30/09/2015

A esquerda e a "síndrome do pensar na escassez".


Em toda escola pública que trabalhei há um fato que ocorre em qualquer reunião: o aluno bagunceiro é sempre o que ganha maior destaque e centralidade nas preocupações. No começo eu até ficava meio revoltado. Pensava eu "como pode a gente ficar perdendo tempo com esse cara que não quer nada enquanto há muito a se fazer pelos que querem".

É um erro pensar assim, porém. Ambos merecem igual atenção e ter seu desenvolvimento acompanhado com a maior proximidade. Só que na ausência de estrutura, de pessoal, de tudo, escolhe-se uma prioridade. E repare: nem necessariamente de fato a maior prioridade, porque nem sempre o aluno bagunceiro é o que tem maiores problemas (muito aluno bagunceiro que peguei era o mais riquinho da turma, inclusive). É porque chama a atenção, mesmo.

E esse exemplo se encaixa muito bem no que acontece agora no Rio de Janeiro e os ditos "arrastões", que são importantes, que demonstram a enorme segregação existente na cidade e reflete bem como as medidas tomadas apenas pioram o problema. Só que diminuir tudo a "menino pobre e preto contra branco classe média rico" é entrar na falsa dicotomia imposta pela "síndrome do pensar na escassez": como não posso resolver o problema, vou aqui escolher um lado pra defender. E se os lados estiverem meio confusos, vamos tentar criar aqui dicotomias simplistas pra nos tirar o peso da consciência de enxergar a realidade. E qual é ela: que "arrastões" atingem gente de classe média e pobres, brancos e negros, homens e mulheres. Tem muito pai de família que vai tirar seu sustento na praia Domingo e perde por conta disso.

Em vez de a esquerda se debruçar sobre o problema como um todo, a origem de tudo, entender que aí tem muitas vítimas em vez de só procurar culpados, na lógica do estereótipo, ela fica refém do reformismo do Estado burguês e acaba juntamente com ele impondo uma defesa parcial e que segrega muitos daqueles que ela, esquerda, deveria defender. É aí que perdemos muitos trabalhadores e pessoas da classe média para o discurso reacionário e simplista do Bolsonaro e outros.

Tem que se preocupar com o aluno bagunceiro, mas tem que olhar para o bom aluno também. Não precisamos escolher que aluno priorizar se toda a escola pública estiver munida de recursos. O mesmo para a sociedade. E os recursos existem. Só estão concentrados demais em poucas mãos -- e elas não são da classe média carioca.

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