Texto do estudante de sociologia Ailton Teodoro que vem jogar luz sobre a atual situação da esquerda no Brasil, ou pelo menos de parte dela, aquela que hoje não se vê mais comprometida com a luta pelo fim da exploração, mas apenas com o aspecto que Ailton bem denomina de "identitarismo burguês". A sua brilhante exposição tem um caráter de crítica, como não poderia deixar de ser, já que vem também em corolário à apreciação anteriormente exposta no vídeo do professor Nildo Ouriques sobre o tom elitista e colonizado do desenvolvimento de parte do pensamento brasileiro restrito às bancas universitárias, universo este que Ailton como estudante da USP habita e bem conhece, o que torna a leitura ainda mais essencial e reveladora. Recomendo vivamente:
Ailton Teodoro*
A contaminação ideológica pós-moderna nos meios de esquerda já passou dos limites. Não escondo de ninguém minhas posições políticas e, portanto, o
"camaleonismo" político não têm qualquer lugar na minha forma de encarar
a vida. Há quem goste de ficar bem com todo mundo (o camaleão) e há
quem aposte na via do conflito e do embate. Este último é flagrantemente
o meu caso. Não tenho vocação pra "condottiere"
Deste modo, sem
guardar qualquer compromisso com "seu ninguém", mas, antes, com a causa
revolucionária do socialismo, tenho o dever militante de repudiar todas
as formas de identitarismo burguês de quinta categoria que invadiram,
contaminaram e vem deformando sistematicamente a cultura de esquerda com
certo vigor desde a virada do século. Identitarismos estes que não têm
nada a ver com o feminismo, o anti-racismo, o ecologismo e a luta contra
a "opressão das minorias" de extração CLASSISTA (sublinhe-se bem o
adjetivo) que tiveram lugar nos movimentos revolucionários do século XX.
Certa vez perguntei a um militante comunista de longa jornada o que ele
entendia por ser comunista hoje. Ele, sem pestanejar, respondeu: é
defender os trabalhadores e trabalhadoras de qualquer injustiça,
independente do lugar de origem, cor, crenças, sexo ou país. É não se
calar diante da opressão que incide sobre quem trabalha. É estar do lado
da revolução e não da reforma. É lutar contra a desumanização da
humanidade produzida pelo capital.
Creio que este sentido
original e medular da luta anti-capitalista, isto é, A CONTRADIÇÃO
FUNDAMENTAL ENTRE CAPITAL e TRABALHO, perdeu-se no universo dos
"marcadores sociais da diferença", de modo a não fazer mais tanto
sentido para a militância de certos partidos, organizações e movimentos
sociais contemporâneos à esquerda - se é que este termo é válido, pois é
completamente legítimo colocar em dúvida a filiação de esquerda de
algumas pautas habituadas ao referido identitarismo burguês.
Sei
que mediante esta minha nota irão sobrar nomes para me definir. Mas,
sinceramente - como se costuma dizer lá em Minas -, eu estou cagando e
andando para todos eles. Sei que sou marxista-leninista e isso já me
basta. Sei que aderi às ideias de Marx ainda no ensino médio, cursado
integralmente em escola pública e gratuita, precedido por 8 anos de
ensino fundamental igualmente cursados em escola pública e gratuita. Sei
que minhas origens sociais remetem ao proletariado do campo
desenraizado na grande metrópole, convertido à força em proletariado
urbano. Sei o que é estudar em universidade de elite quando tudo em você
rejeita o habitus antipovo do homo academicus (veja que sei falar com
pompas ridículas se eu quiser). Sei muito bem o que é "opressão" e não
preciso de nenhum vigarista pra me "ensinar" sobre ela.
Não por
isso penso que sou o único capaz de falar em nome do proletariado
desenraizado que estudou em escola pública e entrou na universidade para
conviver diariamente com gente que não conhece 10% da experiência
social de gente "da minha laia". Como escreveu o prof. Vladimir Safatle
em artigo na folha "Quem tem o direito de falar?"), este subterfúgio,
que parece "dar voz aos excluídos e subalternos", a saber, considerar
que apenas negros podem falar de negros, mulheres de mulheres, pobres de
pobres e assim por diante, na verdade redunda no silenciamento dos
próprios excluídos e subalternos, uma vez que nos levam a "acreditar que
negros devem apenas falar dos problemas dos negros, que mulheres devem
apenas falar dos problemas das mulheres" e tal.
É necessário
repudiar e combater ideologicamente a formação de guetos de discurso
tanto quanto dos discurso de gueto. Eles podem ser muito interessantes
para a onda identitária e para a antropologia (a ciência burguesa do
exótico), mas é fato que não levam ao bem comum. O socialismo é a única
via, a guerra de classes o caminho e identitarismo burguês certamente
não é um aliado...
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