao PCB. A democracia liberal burguesa pra mim está morta e sepultada. E não será Flavio Dino ou Luciana Genro que vai resgatá-la — mais um novo Messias pra esquerda se iludir e depois se decepcionar de forma amarga, mas não sem fazer com isso a direita recrudescer.


Teça considerações.

Cordialmente,

Wanderson Marçal.

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