27/03/2017

SOBRE O AMOR E OS SEUS OBSTÁCULOS. Ou finalmente um post sobre sentimentos

Por Wilson Gomes, doutor em ciência política e especialista em política na mídia e redes sociais.

A esquerda ama "o povo". E sempre e tanto que mesmo em face do maior desencanto simplesmente não pode admitir que o seu amado tenha feito o que comprovadamente fez. Assim, consola-se imaginando que se o fez foi porque forçado (pela mídia, pela elite, pelo flautista de Hamelin), vez que o povo é bom mas o Mal que o ronda, metafísico e abundante, frequentemente o seduz.

Há provas mais do que suficientes de que o povo não ama a esquerda, preferindo outros corpos e outros chamegos, mas a moça não consegue abrir mão das delícias que é sentir-se amada por amante tão desejado, e busca refúgio no autoengano. Afinal, é melhor ser feliz que ser filósofo, como dizem que disse Sócrates.

Chega a haver momentos em que a confiança nos próprios predicados atinge cumes improváveis e a esquerda tem certeza de que ao menor dos seus acenos, ou à menor das suas lúbricas promessas, o povo, fascinado, dobrar-se-á ao seu querer. É quando uns coletivos do Facebook convoca uma greve geral de metade da humanidade e a esquerda de classe suspira a sua certeza de que "os trabalhadores" todos irão se sublevar contra as PECs e os PLs do Fim do Mundo.

Ninguém há de comparecer ao encontro marcado, pois se a esquerda ama o povo ou povo não a ama de volta, ou, ao menos, não a ama "tanto assim". Mas quem se importa? Alguém deve ser culpado por tanto amor não retribuído. Demais disso, é sabido que um amante de verdade negocia mal com a realidade pois o amor é torvelinho, é fogo que arde sem se ver, é... oops acho que entrei numa poesia e saí em outra. Estão vendo o que o amor faz com a gente?

Eu falava de quê mesmo? Ah, sim, a esquerda acha que o povo só não a ama agora, neste momento, mas que um dia, quando descobrir que só ela o ama de verdade, virá todo molinho, olhos doces, se aconchegar no seu colinho. Ah, se não fosse a mídia, esta ordinária, e a política, aquela cachorra, a esquerda teria o povo todinho para si. Já imaginou? Chega dispara o coração.

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