
Pergunto-me por que me importar com um esporte cujo resultado é quase sempre decidido fora do campo. E eu não me refiro a supostos roubos de arbitragens. E sim a disparidade econômica que assola os gramados mundialmente. E aqui vai um pouco da minha história de vida e da minha relação com o futebol para fazer o leitor compreender melhor minha angústia:
Eu nasci numa família apaixonada pelo jogo. Vivi até 6 anos na casa dos meus avós, na qual alguns tios, adolescentes, se dividiam na paixão pelo São Paulo e pelo Corinthians. Era 1997, final do campeonato paulista, quando decidi tomar partido. Já naquela época eu conseguia perceber o Corinthians como um time mais popular. A vitória com gol do André Luiz com colaboração do calcanhar do Rogério Ceni me fez passar a ter simpatia por aquele clube, que vencera ali o então clube mais vencedor dos últimos anos do futebol nacional, o que eu não sabia, mas que a postura arrogante dos meus tios são-paulinos deixava bem claro. rs
Mas foi só 98 que eu comecei a acompanhar futebol de forma mais autônoma. Foi naquele ano duas das minhas maiores tristezas com o fabuloso esporte: a derrota do Corinthians para o São Paulo na final do campeonato paulista, com direito a exibição de gala de Raí; e a derrota para a França na final do mundial. Foi ali que eu percebi que o futebol muito mais tirava do que dava.
No entanto, nos anos seguintes, o time que havia escolhido para torcer ganhou bastante e deixou a mim e meus parentes corintianos muito orgulhosos. Só que duas derrotas marcaram bastante: ambas para o Palmeiras nas Libertadores de 1999 e 2000. Vencer e perder parecia mesmo uma rotina do futebol, o que o fazia mais e mais apaixonante para um garoto que não tinha nem sequer uma década de vida, ainda. Aquilo era realmente imprevisível.
O tempo foi passando e junto ao Corinthians eu somei alguns namoricos internacionais, todos bem moderados: A Internazionale e o Madrid, por conta do meu ídolo de infância no futebol, o Ronaldo (o outro havia sido o... Rubinho! rs); o Bayern por conta de sempre chegar nas decisões européias e por ser do país cuja seleção tinha o uniforme parecido com o do Corinthians (aliás, que merda foi essa da Mannschaft adotar esse uniforme todo branco, né?); e o Chelsea. Muitas torcidas, mas o clube que eu amava, mesmo, era o coringão.
Foi assim até 2006 quando o Tevez saiu. Ali eu percebi que eu era apenas um bobo, um idiota. Primeiro porque idolatrava um cara que nem teve a dignidade de dizer tchau. Depois porque gostava de um clube que a bagunça interna era tão grande -- e só ali fui perceber quando conheci os meandros do Parque São Jorge --, que havia quem torcesse contra apenas por motivações políticas. Gente de dentro do próprio clube.
Entrei em crise com o futebol.
Mas a bela Copa de 2006 me deixou algumas sementes que começariam a brotar:

É verdade que minha relação com o futebol ficou mais sóbria e menos passional. Eu nunca chorei por uma derrota bávara. E nem nunca saí pela rua gritando quando vencia. Talvez por medo de parecer ridículo? Talvez. Mas não importa.
E o Bayern sempre venceu muito. Não se discute que é o maior clube da Alemanha e um dos maiores do mundo. Mas apesar de continuar a vencer, nunca foi tão simples: ganhava uma Bundesliga aqui, outra em dois anos; caía nas quartas da Champions... Lembrava-me as campanhas do Corinthians no final dos anos 90: vencedor, mas não avassalador.
Foi assim até 2013. Hoje o clube ganha sempre. Independentemente do que aconteça. Agora mesmo no fim de semana fomos tricampeões alemães com 4 rodadas de antecedência (em um campeonato de 34 rodadas, isso é muito...), somando o 25º título enquanto o segundo colocado, o também bávaro Nürnberg, tem 9. Só o Schweinsteiger, que acaba de completar 30 anos, 13 de profissional do Bayern, já tem 8 Bundesligas. O mesmo número que um dos nossos grandes rivais atuais, o Borussia Dortmund.
Alguns alegam que é apenas uma fase de uma equipe histórica. Pode ser. Mas o que temos visto na Espanha, com duas equipes de poderio financeiro parecido com o do Bayern, é que não é bem assim: o Barcelona histórico que ganhou tudo com Guardiola e parecia ter seus recordes guardados por décadas (assim como foi o Bayern da década de 70 com Beckenbauer, Gerd Müller, Breitner e outros craques) já vê a equipe do multimilionário ataque MSN bater alguns de seus números. O Real Madrid com vários jogadores abaixo do potencial, mesmo assim, fazem semifinal novamente de Champions League e vão disputar o espanhol uma vez mais com o Barcelona e muito à frente do Atletico de Madrid, que mesmo com muito dinheiro do governo pouco popular do Azerbaijão, não consegue fazer frente aos dois rivais. Para piorar, o Karl-Heinz Rummenigge, CEO do Bayern, disse que ficou feliz com a derrota do Atleti porque eles praticariam anti-futebol. Mas tem como competir com Madrid e Barcelona jogando futebol e tendo menos de um terço do orçamento? Eu gostaria que o Rummenigge respondesse. Sinceramente.
Clubes são tratados como empresas e o futebol virou negócio. E dos gordos. E faz tempo. Quem paga mais, quem tem mais, quase sempre vai ganhar. Mesmo o futebol sendo incrivelmente generoso com times pobres e fracos, equipes como Madrid, Barcelona e Bayern, super-seleções supranacionais, atingem um nível técnico que é raro vê-los falhar quando enfrentam mesmo times muito bons.
E por acaso hoje aconteceu: o Bayern foi eliminado em plena Allianz Arena, em Munique, pelo Borussia Dortmund, que é oitavo no campeonato alemão com 37 pontos a menos que o Gigante bávaro. O BVB -- como é conhecido na Alemanha -- tem 39 pontos, mas hoje, nos pênaltis, conseguiu nos eliminar e ir à final. Mas não sem um toque de imprevisibilidade: parecia morto até os 70 minutos de jogo, o Bayern tirou o pé já pensando nas semis da Champions e os jogadores que entraram, sobretudo o Robben voltando de lesão e que se lesionou novamente, não corresponderam e o time conseguiu empatar e quase virar antes do fim dos 90 minutos. Ainda contou com um erro de arbitragem. Ou seja: em condições normais, o Bayern teria vencido. Assim como em condições normais vencerá a próxima Bundesliga e a Copa da Alemanha, a Deutscher Pokal.
Onde está o prazer em acompanhar algo que a diferença é tão grande? Pra complementar, os clubes, sobretudo os mais ricos, os grandes, cada vez mais exploram seu torcedor a fim de alcançar rendas ainda mais absurdamente gigantescas (sugiro a leitura do texto do Mauro Cezar Pereira na ESPN: clubes gastam mal e exploram torcedor), afastando o povo dos estádios. Tudo para que os envolvidos ganhem ainda mais fortunas, que os jogadores ganhem salários ainda mais fora da realidade de 98% da população mundial.
É um desaforo, um tapa na cara de trabalhadores como nós.
Não obstante, existe toda uma linguagem de idolatria para com jogadores de futebol que merece mesmo uma outra postagem e muito mais que isso: intensa crítica e reflexão. Viraram ídolos, mártires, exemplos. Isso em uma sociedade que cada vez mais carece de educação, saúde. Em termos práticos: professores e médicos. E que cada vez mais são vistos com desdém.
Eu estou em crise com o futebol. De novo. E confesso que escrever esse texto me deixa incrivelmente menos angustiado, ainda que a angústia ainda ali permaneça e ocorrerá toda vez que o Bayern entrar em campo, eu torcer por ele e perceber que aquele gol vale não sei quantos milhões que irá, aos poucos, separando-o dos demais e matando o pouco que resta de esporte nesse jogo cada vez mais capitalista.
Eu queria poder bradar orgulhosamente que meu time tem quase três vezes mais títulos da liga nacional que o segundo colocado, que temos 5 Champions League e o Borussia Dortmund apenas uma, que o Bayern é tricampeão alemão seguidamente e dando um baile nos demais. Mas você olha nas contas, e lá está: o clube gasta quase quatro vez mais que o Dortmund. Como competir? E se se olha para ligas como a da Espanha e da Itália, a diferença é ainda maior.
Não é difícil ganhar assim. Mas também não é fácil torcer.
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