01/10/2015

Contaminação ideológica pós-moderna da esquerda

Texto do estudante de sociologia Ailton Teodoro que vem jogar luz sobre a atual situação da esquerda no Brasil, ou pelo menos de parte dela, aquela que hoje não se vê mais comprometida com a luta pelo fim da exploração, mas apenas com o aspecto que Ailton bem denomina de "identitarismo burguês". A sua brilhante exposição tem um caráter de crítica, como não poderia deixar de ser, já que vem também em corolário à apreciação anteriormente exposta no vídeo do professor Nildo Ouriques sobre o tom elitista e colonizado do desenvolvimento de parte do pensamento brasileiro restrito às bancas universitárias, universo este que Ailton como estudante da USP habita e bem conhece, o que torna a leitura ainda mais essencial e reveladora. Recomendo vivamente:


Ailton Teodoro*


A contaminação ideológica pós-moderna nos meios de esquerda já passou dos limites. Não escondo de ninguém minhas posições políticas e, portanto, o "camaleonismo" político não têm qualquer lugar na minha forma de encarar a vida. Há quem goste de ficar bem com todo mundo (o camaleão) e há quem aposte na via do conflito e do embate. Este último é flagrantemente o meu caso. Não tenho vocação pra "condottiere"

Deste modo, sem guardar qualquer compromisso com "seu ninguém", mas, antes, com a causa revolucionária do socialismo, tenho o dever militante de repudiar todas as formas de identitarismo burguês de quinta categoria que invadiram, contaminaram e vem deformando sistematicamente a cultura de esquerda com certo vigor desde a virada do século. Identitarismos estes que não têm nada a ver com o feminismo, o anti-racismo, o ecologismo e a luta contra a "opressão das minorias" de extração CLASSISTA (sublinhe-se bem o adjetivo) que tiveram lugar nos movimentos revolucionários do século XX.

Certa vez perguntei a um militante comunista de longa jornada o que ele entendia por ser comunista hoje. Ele, sem pestanejar, respondeu: é defender os trabalhadores e trabalhadoras de qualquer injustiça, independente do lugar de origem, cor, crenças, sexo ou país. É não se calar diante da opressão que incide sobre quem trabalha. É estar do lado da revolução e não da reforma. É lutar contra a desumanização da humanidade produzida pelo capital.

Creio que este sentido original e medular da luta anti-capitalista, isto é, A CONTRADIÇÃO FUNDAMENTAL ENTRE CAPITAL e TRABALHO, perdeu-se no universo dos "marcadores sociais da diferença", de modo a não fazer mais tanto sentido para a militância de certos partidos, organizações e movimentos sociais contemporâneos à esquerda - se é que este termo é válido, pois é completamente legítimo colocar em dúvida a filiação de esquerda de algumas pautas habituadas ao referido identitarismo burguês.

Sei que mediante esta minha nota irão sobrar nomes para me definir. Mas, sinceramente - como se costuma dizer lá em Minas -, eu estou cagando e andando para todos eles. Sei que sou marxista-leninista e isso já me basta. Sei que aderi às ideias de Marx ainda no ensino médio, cursado integralmente em escola pública e gratuita, precedido por 8 anos de ensino fundamental igualmente cursados em escola pública e gratuita. Sei que minhas origens sociais remetem ao proletariado do campo desenraizado na grande metrópole, convertido à força em proletariado urbano. Sei o que é estudar em universidade de elite quando tudo em você rejeita o habitus antipovo do homo academicus (veja que sei falar com pompas ridículas se eu quiser). Sei muito bem o que é "opressão" e não preciso de nenhum vigarista pra me "ensinar" sobre ela.

Não por isso penso que sou o único capaz de falar em nome do proletariado desenraizado que estudou em escola pública e entrou na universidade para conviver diariamente com gente que não conhece 10% da experiência social de gente "da minha laia". Como escreveu o prof. Vladimir Safatle em artigo na folha "Quem tem o direito de falar?"), este subterfúgio, que parece "dar voz aos excluídos e subalternos", a saber, considerar que apenas negros podem falar de negros, mulheres de mulheres, pobres de pobres e assim por diante, na verdade redunda no silenciamento dos próprios excluídos e subalternos, uma vez que nos levam a "acreditar que negros devem apenas falar dos problemas dos negros, que mulheres devem apenas falar dos problemas das mulheres" e tal.

É necessário repudiar e combater ideologicamente a formação de guetos de discurso tanto quanto dos discurso de gueto. Eles podem ser muito interessantes para a onda identitária e para a antropologia (a ciência burguesa do exótico), mas é fato que não levam ao bem comum. O socialismo é a única via, a guerra de classes o caminho e identitarismo burguês certamente não é um aliado...

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